Costa visita Angola com a “economia em transformação” e a querer depender menos do petróleo

Primeiro-ministro português volta a Angola quase seis anos depois. Valorização de áreas como engenharia e construção, agroalimentar, energia e turismo são prioridades para a economia angolana.

António Costa regressa esta segunda-feira a Angola praticamente seis anos depois da última visita oficial. A deslocação de dois dias do primeiro-ministro inclui um encontro com empresários portugueses e permitirá medir a temperatura das relações comerciais entre os dois países.

O líder do Governo irá encontrar uma “economia em transformação”, à procura de depender menos do petróleo. Os empresários portugueses encontram muitas oportunidades mas não faltam desafios para ultrapassar, segundo os testemunhos recolhidos pelo ECO junto de associações e empresas.

“As relações estão boas, mas o futuro é incerto. Angola tem diversificado a sua economia ao mesmo tempo que tem desenvolvido as suas infraestruturas (mais estradas, melhoria da produção e transporte de eletricidade, nomeadamente) o que significa que a economia angolana está em transformação“, caracteriza ao ECO o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola (CCIPA).

Se as empresas portuguesas não souberem ajustar-se a estas alterações, vão perder oportunidades e relevância e muitas das marcas que hoje são notórias no mercado e percecionadas como produtos premium vão perder valor

João Luís Traça

Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola

João Luís Traça destaca que no futuro próximo irá existir “maior produção local em Angola, no setor primário (com destaque para a agricultura) e no setor secundário“. O líder da CCIPA avisa: “Se as empresas portuguesas não souberem ajustar-se a estas alterações vão perder oportunidades e relevância e muitas das marcas que hoje são notórias no mercado e percecionadas como produtos premium vão perder valor”.

As privatizações também estão a contribuir para a transformação de Angola, sinaliza o líder da Associação Empresarial de Portugal (AEP). “As iniciativas do executivo de João Lourenço, que têm como objetivo tornar Angola economicamente mais independente e diversificada, têm sido gradualmente bem sucedidas. Verifica-se atualmente o processo de privatização de setores chave, onde se destaca o mineiro, agrícola, regulação aérea e petrolífero”, detalha Luís Miguel Ribeiro.

Quando António Costa visitou Angola pela última vez, em setembro de 2018, as relações comerciais com Portugal tinham acabado de registar o maior superavit dos últimos anos. Em 2017, Portugal tinha um saldo comercial positivo com Angola de 1,507 mil milhões de euros: 1,786 mil milhões de euros correspondiam às exportações e 278,869 milhões de euros às importações, segundo os dados facultados ao ECO pelo Instituto Nacional de Estatística relativos ao período entre 2015 e 2022.

O ano seguinte à visita seria o mais equilibrado, com a balança a pender para o lado português em 163,321 milhões de euros: as exportações valeram 1,238 mil milhões de euros e as importações cifraram-se em 1,075 mil milhões de euros

Brinde aos negócios faz-se com (muita) uva

Olhando em detalhe para as relações luso-angolanas, o petróleo figura sempre no primeiro lugar dos produtos mais importados por Portugal. Quanto ao que chega a Angola, a liderança foi partilhada entre os medicamentos (2016, 2018, 2020, 2021 e 2022) e o óleo de soja (2017 e 2019). Em 2015, foi a vez do vinho, produto que tem estado sempre nos cinco primeiros lugares.

No ano passado, Portugal exportou 49 milhões de euros em vinho para o país liderado por João Lourenço, mais do dobro do valor de 2021 (24 milhões). Para o presidente da ViniPortugal, Frederico Falcão, o consumo de vinho português por parte do povo angolano deve-se essencialmente à “relação histórica entre os dois países”.

Quando falamos com os agentes económicos percebemos que o mercado está saturado de vinho, por isso não sei até que ponto vai continuar a crescer como temos observado em 2022 e agora em 2023. Ao estar saturado começa a existir pressão de preços e isso é um problema porque o nosso objetivo é crescer sempre em preço médio e tentar exportar vinhos melhores e Angola está a tornar-se mais complicado esse crescimento

Frederico Falcão

Presidente da ViniPortugal

O presidente da ViniPortugal detalha que os angolanos “consomem 32 milhões de litros por ano” e que “85% do vinho consumido em Angola é português”, o que “representa um peso muito grande”. Os vinhos da região do Douro e Alentejo são os preferidos dos angolanos, com um gosto particular pelo vinho tinto.

O grande calcanhar de Aquiles é o preço médio do vinho (1,45 euros), o mais baixo entre os destinos de exportação. Quando falamos com os agentes económicos percebemos que o mercado está saturado de vinho, por isso não sei até que ponto vai continuar a crescer como temos observado em 2022 e agora em 2023. Ao estar saturado começa a existir pressão de preços e isso é um problema porque o nosso objetivo é crescer sempre em preço médio e tentar exportar vinhos melhores e em Angola está a tornar-se mais complicado esse crescimento”, conclui Frederico Falcão.

O setor do metal é outra das presenças constantes entre os produtos mais exportados de Portugal para Angola. Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), detalha que o mercado nacional exporta para Angola máquinas e estruturas metálicas. “Durante algum tempo o mercado angolano era muito importante para nós e depois caiu substancialmente. Tem vindo a recuperar, mas ainda está longe daquilo que chegou a significar”, relata Rafael Campos Pereira.

Desafios na bagagem

António Costa Silva irá acompanhar o primeiro-ministro na visita a Angola. Em maio, o dono da pasta da Economia destacava: “Vamos levar muitas empresas portuguesas a Angola, há sinergias que se estão a criar e espero que haja foco em projetos concretos, inclusive no investimento em ambos os países”, notava Costa Silva à margem de um evento no Porto.

Presente em Angola há vários anos, o grupo Sumol+Compal sinalizava o “esforço de redução da dívida pública” como um dos maiores desafios. Os angolanos apreciam os sumos portugueses e conduziram a um crescimento médio anual de vendas acima dos 25% nos últimos anos, já com o país em fase pós-pandemia.

O líder da câmara de comércio e indústria reconhece que há desafios como a “dificuldade de acesso a financiamento, a tramitação burocrática e a formação de quadros“. João Luís Traça, contudo, desvaloriza a situação e entende que os problemas “não são diferentes das empresas de outros países”.

No caso dos vinhos, “há sempre o risco dos pagamentos“. É um mercado “onde devemos ter algum cuidado”, adverte por sua vez o líder da ViniPortugal. “Os principais entraves apontados pelas empresas que integram as missões empresariais da AEP ao mercado angolano consistem na disponibilidade de divisas estrangeiras para a realização dos pagamentos, na dificuldade de as empresas angolanas obterem seguros de crédito e nas quantidades, que por vezes não atingem um contentor e dificulta a viabilidade financeira da operação”, complementa Luís Miguel Ribeiro.

Oportunidades na mira

Em sentido contrário, a diversificação da economia angolana também pode potenciar os negócios das empresas portuguesas no país. “A realização de parcerias entre empresas angolanas e portuguesas continua a ser fortemente acarinhada nos dois países. Este é o ativo que resiste até a uma pandemia”, destaca João Luís Traça.

Do lado do metal, Rafael Campos Pereira nota que é mais fácil exportar para o mercado angolano, tendo em conta que “há mais profissionalismo do lado dos compradores em Angola, os canais comerciais melhoraram e a distribuição melhorou”. Em suma, “é tudo mais fluído e os constrangimentos atenuaram”.

A relação entre Portugal e Angola é uma grande oportunidade e pode ser muito importante e dar frutos muito rápidos. Há uma abertura para que isso aconteça e havendo essa oportunidade os dois países devem trabalhar em conjunto”, destaca o líder da associação têxtil (Anivec). César Araújo lembra que Angola “não quer estar dependente exclusivamente do petróleo” e que “tem interesse em desenvolver outras atividades”.

A maior aproximação das empresas portuguesas ao mercado angolano também é notória porque há um aumento gradual do número de participantes na Feira Internacional de Angola (FILDA). AO ECO, a AEP conta que para a edição deste ano, que irá decorrer em julho, a comitiva da associação é constituída por 21 empresas, mais sete do que na edição do ano passado.

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