BRANDS' ECO Tecnologias na saúde: o paciente está primeiro

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  • 6 Junho 2023

A saúde deve ser tratada de forma holística onde quer que esteja o paciente. Priorizar a prevenção e os apoios à saúde foram as principais conclusões da conferência Saúde 5G, promovida pela NOS.

A tecnologia na saúde tem de partir de um pressuposto humanista. Os objetivos principais das soluções tecnológicas têm de deixar de estar centrados nas necessidades dos profissionais de saúde ou do sistema, mas pensar, em primeiro lugar, no bem-estar do paciente. Esta foi uma das ideias-chaves debatidas na conferência Saúde 5G, promovida pela NOS, em Lisboa.

A prevenção tem de ser prioritária para evitar que as pessoas atinjam estados crónicos, poupando deste modo muito dinheiro ao sistema de saúde. Aliás, foi apontada como urgente uma definição estratégica de políticas de saúde no âmbito do Governo, para ajudar os clínicos e os engenheiros a criar soluções que vão ao encontro das reais necessidades do país como um todo e no combate às assimetrias de acesso aos cuidados de saúde.

A NOS convidou um conjunto de clínicos e criadores de tecnologia para a área da saúde que tiveram a oportunidade de falar para uma sala completamente cheia. Conclui-se desta conferência que a tecnologia por si não é suficiente, é preciso trabalho de equipa de profissionais com valências diversificadas: médicos, engenheiros, matemáticos.

Colocar o paciente em primeiro lugar, onde quer que ele esteja, tem de ser a prioridade da inovação. Por seu lado, esta inovação precisa de boas redes de comunicação, latência tão baixa quanto possível, profissionais clínicos a trabalhar em qualquer ponto do mundo, a fazer operações remotamente ou a ajudar outros a fazê-las. A rede 5G era, provavelmente, o elo que faltava para tornar muitas ideias, protótipos, provas de conceito, ensaios clínicos realidade em Portugal e no mundo. O 5G é um grande empurrão na medicina à distância.

Vítor Hugo Pereira, cardiologista especializado em ressonâncias magnéticas cardiovasculares e imagem cardíaca, e CEO da AI4Med, disse que, até agora, no trabalho de inovação na área da saúde “havia uma limitação: a qualidade da rede. Agora há uma oportunidade única: o 5G pode ser a solução” para acelerar a inovação nos cuidados de saúde, assinalou.

Maria João Batista, CHUSJ, defendeu “a necessidade de uma rede excelente para que os médicos consigam fazer telemedicina”. Afinal, um procedimento delicado não pode ser interrompido apenas porque a Internet caiu.

O cardiologista da AI4Med destacou ainda os benefícios da Internet das Coisas (IoT), que representa uma capacidade preditiva sem precedentes. Exemplificou que, atualmente, muita gente tem um qualquer dispositivo que mede a pulsação. Salientou o potencial no campo da imagem aplicado a ressonâncias ou TAC. E acrescentou o potencial da IA que, ao compilar rapidamente os dados recolhidos, liberta os clínicos para falar com os doentes. Vítor Hugo Pereira citou um médico que se lamenta de “passar uma hora a analisar uma ressonância cardíaca, quando poderia estar a falar com os doentes”.

Clínicos e os engenheiros têm de trabalhar em equipa

Desenvolver projetos tecnológicos relacionados com a saúde tem de envolver equipas multidisciplinares. Os médicos sabem o que precisam, mas não têm as competências dos engenheiros, matemáticos e outros profissionais. “Se não sabemos como fazer, mas sabemos o que queremos devemos arranjar quem faça”, com esta mensagem Owase Jeelani, neurocirurgião pediátrico, iniciou a sua apresentação.

Owase Jeelani é um reconhecido médico no NHS – o equivalente ao nosso serviço nacional de saúde em Inglaterra – que se dedica ao procedimento complexo de separação de gémeos siameses. Ao longo da carreira, tem vindo a contar com o apoio tanto de engenheiros e matemáticos, mas também encontra inspiração para o desenvolvimento do seu trabalho em brinquedos de criança. Certo dia viu a filha a brincar com uma peça maleável para moldar plasticina. De imediato pensou aplicar aquela ideia para separar um par de siameses que tinham os cérebros distribuídos por ambos os crânios. Ao definir a que gémeo pertencia a massa encefálica, o médico consegue introduzir uma pequena divisória que obrigou os cérebros a mover-se gradualmente para o local ideal, sendo posteriormente possível separar os siameses.

"Temos de ser humildes, tornar claros a nossa visão e propósito, ser ainda mais inovadores.”

Owase Jeelani, médico no NHS

O especialista é apologista do trabalho em equipas multifacetadas; médicos, programadores engenheiros para encontrar a melhor forma de executar o que pretende fazer nas suas operações. “Temos de ser humildes, tornar claros a nossa visão e propósito, ser ainda mais inovadores”, disse. Acima de tudo tem de estar o “bem-estar do paciente”, sendo imprescindível uma visão integrada do problema.

Em linha com Owase Jeelani, do NHS, também Maria João Baptista, do CHUSJ, reforçou mais tarde a necessidade do trabalho de equipa entre pessoal da saúde, da biotecnologia, da engenharia, o que pode, inclusive, facilitar o recurso a fundos e financiamento europeus.

O problema da assimetria no acesso à saúde

Maria João Baptista começou a sua apresentação com uma questão de fundo: “como fazer a tecnologia chegar a todo o mundo”? A especialista salientou a necessidade de acabar com a assimetria do acesso aos cuidados de saúde, destacando a importância do 5G, “muito útil para a comunicação em tempo real entre cirurgiões”.

Sobre a sua casa, deu como exemplo a Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), onde estão muitos doentes sobre os quais é preciso recolher dados vitais. “Se tivermos formas de recolher dados [de modo automatizado] sobre os pacientes podemos libertar os profissionais para de facto cuidar dos doentes”, explicou. Esses dados permitem prever o desenvolvimento dos sinais, prever-se o oxigénio necessário e, quando em casa, pode-se agir de imediato.

Márcio Colunas, da Sword Health, tem como objetivo resolver os grandes problemas da dor. Com o kit desta empresa, o profissional pode apoiar vários doentes à distância, otimizando o seu trabalho. A Sword Health é uma empresa de tecnologias médicas de origem portuguesa que optou por sediar-se nos EUA e trabalha atualmente também no Canadá, na Austrália e noutros países europeus, estando em processo de internacionalização para a América do Sul.

Luís Pereira, da Medtronic, felicitou-se pela mudança de paradigma que aconteceu nas últimas duas décadas. Se antes, “a tecnologia se focava no médico e na otimização do seu trabalho, hoje está centrada no doente, focando-se mais na eficiência de recursos”.

O responsável da empresa assinalou que “ou recorremos a tecnologia ou não vai haver cuidadores suficientes no futuro, nem cuidados médicos”, explicou ainda que a Medtronic se pauta por 4 P: soluções preditivas, preventivas, personalizadas e participadas.

Ainda sobre as assimetrias, Maria João Baptista chamou a atenção para uma preocupação concreta: não obstante “o Hospital de São João ter uma app para marcação de consultas ainda há muitas pessoas que não conseguem usar essa tecnologia. Tem sempre de existir uma solução alternativa”.

Portugal precisa de uma visão estratégica para o setor da saúde

A necessidade de uma visão estratégica para o setor da saúde, de cima para baixo, foi um dos temas que o painel do papel social na tecnologia da saúde destacou. Maria João Baptista falou da necessidade urgente de uma visão nacional holística que resolva as assimetrias no acesso aos cuidados de saúde no país e é necessária uma definição superior sobre a forma ideal para distribuir as soluções. “São precisos mais hospitais? O que é crítico em cada um?”, exemplificou.

Luís Pereira falou da necessidade de agilização nos processos de aprovações de novas tecnologias. “O ciclo de vida de um dispositivo médico é de 18 a 24 meses, é preciso rapidez de ação no lançamento do produto e confirmação de evidências”. Além disso apontou para a necessidade de o setor da saúde “considerar não apenas o produto, mas a solução, incluindo serviços e manutenção”.

Mais tarde, durante a conferência, Vítor Hugo Pereira sugeriu a “migração do foco em incidentes agudos para uma visão mais holística”. Acrescentando que “é também necessário simplificar a regulação, atualmente a principal barreira para fazer chegar tecnologia ao mercado. “O ciclo de vendas na saúde é longo”, disse, confirmando o que já havia sido dito anteriormente.

António Cunha, do Instituto Pedro Nunes, acrescentou que “a extensão dos cuidados de saúde [por exemplo fisioterapia] para casa é essencial”, mas, para o efeito, é necessário criar sistemas de reembolso que incluam os tratamentos em casa, não devendo o foco estar apenas nos casos agudos, crónicos ou continuados no sistema hospitalar. Apenas os doentes crónicos, apenas, representam 70% dos custos do serviço nacional de saúde.

Por seu lado, José Paulo Carvalho, da Hope Care, defende que as soluções digitais devem ser prescritas como se de medicamentos se tratassem, incluindo reembolsos. “O investimento em inovação deveria ser recompensado para se continuar a investir em inovação”. A título de exemplo do que se pode poupar disse ter a trabalhar consigo um enfermeiro com 1000 pacientes.

António Cunha acrescentou que independentemente da tecnologia utilizada – no caso ultrassons/ecografias – os profissionais não estão em risco de perder os seus trabalhos. “Tem sempre de existir um médico para treinar profissionais não especialistas no funcionamento da ferramenta ou para acompanhar à distância”, tranquilizou. Na opinião de cirurgiões “o ultrassom será o estetoscópio do futuro”, disse.

José Paulo Carvalho, cuja solução Hope Care monitoriza dados recolhidos à distância, salientou que no caso da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) é possível identificar sinais que evitam 50% dos internamentos hospitalares e que no caso da insuficiência cardíaca se atestou uma redução de 80% nos episódios de urgência. Além disso, 60% dos alertas deve-se simplesmente à falta ou má medicação que provoca descompensações, algo que pode ser facilmente resolvido sem internamento. Além disso, a recolha de dados à distância, tele-monitorização de dados vitais, permite aos pacientes tornar-se parceiros dos médicos, disse.

Prevenção centrada no utente

Márcio Colunas também havia salientado que é fundamental apostar na prevenção e não apenas no tratamento de doenças crónicas. “É uma forma de reduzir custos no sistema e não sobrecarregar os profissionais. As soluções “têm de ser centradas no paciente e simples de utilizar, havendo ainda um longo caminho a percorrer”. É fundamental investir na formação nas comunidades e nos profissionais de saúde para garantir a implementação das melhores práticas das melhores práticas de saúde disponíveis.

Luís Pereira afirmou que, tal como existe o IoT, temos agora o corpo como uma plataforma. Poderá surgir uma nova sigla: IoC? O responsável da Medtronic ressalvou a importância da eficácia das tecnologias: “a minha tecnologia será tanto mais eficaz quanto mais eficiente for para o hospital”. Reforçou a importância de “medir, medir, medir”.

O caso do Champalimaud Clinical Center

“Smart and Better Healthcare” foi o mote da apresentação de Pedro Gouveia, médico no Champalimaud Clinical Center. Aqui já foram feitas provas de conceito de uma soluções de realidade aumentada, através da qual é possível fundir a imagem do paciente com imagens virtuais, especificamente no caso da prevenção e tratamento do cancro da mama. Desta forma o profissional pode fazer uma interpretação rápida da imagem.

O profissional deu ainda um exemplo de Las Vegas no qual será, dentro de quatro anos, possível usar realidade aumentada numa sala de operações. Esta solução requer realidade virtual/aumentada, uma rede IoT para transferir dados, latência, e câmaras especiais 3D. Permitirá, quando em funcionamento treinar em ambiente de realidade virtual e outros procedimentos.

Pedro Gouveia exemplificou ainda casos de uso que podem melhorar em muito os cuidados com os doentes. Robôs nos hospitais para colmatar a falta de profissionais de saúde, “Homespitals” – hospital em casa – em que tudo está conectado numa única plataforma. Neste caso, deu o exemplo: em caso de AVC, o robô pode fazer o diagnóstico com recolha de dados antes mesmo da chegada do 112.

Referiu ainda a solução “hybrid hospital” através da qual os pacientes se tornam diretores operacionais dos seus próprios dados. O paciente “passa de um zero na organização [da sua saúde] para um cargo de gestão. Uma grande promoção”, congratulou-se Pedro Gouveia.

Referiu mais exemplos de casos de usos, acrescentando que dentro de um mês haverá três novos labs do Champalimaud Clinical Center na DocaPesca.

"Dentro de um mês haverá três novos labs do Champalimaud Clinical Center na DocaPesca, em Lisboa.”

Pedro Gouveia, médico no Champalimaud Clinical Center

70% das mortes devido a problemas cardiovasculares poderiam ser evitadas

No encerramento da sessão, Cristina Campos partilhou as suas reflexões e visão sobre “tecnologia & saúde” e como amplificar a vida tornando-se mais longa e com mais qualidade. Cristina Campos tem um percurso profissional relacionado com as ciências da vida e indústria farmacêutica e tem liderado e acompanhado projetos de transformação digital e de inovação.

A business angel chamou a atenção para os atuais desafios demográficos que passam por uma maior longevidade, pelo envelhecimento da população e pelo aumento da mortalidade. Referiu por exemplo que “70% das mortes devido a problemas cardiovasculares poderiam ser evitadas”, com recurso à prevenção aliada à tecnologia. Desafia os envolvidos nesta mudança em curso no setor da saúde a trabalhar na tecnologia com humanismo. Tendo como premissas uma série de “C”: criatividade e espírito crítico, colaboração, compaixão e coragem, sem descurar a comunicação.

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