BRANDS' ECO Por uma Fiscalidade mais verde. Ou vamos continuar a adiar o inadiável?
A Secretária de Estado da Energia afirmou que estão a estudar incentivos fiscais na área da eficiência energética. Aproveitando a oportunidade, aqui se propõem algumas ideias para reflexão.
A Secretária de Estado da Energia afirmou em entrevista ao ECO que o Governo está a estudar incentivos fiscais na área da eficiência energética. Apesar de ninguém ter perguntado e enquanto cidadão interessado nestas matérias, aqui se oferecem alguns contributos.
Contextualizando, a Fiscalidade Verde é um importante instrumento de política pública com o poder de impulsionar significativas alterações de comportamentos tanto a nível individual como coletivo. Este tipo de fiscalidade permite, por um lado, incentivar comportamentos mais sustentáveis e, por outro, tributar comportamentos prejudiciais/poluentes.
Ora, sendo a área da energia uma das mais poluentes e considerado o enorme espetro de atuação, é intenção do Governo implementar alterações nesta sede, tendo sido sinalizada a necessidade de intervir no âmbito da melhoria da eficiência energética dos imóveis.
Curiosamente, o setor da energia é a área onde o Estado arrecada mais receitas fiscais “verdes” – de acordo com os dados mais recentes publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, as receitas dos impostos relativos à energia representavam, em 2021, mais de 75% dos impostos “verdes”.
Além disso, e em particular quanto aos imóveis, estes são responsáveis por uma fatia substancial do consumo de energia, daí que urja a necessidade de adotar medidas adicionais – de acordo com as informações publicadas pela Direção-Geral de Energia e Geologia, representam cerca de 30% do consumo de energia em Portugal.
Neste sentido, e tendo em consideração as “melhores práticas internacionais”, que é a intenção do Governo, propõe-se um conjunto de medidas apenas em sede de eficiência energética, nomeadamente nos imóveis.
Investimento e reabilitação num imóvel, por forma a torná-lo um prédio urbano com eficiência energética (“imóvel verde”), pode ser totalmente deduzido no IRS.
As pessoas que optem por investir e reabilitar os imóveis com esta finalidade passariam a poder deduzir os custos no IRS, numa percentagem de, por exemplo, 100%, e com um limite monetário – solução implementada em Itália e que concretiza, de alguma forma, uma prometida dedução ambiental no IRS, efetuada pelo Governo português em 2020 e 2022.
Redução da taxa do IMT na aquisição da primeira habitação própria e permanente caso seja um “imóvel verde”.
A aquisição da primeira habitação revela-se de uma dificuldade crescente, sendo que o investimento num “imóvel verde” é tendencialmente mais avultado, o que deve ser tido em consideração na altura do pagamento do imposto, sendo que se pode, por exemplo, diminuir substancialmente as taxas progressivas para estes casos, com um limite razoável – solução semelhante adotada em determinadas regiões da Bélgica.
Redução da taxa do IMI quando o imóvel seja “verde”.
A detenção de um imóvel que seja “verde”, e que por norma implica um maior investimento, deve ser tido em consideração na altura do pagamento do imposto com percentagens significativas, podendo, por exemplo, subir a atual redução máxima de 25% para 50% e com um prazo mais alargado – solução implementada em Espanha.
Depreciação acelerada (ou super depreciação) nos “imóveis verdes”.
As empresas que invistam neste tipo de ativos podem deduzir à coleta (i.e., o imposto), no ano fiscal que lhes for mais vantajoso (ou seja, quando a empresa assim entender, mas com um limite temporal razoável), uma percentagem de, por exemplo, 75% do investimento (também com um limite monetário razoável) – solução implementada nos Países Baixos e similar no Reino Unido.
Estas são apenas algumas ideias, no plano fiscal, para debate e reflexão – havendo muitas mais, tanto fiscais como financeiras, porque a intervenção deve ser feita de forma integrada. É, por isso, necessário discutir-se a forma de abordagem pretendida pelo Governo, preparar os operadores económicos e, fundamental, desenhar bem os impostos e saber comunicá-los, o que nem sempre acontece.
Por outro lado, e com vista a contribuir para um debate mais alargado, acompanha-se a necessidade de uma efetiva Reforma da Fiscalidade Verde – tal como, por exemplo, Filipe de Vasconcelos escreveu no ECO –, por forma a (re)orientar a tributação, ou seja, a afinar os incentivos em vigor, eliminar algumas isenções desnecessárias, melhor direcionar as receitas e, simultaneamente, aliviar a tributação de outros impostos (como os impostos sobre o rendimento). Além disso, e de enorme relevância, é necessário assegurar que eventuais mudanças têm em consideração a neutralidade fiscal.
Adicionalmente, com o atual panorama de maioria parlamentar, o Governo deve aproveitar esta oportunidade para iniciar a reflexão por uma Fiscalidade mais justa – e mais verde –, em que os comportamentos poluentes são tributados e a receita aí arrecadada permite que se aliviem outros impostos, como, repita-se e sublinhe-se, os impostos sobre o rendimento.
O objetivo da neutralidade carbónica, acompanhado do crescimento económico, é argumento suficiente para as alterações aqui propostas – e muitas outras mais. No entanto, se este argumento não bastar, tal como não tem sido suficiente, (re)lembre-se que, nos últimos anos e atualmente, é sucessivamente batido o recorde de carga fiscal, o que é indiciador de que são necessárias mudanças, nomeadamente na estrutura do sistema fiscal, como aqui se demonstra e defende.
Face ao exposto, vamos agir ou vamos continuar a adiar o inadiável?
Gonçalo Martins dos Santos, Consultor Fiscal na EY
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