BRANDS' ECO “É preciso que a reforma que a Comissão iniciou não ceda”

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  • 23 Junho 2023

Inês dos Santos Costa, associate partner da Deloitte, explica, em entrevista, os desafios que Portugal enfrenta na transição para um clean future.

Num contexto de alterações ao mercado europeu, as empresas “têm de se preparar”, através da adoção de tecnologias limpas e da redução de emissões via produção e consumo sustentável, defende Inês dos Santos Costa, associate partner da Deloitte.

Ao analisar as tendências e desafios de mercado a nível climático e energético, a investigadora, ex-governante e agora consultora, alerta, em entrevista, que o caminho para o clean future ainda depende de desmistificar a ideia de que a medição do impacto custa muito e é difícil”.

Inês dos Santos Costa, associate partner da Deloitte.
Quais são os atuais desafios de Portugal face ao seu posicionamento entre os países europeus que estão a responder à emergência da ação climática?

Portugal regista avanços bastante acelerados no seu compromisso com ações de mitigação e de adaptação climática, sobretudo desde 2015/2016. O Roteiro para a Neutralidade Carbónica aporta resultados que se traduzem numa série de matérias relevantes. Desde logo, o facto de estarmos a fazer progressos no que toca a dissociar consumo de energia e emissões poluentes do crescimento do PIB, o que é fundamental para alcançar objetivos de durabilidade carbónica. E, para isso, contribuíram as profundas alterações no portfólio energético nacional, graças ao investimento nas energias renováveis e à penetração destas na produção de eletricidade. E também o esforço realizado nos últimos anos para lançar as fundações para uma política de gestão florestal, a pensar nos sumidouros de carbono e na gestão sustentável da paisagem.

Um dos maiores desafios é levar estes temas para dentro da gestão das empresas, para evitar cair na armadilha da ‘carbon tunnel vision’: estarmos tão focados na redução das emissões de carbono que a alcançamos à custa de perder noutros domínios importantes.

Que obstáculos têm as empresas que superar para desbloquear definitivamente a transição energética?

Penso que a maioria dos líderes empresariais está sensível e percebe a lógica, até mesmo financeira, de uma transição energética. Comparativamente a energias fósseis, o investimento em renováveis é muito mais barato e o risco associado ao fornecimento destas energias limpas é muito inferior.

O grande desafio a nível empresarial está, sobretudo, no gap que existe entre a importância dada à sustentabilidade dentro das empresas e a ação que é executada de facto. O CSO Survey 2023 da Deloitte revela que apenas 29% das empresas estão comprometidas a sério com a ação sobre as alterações climáticas. Contudo, 60% dos líderes afirmam estar continuamente preocupados com o tema, e 78% dizem-se otimistas quanto ao mesmo.

E porque é que isso acontece, na sua perspetiva?

As dificuldades surgem sempre a nível da medição do impacto. É necessário desmistificar a ideia de que avaliar o desempenho nestes domínios custa muito e é difícil. Existe uma série de ferramentas para fazer a medição do impacto para o negócio e a própria Deloitte desenvolve essa linha de ação.

Que papel estão a assumir as cleantech em Portugal face ao estado-da-arte desta tendência na Europa?

A diretiva da UE vem confirmar que muitos dos passos que estávamos a dar têm de ser reforçados, não combatidos ou desinvestidos. Este quadro consolida todas as tecnologias que são oportunidades concretizáveis no curto prazo, como a solar térmica, fotovoltaica, eólica, hidrogénio e biometano. E também participa nos temas sustentáveis de produção e consumo para que se obtenham abatimentos significativos a nível de emissões. Lembremos que a União Europeia tem de importar grande parte das matérias-primas críticas, nomeadamente para ter tecnologias de energia renovável.

Atualmente, estamos perante alterações ao mercado europeu, em termos de exigências a nível de desempenho das empresas em matéria de energia (e não só), e de exigências para colocar no mercado determinados produtos, o que obriga a que as empresas comecem a trabalhar já. E é, para mim, preocupante não ver uma movimentação substancial das empresas nacionais no sentido de se começarem a dotar de informação e das ferramentas que permitem fazer esse caminho.

Entre as grandes premissas que estão por cumprir, quais elegeria para a Europa chegar a alcançar um clean future?

A Europa, no seu conjunto, tem de ter uma resposta unida. As pressões tendem a gerar muita desunião porque há incerteza, há risco e há uma tendência para nos refugiarmos naquilo que é conhecido. Mas nós não estamos num ponto de desenvolvimento socioeconómico que nos permita regressar a essa situação de conforto.

E, portanto, é preciso que a reforma que a Comissão Europeia iniciou em matéria de desenvolvimento industrial, tecnológico, de inovação e ambiental não ceda perante a ameaça de querer regredir a uma posição confortável.

Dito isto, existem três pontos fundamentais para se conseguir avançar num clean future a nível europeu: acabar com as centrais a carvão, e Portugal já o fez; retirar os benefícios fiscais aos combustíveis fósseis, isto é, todos os subsídios em investimentos nesta área; e retirar impostos sobre o trabalho, reconhecendo que este é um recurso renovável, transferindo esses impostos para a poluição e desperdício de materiais e de recursos. Esta última proposta, que há muito é estudada na Comissão, ajudaria a dar o incentivo para que as empresas rapidamente reduzam o seu impacto ambiental, associando-o a um benefício financeiro mais evidente para a sua bottom line.

Há um caminho que tem de ser feito, e que implica trabalhar o awareness por parte dos líderes empresariais e capacitar as empresas com conhecimento para responder aos desafios. E isso passa por ajudar a medir e por ajudar a perceber que este investimento não é um custo, mas traz benefícios diretos e indiretos no curto, médio e longo prazo. Todas as empresas vão ser chamadas a responder, têm de se preparar.

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