BRANDS' ECO Ciclo de Conversas #7 – Os desafios de uma transição justa

  • BRANDS' ECO
  • 6 Julho 2023

A sétima sessão do "Ciclo de Conversas - Rumo à Neutralidade Carbónica 2030", organizada pela CM Porto, teve como tema "Os desafios de uma transição justa". O evento decorreu no Porto Innovation Hub.

O “Ciclo de Conversas – Rumo à Neutralidade Carbónica 2030” é uma iniciativa organizada pela Câmara Municipal do Porto, que conta com 10 sessões de esclarecimento e debate relacionadas com os temas da sustentabilidade, descarbonização e transição climática no contexto da neutralidade carbónica das cidades. A sétima sessão aconteceu na passada quinta-feira, dia 29 de junho, no Porto Innovation Hub, e teve como tema “Os desafios de uma transição justa”.

Rúben Fernandes, Administrador Executivo da Águas e Energia do Porto, foi o moderador do evento, que contou com a presença de Maria do Rosário Palha, Senior Sustainability Manager da Fundação Calouste Gulbenkian; Mariana Almeida, Jurista do Departamento Jurídico e Económico da DECO; e Isabel Azevedo, Diretora da Unidade de Energia do INEGI.

Cada um dos oradores teve direito a uma intervenção, seguida de um espaço de debate e de esclarecimento com o público presente.

Na abertura da sessão, Rúben Fernandes começou por abordar a urgência de se descarbonizar a economia e as oportunidades e desafios associados a essa descarbonização: “Obviamente que pode haver oportunidades para uns, mas certamente que haverá iniquidades que são geradas para outros segmentos da população, outros territórios, outras atividades, tais como problemas associados à perda de competitividade, perda de riqueza, de emprego, e é neste contexto que surge este conceito de transição justa”.

Nesse sentido, o responsável da Águas e Energias do Porto, explicou que, no contexto dos municípios, para se conseguir esta transição justa é fundamental implementar um conjunto de políticas públicas que não deixem ninguém para trás, que criem prosperidade para todos e que protejam os diferentes segmentos da população. “Quando estamos num território que se quer comprometer com um processo de descarbonização mais acelerado e quer atingir metas de uma forma mais rápida, tudo isto se torna mais premente. E este é o caso do município do Porto”, acrescentou.

“No cenário nacional, temos um envelope financeiro europeu na ordem dos 23 mil milhões de euros e temos um Fundo para a Transição Justa que não chega aos 250 milhões de euros. A agravar esta situação, este fundo já foi pré-alocado muito antes dos programas terem sido desenhados, ou seja, não é um fundo que esteja à disposição para qualquer agente concorrer. Este fundo já foi destinado a três regiões do país – Médio Tejo, Alentejo litoral e Matosinhos -, portanto, já se sabe que intervenções vão ser apoiadas e não há nenhum agente do país que possa concorrer a ele agora“, disse Rúben Fernandes, alertando para um dos desafios desta transição.

Contributos focados na pobreza energética

Isabel Azevedo, Diretora da Unidade de Energia do INEGI ficou encarregue da primeira intervenção do evento, na qual explicou que o INEGI funciona como uma ponte entre a universidade e as empresas/indústrias ou mesmo outras entidades, como câmaras municipais ou outras entidades e decisores políticos.

“O nosso objetivo aqui, nesta componente da transição, é criar metodologias, ferramentas, estudos que possam apoiar os decisores políticos a poderem ter uma decisão mais informada, a perceberem se o que estão a fazer é bem feito, se está a funcionar, entender o que é preciso e identificar prioridades. E, na componente da pobreza energética, o nosso objetivo tem sido, primeiro, numa componente mais de identificação e caracterização do que é um consumidor vulnerável e o que é a pobreza energética e nós fazemos isso de uma forma mais macro, olhando para dados estatísticos”, disse.

Depois de uma análise mais macro, o INEGI passa para um nível de atuação mais individualizado. Neste ponto, Isabel Azevedo apresentou um dos projetos que têm neste âmbito: “Há um projeto que temos agora, onde também está a Câmara do Porto e a Agência de Energia do Porto, através do qual fazemos a monitorização do bairro do Agra do Amial. Ou seja, primeiro fizemos um inquérito aos habitantes para perceber as condições da habitação, socioeconómicas, a perceção de conforto, hábitos de consumo de energia, e depois fazemos a monitorização de algumas casas, com alguma diversidade, onde percebemos qual o conforto térmico e a qualidade do ar interior”.

Este projeto permitiu perceber que, durante dezembro, janeiro e fevereiro, 90% das casas monitorizadas estão abaixo dos 18 graus, que é considerada a temperatura mínima dentro do intervalo confortável. Mais concretamente, durante janeiro e fevereiro, há muitas casas entre os 10 e os 15 graus, “que já é uma temperatura que vai muito além e que pode ter outras consequências, tais como o aumento de mortes durante o inverno, que é espelho desta situação”.

Para resolver esta problemática, a responsável do INEGI afirmou que é importante fazer edifícios capazes que sejam eficientes no clima de hoje, mas que também capazes de suportar as mudanças climáticas sem exigir um aumento no custo de energia para os cidadãos. Além disso, a promoção da literacia energética foi outro ponto mencionado como solução pela diretora da unidade de energia do INEGI, que apresentou um projeto que têm para o efeito.

“Temos um projeto que tenta avaliar novas formas de sensibilização, de forma a mudar o comportamento das pessoas. Envolve 100 casas na zona do Porto, que estão a ser monitorizadas. Os consumidores têm acesso a uma aplicação digital, na qual temos um grupo de controlo e um grupo de estudo, onde eles vão recebendo informações. Isto é preliminar, mas no primeiro estudo que fizemos durante o inverno, praticamente não houve diferença entre o grupo de controlo e o grupo que tinha acesso aos nossos conselhos. No entanto, nos últimos meses, temos dado informação sobre a qualidade do ar interior, e damos conselhos que muitas vezes implicam ter de abrir ou fechar janelas, e, nestes casos, as pessoas reagem muito mais por ser algo mais imediato e mais fácil. Por isso, temos que tornar o tema da energia mais tangível e concretizável também”, alertou.

A proteção do consumidor

Por sua vez, Mariana Almeida, Jurista do Departamento Jurídico e Económico da DECO, falou do ponto de vista do consumidor e das suas necessidades. “Há aqui um problema base, que é o facto de o consumidor estar no centro da transição energética, mas na verdade ele não está acautelado pelas políticas públicas“, começou por dizer.

“Quando falamos em consumidor vulnerável, nós estamos a associar a ser economicamente vulnerável e todas as políticas públicas que são desenvolvidas a este nível, ou seja, só protegem o consumidor economicamente vulnerável. Mas é importante começar a expandir horizontes e a redefinir conceitos, isto porque se nós tivermos uma legislação orientada para uma vulnerabilidade que não é só económica, nós vamos conseguir proteger cada vez consumidores e criar regras específicas para segmentos diferentes de vulnerabilidade“, explicou.

A responsável da DECO acrescentou, ainda, que quando fala em vulnerabilidade, refere-se a uma iliteracia energética que é muito presente, não só por pessoas com baixo nível de escolaridade. “No âmbito dos nossos estudos, quando falamos de literacia energética, ela é muito associada a se um consumidor sabe ou não ler uma fatura, mas isso não é literacia energética. A literacia energética implica o consumidor perceber qual é o seu perfil energético, qual a utilização que faz dos equipamentos, perceber se eles são eficientes ou se não são, perceber o impacto que a energia que consome vai ter na sua fatura. E, ainda que se note uma sensibilização para o impacto ambiental, a preocupação maior dos consumidores continua a ser o custo da fatura ao final do mês. Tem que haver um segmento de política pública orientado para esta vulnerabilidade”.

Além da literacia energética, Mariana Almeida apontou outro dos problemas associados à transição justa, que está relacionado com a literacia digital. “Há pessoas que não conseguem candidatar-se a apoios porque eles são eminentemente digitais e porque não há gabinetes específicos para ajudar as pessoas a candidatarem-se. Desde logo, há apoios que são dirigidos a segmentos de pessoas que são economicamente vulneráveis, mas que depois não têm capacidade de dar resposta na parte digital”, disse.

Neste âmbito, a jurista da DECO deu o exemplo da instalação de painéis solares, que tem vindo a ser promovida por várias empresas de energia junto dos seus clientes, no entanto, há situações em que os consumidores adquirem mais painéis do que os que realmente precisavam e “depois acham estranho terem uma fatura mais elevada no final do mês porque o comercializador lhes disse que com a instalação de painéis solares eles iam ter uma poupança direta na fatura“. “É importante que tudo isto seja desmistificado para que o consumidor se sinta empoderado para integrar esta transição energética”, acrescentou.

Com o objetivo de proteger os consumidores e de os alertar para estas realidades, a DECO criou o projeto STEP (Soluções para combater a Pobreza Energética), inserido num consórcio com vários países da UE, que foram identificados como sendo aqueles que mais níveis de pobreza energética têm: “O objetivo era fazer este aconselhamento energético aos consumidores de forma individualizada, ou seja, mediante um questionário canalizávamos vários setores de vida do consumidor no âmbito do perfil energético, como o da habitação, do ponto de vista contratual, da opção tarifária, dos equipamentos e, depois do aconselhamento, tentar a sua monitorização para saber se havia um ajustamento das recomendações que nós dávamos aos consumidores”.

Ao todo, com este projeto, a DECO aconselhou 5110 consumidores, formou 3095 em workshops, formou 1120 técnicos, sensibilizou 8445 consumidores e também exigiu a implementação de 22 medidas, tanto a nível europeu, como a nível nacional. “Este projeto inspirou-nos e levou-nos a querer implementar o Balcão de Habitação e Energia, que está a ser implementado agora, a partir de 2023, em vários municípios. A ideia deste balcão é criar um gabinete específico, ao qual o consumidor se pode dirigir e ter acompanhamento personalizado, customizado e ter a tal monitorização“, contou.

Saber comunicar para envolver o consumidor, criar verdadeiros mecanismos e incentivos para o consumidor, adequar a mensagem e a linguagem utilizada na regulação, fiscalizar novas áreas associadas à transição energética, fundar comissões de utentes para a transição energética a nível local, alterar o paradigma legal no que diz respeito à relação jurídica do consumo, e adotar políticas que sejam multidisciplinares foram as soluções apresentadas pela responsável para uma transição justa.

Gulbenkian financia vários projetos sustentáveis

Maria do Rosário Palha, Senior Sustainability Manager da Fundação Calouste Gulbenkian, foi a última oradora desta sessão, e destacou todos os projetos que a Gulbenkian tem vindo a financiar no âmbito das alterações climáticas. “Nos próximos cinco anos é a sustentabilidade e a equidade que gerem a nossa estratégia. O Programa Sustentabilidade da Gulbenkian é um programa de apoio a organizações sociais, essencialmente em Portugal e no Reino Unido, e de apoio a organizações que fazem projetos que mobilizam pessoas a larga escala, sobretudo as pessoas mais afetadas pelas alterações climáticas”, declarou.

Este programa tem quatro eixos de ação, nomeadamente o envolvimento de todas as pessoas na ação climática, a mudança na narrativa pela necessidade de encontrar formas mais eficazes de comunicar estes temas para que as pessoas se envolvam verdadeiramente na ação climática; a demonstração dos benefícios das relações de transição justa e com base na natureza, e a liderança pelo exemplo.

O “Projeto de Transição” é um dos projetos financiados pela Gulbenkian. Trata-se de um projeto-piloto que está a ser implementado em Setúbal, funciona num antigo contentor marítimo que foi reaproveitado e que tem um perito da agência de energia local para dar informação às pessoas sobre o conforto térmico, sobre a redução das despesas de energia, sobre o tipo de financiamentos que estão disponíveis, sobre como preencher candidaturas para aceder a esses financiamentos. “O espaço de atendimento é móvel, ou seja, pode ser deslocado dentro do município consoante as necessidades para dar uma resposta de proximidade e esta é uma enorme vantagem”, garantiu.

Outro projeto financiado pela Gulbenkian é o “Além Risco” que, de acordo com Maria do Rosário Palha, “pretendeu reforçar a capacidade de adaptação das pessoas do Alentejo Central ao efeito das ondas de calor na saúde pública, através da plantação de 50 mil árvores em aglomerados urbanos“. Neste projeto participaram 13 municípios e muitos cidadãos, bem como várias escolas.

Por fim, a responsável falou, ainda, do projeto “Gulbenkian Água”, que nasceu fruto do desafio de disponibilidade hídrica em Portugal, que é agravado pelas alterações climáticas. “O setor agrícola tem sido o mais afetado por isto. Em Portugal, este setor usa 75% da água e isso acontece para compensar a falta de chuva. Decidimos, por isso, que este projeto seria feito com o setor agrícola e estamos a financiar projetos de demonstração no terreno de boas práticas do uso da água”, concluiu.

Pode ouvir a conferência em podcast aqui:

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Ciclo de Conversas #7 – Os desafios de uma transição justa

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião