Media

ERC quer adaptar leis da rádio e da imprensa ao mundo digital

Carla Borges Ferreira,

A ERC fez chegar propostas de alteração das lei da Rádio e de Imprensa à AR. Alargar ao digital o âmbito das leis e distinguir publicações jornalísticas e não jornalísticas são duas das alterações.

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) pretende que duas das principais leis que regulam o setor dos media, a Lei da Rádio e a Lei de Imprensa, sejam revistas. Nesse sentido, fez chegar à Assembleia da República propostas para apreciação e discussão das duas leis com regime de urgência. Incluir as rádios digitais, alterações na obrigatoriedade de serviços noticiosos e alargamento da responsabilidade a anunciantes e agências quando as regras de publicidade não são cumpridas são algumas das alterações à Lei da Rádio. Na Lei de Imprensa, a ERC pretende distinguir o que é e não é informação jornalística.

Na Lei da Rádio, datada de 2010, o regulador identifica um conjunto de aspetos que pretende rever, “quer porque levantam dúvidas de interpretação ou dificuldades de aplicação, quer porque entretanto se tornou necessário rever certos procedimentos com vista a permitir uma maior dinamização da atividade“.

Assim, a ERC propõe “alterações significativas à atual Lei da Rádio, tanto ao nível das disposições gerais como do regime de acesso à atividade, programação, regime sancionatório e até das disposições complementares, finais e transitórias“.

As alterações começam logo no primeiro artigo, que passa a incluir o âmbito de aplicação da lei, esclarecendo que as suas disposições se aplicam “aos serviços de programas radiofónicos que apesar de emitirem de fora do país, dirigem a sua programação ao território nacional e em língua portuguesa“, lê-se na exposição de motivos da proposta de alteração à lei, enviada à Assembleia da República no dia 14 de julho, e agora partilhada com os jornalistas.

A “atividade de rádio” passa a incluir também as rádios digitais e, neste caso, pode ser promovida por pessoas singulares. “Atendendo ao significativo crescimento das web rádios em Portugal nos últimos anos, clarifica-se o respetivo enquadramento legal, procedendo-se cumulativamente ao alargamento do leque de normas aplicáveis a estes serviços de programas”, lê-se na exposição de motivos.

O conceito legal de programação própria também é revisto, “fazendo recair de modo claro a tónica na relevância para a audiência da correspondente área geográfica de cobertura, assim procurando recuperar a proximidade dos projetos às comunidades locais”, justifica a ERC.

“Paralelamente, procede-se ao restabelecimento do dever de indicação do município para o qual se destina a emissão (n.º 2 do Artigo 37.º), contribuindo, também assim, para o fortalecimento do nexo de proximidade que deve presidir na rádio local”, prossegue a entidade reguladora.

No âmbito da concorrência, não concentração e pluralismo, a ERC quer um alargamento das situações em que as operações de concentração estão sujeitas a parecer prévio vinculativo (n.º 2 do Artigo 4.º), lendo-se agora que “as operações de concentração entre operadores de rádio sujeitas a intervenção da autoridade reguladora da concorrência são submetidas a parecer prévio da ERC, o qual é vinculativo se for negativo“.

“Simultaneamente, clarificando as consequências da celebração de negócios particulares envolvendo a tomada do controlo de serviços de programas de rádio à revelia do regulador, procede-se à indicação da cominação de nulidade para os negócios jurídicos de alteração de domínio ou cessão de serviço de programas sem o prévio consentimento da ERC (n.º 12 do Artigo 4.º), lê-se na proposta.

A ERC pretende também “evitar modificações sistemáticas do tipo de conteúdos emitidos, o que é prejudicial para o auditório e a eliminação da isenção de programação direcionada prevista para as rádios regionais, “a qual não faz sentido, dado que tratando-se de serviços de programas mais abrangentes que os locais, têm o potencial de alcançar audiências que não dispõem de rádio local, entendendo-se que se reveste de grande importância que a programação dos serviços regionais atente às preocupações, interesses e informação das populações a que se destina”, lê-se.

Na obrigatoriedade de serviços noticiosos também há alterações, propondo a ERC agora que “os operadores de rádio que forneçam serviços de programas generalistas devem produzir, e neles difundir, de forma regular e diária, entre as 7 e as 24 horas, pelo menos cinco, quatro ou três serviços noticiosos, consoante o respetivo âmbito de cobertura seja nacional, regional ou local”. Atualmente a obrigatoriedade é de pelo menos três serviços noticiosos. No caso das rádios de informação, a ERC propõe que a obrigatoriedade passe para nove, sete ou cinco blocos de informação, consoante se trate de uma rádio nacional, regional ou local.

Para as regras que se aplicam à publicidade também há alterações. Em relação ao tempo em antena não há alterações, mantendo-se nos 20% do tempo total. No entanto, está previsto que não possa ser alocado mais de 10% desse tempo a uma única entidade, “a título de patrocínio ou outro”. Em caso de infração, para além da estação, a ERC quer responsabilizar também o anunciante e agências envolvidas. “Respondem como agentes da contraordenação, para além do operador de rádio em que tenha sido cometida a infração, o anunciante, o profissional, a agência de publicidade ou qualquer outra entidade que exerça a atividade publicitária, o titular do suporte publicitário ou o respetivo concessionário, bem como qualquer outro interveniente na emissão da mensagem publicitária”, propõe a ERC.

A quota de música portuguesa, agora nos 30%, não sofre alterações, e “deve ser preenchida, no mínimo, com 60% de música interpretada em língua portuguesa por cidadãos dos Estados-membros da União Europeia”, lê-se. A ERC quer também que a isenção total ou parcial do cumprimento das quotas de música portuguesa “apenas seja reconhecida, por um lado, a requerimento fundamentado do interessado, e por outro quando a natureza do serviço de programas temático em causa inequivocamente reflita um género alheio à realidade da produção musical portuguesa”. Na lei em vigor lê-se que o regime “não é aplicável aos serviços de programas temáticos musicais cujo modelo específico de programação se baseie na difusão de géneros musicais insuficientemente produzidos em Portugal”.

ERC propõe distinguir informação jornalística da restante

Na Lei de Imprensa, a ERC começa por recordar que a legislação em vigor é de 1999 e apenas abrange as publicações impressas. “E que nenhuma das alterações pontuais a que foi sujeita esboçou a sua adaptação às profundas alterações no tecido económico e social produzidas pela revolução digital e pela internet, encontrando-se em consequência datada e há muito incapaz de responder aos desafios regulatórios emergentes”, afirma o regulador.

Assim, o organismo presidido até meados de julho por Sebastião Póvoas, propõe “alterações que correspondem a necessidades prementes de clarificação quanto ao âmbito de aplicação, quanto à diversidade de características dos órgãos de imprensa e quanto ao nível de regulação exigível relativamente aos diferentes tipos de publicações hoje existentes”.

Alargar o âmbito de aplicação da Lei de Imprensa ao ambiente online, “conferindo base legal inequívoca para diferentes abordagens normativas, incluindo algumas em vigor, como por exemplo, em matéria de registo” e “proceder à separação, perante o público, do que é informação jornalística e comunicação não produzida segundo as regras jornalísticas” são dois dos objetivos da proposta, que prevê também que os sistemas de apoios à imprensa se aplique apenas às publicações jornalísticas.

O presente diploma promove, aos olhos do público, a clara distinção entre publicações jornalísticas e publicações não jornalísticas, refletindo, logo no momento da classificação, que incumbe à ERC efetuar, as características dos respetivos conteúdos”, explica a ERC.

A par da exigência de que a classificação das publicações assuma imediata visibilidade na primeira página das publicações periódicas em papel ou na (s) página (s) de entrada das publicações online, tal permitirá ao público perceber o nível de envolvimento da publicação com determinados valores e responsabilidades, capacitando-o a fazer escolhas informadas”, defende na explicação.

Assim, descreve o regulador, são jornalísticas aquelas em que “as funções de pesquisa, recolha, seleção, tratamento e divulgação de factos, notícias ou opiniões são efetuadas com fins informativos e exercidas por jornalistas” e “que sejam predominantemente preenchidas com a divulgação de notícias ou informações“.

“Procurando responder a uma preocupante e cada vez mais intensa pressão comercial sobre o trabalho jornalístico, não poderão ser classificadas como jornalísticas as publicações periódicas ou publicações eletrónicas que visem predominantemente promover atividades, produtos, serviços ou entidades de natureza comercial ou industrial“, prossegue o organismo.

Abandona-se assim o limitativo (e enganador) sistema de classificação atualmente em vigor, que obriga a classificar as publicações apenas como informativas ou doutrinárias, propondo-se que só as jornalísticas possam ser classificadas como informativas (de informação geral ou especializada), que as não jornalísticas passem a designar-se por generalistas ou temáticas e que ambos os tipos de publicações possam, sendo o caso, revestir natureza doutrinária”, defende.

Os órgão de imprensa, em papel e online, jornalísticos e não jornalísticos, ficam sujeitos a registo, “de modo a dar a conhecer a sua titularidade e organização interna, e ao regime de transparência dos órgãos de comunicação social, devendo fornecer ao regulador toda a informação relevante sobre a sua propriedade e estrutura de financiamento. Será também de exigir, em qualquer circunstância, um estatuto editorial que divulgue os objetivos e compromissos da publicação”, lê-se na nota explicativa.

“Convém salientar que todas as publicações, jornalísticas ou não jornalísticas, pelo facto de, em razão dos seus objetivos, estrutura, organização, alcance ou disseminação, se apresentarem ao público como um serviço que solicita e obtém a sua atenção, devem assegurar um mínimo de credibilidade aos conteúdos que publicam”, escreve a ERC, que reforça na proposta de lei a identificação de conteúdos comerciais.

Por último, o regulador pretende uma atualização do decreto-lei que aprova o Regime de Taxas da ERC, que com a “proliferação de meios de comunicação social online”, tem sido “convocando (a) um esforço regulatório crescente, consumindo e exigindo a atualização dos recursos humanos e financeiros”.

Os documentos enviadas à Assembleia da República foram aprovadas pelo Conselho Regulador a a 12 de julho e “resultam da experiência de diversos anos de aplicação da ação regulatória, no quadro desse contexto legal”, justifica a ERC.

A proposta de alterações à legislação à legislação em vigor, por iniciativa própria, está prevista nos estatutos da ERC.

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