Restauração reduz horários e recorre a familiares para contornar falta de mão-de-obra nos Açores

  • Lusa
  • 11 Agosto 2023

Faltam 14 mil pessoas para trabalhar no setor do turismo nos Açores, alerta AHRESP. A restauração é a área mais afetada e funciona a "meio gás" com redução de horários e recurso a familiares.

A falta de mão-de-obra na restauração está a preocupar os empresários do setor no arquipélago dos Açores, que procuram formas de contornar a situação, entre elas reduzir horários de funcionamento e empregar a família. A delegação nos Açores da Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) já alertou, esta sexta-feira, para uma grave falta de mão-de-obra no setor, o que motiva o funcionamento a “meio gás” de alguns estabelecimentos.

Em São Miguel, na freguesia das Furnas, um dos principais pontos turísticos da ilha, onde é confecionado o cozido nas caldeiras vulcânicas através do calor emanado pelo interior da terra, a restauração considera o cenário de falta de mão-de-obra “gravíssimo“.

“Está muito grave. É gravíssimo. [As pessoas] estão cá a trabalhar um dia ou dois e [depois] vão-se embora. Não há funcionários para trabalhar. O culpado disto tudo é o Rendimento Mínimo”, contou à agência Lusa Ana Oliveira, proprietária de um restaurante, localizado no centro da freguesia das Furnas.

Segundo Ana Oliveira, a falta de funcionários “é transversal” a outros restaurantes da freguesia do concelho da Povoação. Por isso, a proprietária já tentou contornar a situação: “Fechamos mais cedo ao almoço e ao jantar fazemos o mesmo. Os clientes reclamam, mas não temos culpa da falta de mão-de-obra“.

Está muito grave. É gravíssimo. [As pessoas] estão cá a trabalhar um dia ou dois e [depois] vão-se embora. Não há funcionários para trabalhar. O culpado disto tudo é o Rendimento Mínimo.

Lusa Ana Oliveira

Proprietária de um restaurante, nas Furnas, São Miguel, Açores

Na passada segunda-feira, o estabelecimento estava “completamente cheio” e a empresária contou que teve de “fechar mais cedo”, porque o pessoal que tem ao serviço “não dá para tudo”.

No caso de Dalisa Cardoso, sócia de um restaurante localizado na ilha Terceira, a solução também foi reduzir o horário de funcionamento ao almoço e ao jantar. “Não está fácil arranjar trabalhadores. Compreendo que é difícil conciliar o horário, mas nem os de longe, nem os de perto mostram interesse”, confessou à Lusa.

Segundo a empresária, há funcionários que depois de recrutados chegam a trabalhar “um dia e dois dias, mas depois desistem”.

“Isto acontece na restauração e em grande parte de serviços com atendimento ao público. É em quase tudo e, depois, estão a apostar no turismo, mas chega-se a um ponto de saturação, porque não há pessoal para manter as coisas em condições”, desabafou.

Idêntica opinião manifestou o empresário Filipe Cabral, proprietário de um restaurante nas Capelas, na ilha de São Miguel.” Temos a nossa equipa, mas, muitas vezes, andamos à procura de alguns elementos [trabalhadores] e é difícil. O pessoal quer é mais trabalho de secretária”, sustentou Filipe Cabral.

Na ilha das Flores, Martin Stiner, proprietário de um restaurante, referiu que “foi muito difícil encontrar uma equipa” para assegurar o funcionamento do seu estabelecimento até setembro. “Por acaso temos uma boa equipa, mas foi muito difícil encontrá-la, porque faltam pessoas motivadas, com vontade de trabalhar e com experiência” no setor, relatou, assegurando que “não foi necessário” recorrer a mão-de-obra de outra ilha. Ainda assim, Martin Stiner teve de encerrar a esplanada por falta de mão-de-obra.

Outros empresários dos Açores contaram à Lusa que ultrapassam a situação, recorrendo ao apoio da família. É o caso de Marcelo Costa, responsável por um restaurante localizado na cidade de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel.

“Somos 11 pessoas no restaurante, cinco das quais da minha família. Assim, é mais fácil para fazer os horários. Caso contrário, teria de fechar mais cedo”, contou Marcelo Costa, apontando “a falta de mão-de-obra especializada“, nomeadamente de cozinheiras e de atendimento às mesas.

Yulia Chornomordenko, responsável pelo recrutamento num restaurante na ilha do Faial, também admitiu muitas dificuldades de contratação de novos elementos, principalmente depois da pandemia da Covid-19. “Temos equipa mínima para conseguir [assegurar o funcionamento do restaurante]. O que fizemos foi limitar o espaço, principalmente no verão, altura em que decidimos não abrir a esplanada“, disse.

Restaurantes funcionam a “meio gás” nos Açores devido à falta de mão-de-obra

“Infelizmente, esta [falta de mão-de-obra] é a realidade que estamos a passar nesta época alta, uma situação que a AHRESP já tinha afirmado que poderia vir a acontecer e que se tornou realidade”, afirmou a presidente da estrutura regional da associação, Cláudia Chaves, em declarações à agência Lusa. E que motiva o funcionamento a “meio gás” de alguns estabelecimentos.

Os empresários tentam recrutar, mas infelizmente essa mão-de-obra não aparece.

Cláudia Chaves

Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP)

Segundo a empresária, a situação “é transversal” ao arquipélago açoriano, mas verifica-se de forma mais acentuada nas ilhas com mais fluxos turísticos, como São Miguel, Terceira, Pico, Faial, Flores e Santa Maria. “Os empresários tentam recrutar, mas infelizmente essa mão-de-obra não aparece”, vincou Cláudia Chaves.

De acordo com a responsável, na área do setor do turismo, direta e indiretamente, “faltam 14 mil pessoas” nos Açores. E é, sobretudo, a restauração que enfrenta “sérios problemas” de recrutamento, pelo que alguns espaços “não têm possibilidade” de manterem portas abertas durante todo o dia e optam por “fechar mais do que uma vez por semana”, segundo a presidente da AHRESP nos Açores.

“E muitos optam pelo almoço ou jantar. Encerram num daqueles períodos por falta de mão-de-obra”, contou, acrescentando que os restaurantes não conseguem prolongar os seus horários de atendimento. Cláudia Chaves reforçou que aquelas foram soluções rápidas que os restaurantes encontraram para sobreviverem na época alta com a falta de mão-de-obra.

Para a presidente da estrutura da AHRESP nos Açores, os horários de trabalho no setor são um dos principais problemas, a par da questão dos transportes públicos.

“Tem de haver uma alteração da legislação ao nível do Código do Trabalho. As pessoas nem sequer aparecem nas entrevistas por causa dos horários que lhes são apresentados. Os horários deviam ser jornada contínua, entre manhã e almoço, e, num segundo período, entre a tarde e o jantar”, explicou à Lusa.

Além disso, os trabalhadores e candidatos a empregos na restauração, bares e similares “queixam-se também da falta de transportes públicos no horário noturno”, assinalou.

Tem de haver uma alteração da legislação ao nível do Código do Trabalho. As pessoas nem sequer aparecem nas entrevistas por causa dos horários que lhes são apresentados. Os horários deviam ser jornada contínua, entre manhã e almoço, e, num segundo período, entre a tarde e o jantar.

Cláudia Chaves

Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP)

No seu entender, é preciso “sentar rapidamente à mesa” as associações, o Governo Regional, os sindicatos e as escolas profissionais e avaliar eventuais alterações à legislação ao nível do Código do Trabalho para tornar o setor do turismo “atrativo” em termos profissionais.

“Tudo isto é um trabalho em conjunto que já deveria estar feito, tornar atrativa a área do turismo, porque é uma aposta que o Governo Regional está a fazer. Queremos ter restaurantes com qualidade de serviço mas, para isso, temos de ter pessoas qualificadas e para alcançar este objetivo tem de haver atratividade no setor”, defendeu.

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