Jornalismo nos EUA enfrenta “tempestade” com centenas de despedimentos desde o início do ano
Os media norte-americanos têm enfrentado um início de ano complicado, com sucessivas vagas de despedimentos. Só em janeiro foram 528 os postos de trabalho cortados na indústria do jornalismo.
A crise do jornalismo – que levou os jornalistas portugueses a juntarem-se em congresso e que encontrou o seu “expoente máximo” na crise que tem assolado a Global Media – não é exclusiva a Portugal. Do outro lado do Atlântico, também os Estados Unidos da América (EUA) se deparam com um setor marcado pela instabilidade e despedimentos.
O panorama, que já não estava favorável, tem sido catastrófico para os meios de comunicação nos EUA na entrada em 2024, com sucessivas vagas de despedimentos, greves e manifestações de trabalhadores. Só em janeiro foram 528 os postos de trabalho cortados na indústria do jornalismo norte-americana, segundo um relatório da Challenger, Gray and Christmas.
O jornal digital The Messenger foi um dos mais recentes órgãos de comunicação norte-americanos vítima desta crise, com os seus trabalhadores a serem apanhados no meio das sucessivas ondas de despedimento desde o início do ano.
Depois de terem sido investidos cerca de 50 milhões de dólares (46,6 milhões de euros), o The Messenger fechou abruptamente na semana passada após apenas oito meses de operação. A notícia foi dada aos funcionários pelo próprio fundador Jimmy Finkelstein através de email, onde anunciou a paralisação imediata da empresa e o despedimento dos cerca de 300 trabalhadores, incluindo jornalistas experientes que vieram de publicações como a Reuters, Politico ou NBC News, refere o The New York Times.
Também no início deste mês de fevereiro, o The Wall Street Journal restruturou a sua redação em Washington, demitindo cerca de 20 funcionários, segundo a Axios. Poucos dias antes, no final de janeiro, o The New York Daily News e a Forbes viram a sua estrutura abanada depois dos seus trabalhadores terem abandonado os seus postos de trabalho e saído à rua em protesto.
Ambas as paralisações foram históricas, tendo sido a primeira em mais de um século da revista e a primeira em mais de três décadas do jornal sediado em Nova Iorque.
A 23 de janeiro foi o jornal Los Angeles Times (LAT) que anunciou que ia despedir mais de um quinto da sua redação depois de perdas anuais de 30 milhões a 40 milhões de dólares, implicando o despedimento de pelo menos 115 jornalistas. Já em junho de 2023 tinham sido eliminados 70 postos de trabalho no jornal californiano que soma 51 Prémios Pulitzer.
No mesmo dia, também a revista Time anunciou o despedimento de cerca de 15% da sua força de trabalho, afetando cerca de 30 trabalhadores de diferentes departamentos da empresa, entre os quais se encontravam 13 jornalistas, segundo a publicação na rede social X (ex-Twitter) de uma das jornalistas afetadas.
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Ainda no dia 23 de janeiro, 400 jornalistas e trabalhadores do grupo Condé Nast (que integra a Vanity Fair, Vogue ou GQ) fizeram uma greve de 24 horas em protesto contra as condições de um plano de despedimentos no grupo, que previa inicialmente um corte em 5% da sua força de trabalho. Este plano foi depois revisto pela empresa, que divulgou então que iria demitir 94 trabalhadores.
Poucos dias depois, a Business Insider também comunicou o despedimento de 8% dos seus trabalhadores, afetando cerca de 50 colaboradores. Em abril do ano passado a Business Insider já tinha comunicado aos trabalhadores que iria dispensar cerca de 10% dos funcionários.
Antes destes, outro anúncio chocante e simbólico aconteceu junto do jornalismo desportivo norte-americano, com o anúncio do despedimento da maioria da redação da revista Sports Illustrated pela sua editora, Arena Group.
Enquanto alguns dos trabalhadores receberam um email a dar conta do seu despedimento imediato, muitos dos trabalhadores que ficaram estão também sem saber o que os espera, na medida em que lhes foi dito que iriam manter os seus empregos por “pelo menos 90 dias”, referia o The New York Times. À data dos despedimentos, a Sports Illustrated contava com cerca de 100 jornalistas.
No início de janeiro, também foi revelado que a NBC News ia despedir entre 50 a 100 dos seus funcionários, segundo o Deadline.
A imprensa norte-americana encontra-se assim num momento “catastrófico” para o setor, com vagas de despedimentos a sucederem-se e a afetar centenas de trabalhadores, numa tendência que parece que se tem vindo a agravar nos últimos anos.
Ainda segundo um outro relatório divulgado no início de dezembro pela Challenger, Gray and Christmas, foram suprimidos 2.681 empregos nas redações norte-americanas em 2023, depois de 1.808 em 2022 e 1.511 em 2021.
E as dificuldades parecem afetar também os meios de comunicação que já foram pensados para um mundo totalmente digital e com uma forma de organização “supostamente adequada às novas vigências do jornalismo”, tal como sublinhou a ex-diretora da Visão Mafalda Anjos na Conversas +M – Jornalismo, as notícias e o negócio.
Exemplo disso – além do já referido The Messenger, são a Vice que declarou falência em maio passado, e o BuzzFeed que anunciou em abril o fecho do seu site BuzzFeed News, despedindo 15% da sua força de trabalho, ou seja 60 pessoas.
No meio da tempestade ainda é possível vislumbrar alguns raios de sol
Ainda assim, nem tudo é negativo e ainda é possível vislumbrar alguns raios de sol no meio da tempestade que afeta o setor. Depois de um jornal semanário publicado em Engene, cidade do estado de Oregon, ter sido obrigado a despedir a redação inteira, uma angariação de fundos e o apoio da comunidade vai permitir o relançamento do jornal.
O Eugene Weekly foi obrigado a despedir a totalidade dos seus 10 funcionários funcionários depois dos seus fundos terem sido desviados por um ex-trabalhador. No entanto, seis semanas após o desfalque, o semanário vai conseguir voltar às bancas no dia 8 de fevereiro com uma tiragem de 25 mil exemplares, graças a campanhas de angariação de fundos e de contribuições por parte da comunidade, refere a Fortune.
O semanário foi fundado em 1982 e é distribuído gratuitamente numa das maiores cidades norte-americanas do estado de Oregon. Pouco antes do Natal, foi descoberto que um ex-trabalhador tinha desviado cerca de 90 mil dólares e que o jornal devia cerca de 100 mil dólares.
Desde dezembro até ao final de janeiro, o Eugene Weekly conseguiu recolher cerca de 150 mil dólares, com grande parte do montante a ter origem numa campanha online através da plataforma GoFundMe, onde já alcançou mais de 90 mil dólares. Parte do apoio financeiro também surgiu de empresas, artistas e leitores locais.
Depois de deixar de sair para as bancas, o website do jornal ainda continuou a funcionar através de trabalho voluntário, em particular através do trabalho de estudantes de jornalismo da universidade local e de jornalistas freelancers que ofereceram histórias ao jornal.
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