BRANDS' ECO “Não prevejo que os preços da habitação baixem”

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  • 6 Fevereiro 2024

Em entrevista ao ECO, João Cília, CEO da Porta da Frente Christie’s, explicou quais são os maiores desafios no mercado da habitação, principalmente para jovens, a quem deixou alguns conselhos.

Num cenário em constante transformação no mercado imobiliário português, as discussões acerca dos desafios habitacionais têm conquistado a atenção de diversos setores da sociedade. Enquanto alguns pedem restrições à procura e regulação de preços, outros argumentam a favor do aumento da construção como solução fundamental.

Em entrevista ao ECO, João Cília, CEO da Porta da Frente Christie’s, apresentou a sua visão sobre o atual panorama habitacional, as complexidades do mercado – desde a escassez de construção até às dinâmicas económicas e às políticas governamentais-, ao mesmo tempo que desvendou alguns aspetos que moldam o presente e perspetivam o futuro do setor imobiliário em Portugal.

O problema da habitação tem sido muito debatido em Portugal. De um lado temos os que pretendem restringir a procura ou regular o preço, do outro temos os que defendem que o problema só se resolve com o aumento da construção. Mas, na sua opinião, onde está realmente o problema?

A discussão sobre o problema da habitação em Portugal assumiu uma componente política e ideológica que dificulta muito a que se consiga chegar a alguma plataforma de entendimento entre os vários intervenientes no mercado. Acredito que o primeiro erro foi ter-se avançado em 2023 para um pacote de medidas, sem que antes se tenha efetuado um diagnóstico claro, que identifique os problemas. Estes problemas não são de hoje, mas agravaram-se nos últimos três anos, no período pós-COVID.

Por um lado, parece-me que os números são incontornáveis no que se refere à falta de nova construção em Portugal. Nos últimos 15 anos, construiu-se em Portugal uma média de 20 mil novos fogos por ano. Nos 15 anos anteriores a estes, a média era de 93 mil. Estamos a falar de uma redução para um quinto da nova construção. Isto tem um enorme impacto na oferta de habitações. Não estamos a conseguir renovar o nosso parque habitacional. São menos casas para as pessoas, o que tem um reflexo óbvio no preço.

Paralelamente, o setor da habitação sofreu dos mesmos efeitos que outros setores nos últimos três anos. No pós-pandemia, sentiu-se uma recuperação acentuada na procura, interna e externa, e uma inflação significativa nos preços de construção devido ao aumento dos preços dos materiais e falta de mão-de-obra. Tal como em muitos outros setores, a consequência é um aumento dos preços ao consumidor.

Acredito que será impossível resolver o problema no curto prazo através de medidas restritivas da procura. Isso apenas irá reduzir os incentivos ao investimento e retirar casas do mercado. Concordo, contudo, que, dado o problema social que atravessamos, deverão ser já tomadas medidas de incentivo à construção e dados apoios sociais, ou reduzir a carga fiscal para determinados imóveis e famílias de menores rendimentos.

De que forma a conjuntura económica tem afetado o mercado mais recentemente? Seria de esperar que a subida das taxas de juros e o menor rendimento disponível das pessoas tivessem afetado os preços, mas isso não aconteceu. Porquê?

Após anos consecutivos com um crescimento significativo no número de transações e no preço médio, o mercado em 2023 registou já uma desaceleração nas transações, apesar do preço continuar a subir.

Este decréscimo nas transações explica-se pela dificuldade da generalidade dos portugueses conseguirem comprar a sua primeira casa, pois o aumento dos preços e das taxas de juros é incomportável para o bolso da maioria dos portugueses, em especial os mais jovens que precisam de comprar a primeira habitação.

Contudo, as pessoas que já têm um imóvel e tencionam mudar de habitação, viram a sua casa valorizar substancialmente nos últimos anos. Assim, para estes, e apesar do aumento dos juros, é possível trocar de casa sem um custo adicional significativo, conseguindo por vezes renegociar o spread e, desta forma, compensar, numa pequena parte, a subida dos juros.

Relativamente ao preço, os principais fatores que têm potenciado a subida dos preços mantêm-se: falta de nova construção, aumento dos custos de construção, elevada carga fiscal, etc. Enquanto estes fatores não forem resolvidos, será difícil reduzir estruturalmente o preço da habitação em Portugal.

A compra da primeira habitação tem sido, por isso, cada vez mais adiada pelos jovens. Há algum conselho que pudesse dar a quem pretende dar este passo?

É uma situação complicada! Realmente, na atual situação de mercado, com preços e juros elevados, torna-se totalmente impossível aos jovens comprar uma casa. A juntar a tudo isto, temos uma situação onde a maioria dos jovens tem salários muito baixos e uma situação profissional precária.

O melhor conselho que posso dar é que, sempre que possível, os jovens devem optar por comprar e não arrendar. Mesmo que isso implique começarem a viver em zonas mais periféricas e em apartamentos pequenos. Procurem um imóvel que sirva as necessidades atuais e com algum potencial de valorização. Muitas vezes os jovens optam por arrendar e esperar a melhoria das condições financeiras para avançar para a compra. Com isso, perdem muitos anos de potencial valorização do imóvel que, mais tarde, poderão vender e dar como entrada para uma casa melhor.

Eu sei que a compra de uma habitação é impossível em muitos casos, mas, para aqueles em que é possível, acredito que, numa perspetiva de médio a longo prazo, é melhor que o arrendamento, pois não acredito que os preços irão descer no futuro.

Então a tendência é que esta realidade (da dificuldade de compra da primeira habitação) se mantenha?

Sim, não vejo no futuro próximo que a situação melhore. Como disse anteriormente, os problemas estruturais do mercado mantêm-se e são difíceis de resolver. Por isso, não prevejo que os preços da habitação baixem. Acredito que as taxas de juros poderão baixar ligeiramente, mas ficaram acima de 3% durante bastante tempo.

Também não me parece que, independentemente do resultado das eleições, haja uma melhoria substancial nas condições profissionais e de remuneração média das pessoas em Portugal. Isso implicaria uma transformação da economia do país, com melhoria substancial dos índices de produtividade, algo que precisa das políticas adequadas e demora muito tempo.

Quais são as alternativas?

A alternativa para a maioria da população será procurar localizações onde o custo da habitação seja mais baixo, em zonas fora do centro da cidade. Esta é já uma tendência que se nota desde a COVID-19. Com o aparecimento do teletrabalho e o aumento dos custos da habitação, cada vez mais pessoas optam por viver fora do centro da cidade. Seja por uma questão financeira ou pela oportunidade de viver com mais espaço e em zonas menos densificadas, esta é uma tendência cada vez maior para portugueses e também estrangeiros.

Mesmo no mercado “premium”, o aparecimento de alguns empreendimentos com elevada qualidade, boas áreas e espaços verdes fora do centro de Lisboa têm tido um enorme sucesso. Casos como o Native, em Belas, o Vila Rio, e alguns empreendimentos na margem sul do Rio Tejo, são paradigmáticos desta tendência.

Acredita que o mercado imobiliário português está mais propício ao investimento do exterior?

Os clientes internacionais continuam fortemente interessados em Portugal, que não perdeu os seus atrativos core (qualidade de vida, clima, facilidade de acesso, segurança, construção e infraestruturas, saúde, etc).

Na Porta da Frente, os clientes internacionais representaram ~50% das transações em 2023, muito em linha com os anos anteriores. Tivemos muitas nacionalidades compradoras em 2023, desde brasileiros, ingleses, franceses, angolanos, suecos, sul africanos, russos, ucranianos, entre outros. Os argumentos atrativos do país continuam bastante apetecíveis para o cliente estrangeiro, pelo que acreditamos que esta procura se manterá em 2024.

De salientar o crescimento do cliente americano, em especial da Califórnia e de Miami. São clientes que veem em Portugal um estilo de vida muito semelhante, mas com custos inferiores e maior segurança e paz social.

Apesar do fim do RNH poder reduzir o número de estrangeiros a mudarem-se para Portugal, procurando, assim, outros mercados concorrentes, como Espanha e Itália, o impacto será moderado e gradual, pois o regime irá manter-se para os atuais detentores até ao final dos seus 10 anos. Prevemos, assim, que o fim do RNH poderá ter algo impacto no segmento “ultra luxo”, ou seja, de casas acima de 2-3 M€, mas, ainda assim, moderado e gradual.

Este impacto será apenas no número de transações neste segmento muito específico de mercado e não no preço. A verdade é que os fatores estruturais que influenciam o preço irão manter-se, tanto do lado da oferta, com os custos de construção, as dificuldades de licenciamento, a elevada carga fiscal, entre outros, como do lado da procura, já que Portugal mantém alguns dos seus fatores de atratividade para o cliente internacional.

Qual o balanço que fazem do ano de 2023?

Quando analisamos o mercado imobiliário, é importante separar o segmento “premium”, ou seja, de valores mais elevados, do restante mercado. Em especial, no ano de 2023, ambos os segmentos de mercado apresentaram comportamentos muito distintos.

No segmento “mass”, a inflação, com consequente aumento das taxas de juro, e a incerteza económica, exerceram uma grande pressão sobre o rendimento das famílias portuguesas. Segundo os dados de mercado, este segmento registou já uma redução de ~20% no volume de transações de imóveis.

Como referi, mesmo neste segmento, o preço não acompanhou a descida no volume de transações, tendo subido na mesma em 2023, mas a um ritmo inferior aos anos anteriores. A escassez de oferta e construção nova, especialmente nas grandes cidades, a inflação e a elevada carga fiscal foram os principais impulsionadores do preço das habitações em Portugal aos dias de hoje.

No segmento de mercado mais elevado, a procura em 2023 revelou-se bastante mais resistente. A menor dependência do crédito neste segmento e a existência de uma procura latente bem superior à oferta existente no mercado, permitiu que neste segmento não se tenha sentido uma redução no número de transações.

Adicionalmente, a subida dos preços nos últimos anos, aliada ao aumento dos níveis de poupança no pós-COVID, permitiu a muitos portugueses valorizarem os seus imóveis e trocar por imóveis mais caros, sem recurso a crédito adicional. No caso da Porta da Frente Christie’s, continuamos com o crescimento dos últimos anos, registando um aumento de ~5% no volume de transações.

A maior diferença que sentimos neste segmento não foi a contração da procura, mas sim uma maior demora na tomada de decisão pelos compradores, tanto por parte dos clientes finais como dos investidores. A incerteza política e relativa aos impactos das novas medidas legais/regulatórias (fim do regime RNH, mais habitação), criou maior insegurança em quem quer comprar casa e ver o seu investimento valorizado.

E, quanto ao futuro, o que se espera para 2024?

No segmento “premium”, o início de 2024 poderá ser marcado por alguma incerteza. Sem ser ainda claro o impacto no mercado das medidas do pacote Mais Habitação, em especial, o fim do estatuto de Residente Não Habitual (RNH), e com incerteza política até março, deveremos continuar a assistir a uma maior indecisão por parte das pessoas e dos investidores, arrastando assim um pouco o tempo médio para fecho dos negócios.

Contudo, não será expectável um ajuste do mercado. A verdade é que os fatores estruturais que influenciam o preço irão manter-se, tanto do lado da oferta, com os custos de construção, as dificuldades de licenciamento, a elevada carga fiscal, entre outros, como do lado da procura, já que Portugal mantém alguns dos seus fatores de atratividade para o cliente internacional.

O ano de 2024 poderá, assim, trazer uma maior estabilização do mercado residencial “premium”, com um crescimento mais moderado dos preços e do número de transações, isto quando comparado com os crescimentos exponenciais dos últimos três anos.

Como é que as empresas do ramo estão a ajustar as suas estratégias?

Este é um momento importante para as empresas do setor. Havendo claramente uma desaceleração do crescimento de mercado, é uma altura onde apenas os melhores poderão ganhar. No caso da mediação imobiliária, onde a Porta da Frente Christie’s opera, apenas os operadores que se modernizem e foquem em prestar um serviço de grande qualidade aos clientes, poderão ter sucesso.

A modernização passa por uma digitalização de toda a operação das mediadoras, algo que muitos setores de atividade têm experimentado, em especial desde o período da pandemia.

Esta digitalização acontece no marketing, onde o marketing digital assume um peso significativo (acima de 50%) na captação de novas oportunidades de negócio. A estratégia passa não apenas por investir mais, mas também investir melhor, desenvolvendo capacidade de análise dos resultados que permitam melhorar as campanhas digitais.

Ao nível da operação, aparecem cada vez mais ferramentas digitais que permitem dar um melhor serviço ao cliente. Seja através da utilização de AI no desenvolvimento de conteúdos sobre os imóveis (imagens 3D, textos, etc) ou no apoio ao trabalho dos consultores imobiliários.

Sendo um negócio de pessoas e para pessoas, a componente de recrutamento e formação é fundamental. Apenas quem conseguir ter os melhores recursos e uma componente de formação fortíssima, consegue dar um serviço de excelência aos clientes. É aqui onde as imobiliárias mais têm de investir nesta fase.

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