BRANDS' ECO Gestores do Negócio são também Gestores Financeiros

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  • 16 Fevereiro 2024

Quando os recursos financeiros são abundantes, as taxas de juro baixas, e o acesso a financiamento é fácil, otimizar o capital circulante não é de todo prioritário.

Mas estes não são os tempos de agora. Ainda mal saídos de uma pandemia mundial com todas as consequências nas cadeias logísticas, nas alterações dos hábitos de consumo, na gestão e retenção das pessoas, o mundo viu-se confrontado com uma guerra, e, depois, com outra. E, com as economias à beira da recessão e taxas de juro elevadas, as empresas mudaram a sua atitude em relação ao endividamento e à gestão do chamado capital circulante. O equilíbrio depende mais da capacidade de ter cash disponível do que ter acesso a financiamento.

Otimizar o capital circulante é, agora, obrigatório!

A sustentabilidade dos negócios, em particular das pequenas e médias empresas, passou a exigir um esforço redobrado para reduzir custos, melhorar o serviço e libertar capital, condições necessárias para continuar a investir e fazer crescer os negócios.

A gestão eficiente do capital circulante parece ser algo de elementar, básico. Muitas vezes esta gestão aparece associada ao gestor financeiro, uma vez que é ele o responsável por angariar os recursos financeiros para fazer face aos investimentos.

Contudo, a responsabilidade pela otimização do capital circulante, por assegurar que o negócio liberta cash, vai para além das atribuições do gestor financeiro. Está dependente das características da indústria, da capacidade de negociação dos clientes e fornecedores, e também da habilidade e competências dos gestores operacionais na forma como gerem as componentes das necessidades em fundo de maneio.

Ora, vejamos.

Partindo da informação contabilística, o capital circulante resulta da diferença entre os ativos correntes e os passivos correntes. Ou seja:

Capital Circulante = valores em stocks, tesouraria, dívidas de clientes, adiantamentos a fornecedores e outros valores a receber no curto prazo – valores de dívidas a fornecedores, adiantamentos de clientes e outras obrigações a pagar no curto prazo

O capital circulante deverá ser positivo, demonstrando a capacidade da empresa em gerar liquidez para fazer face às obrigações de curto prazo. Demasiado positivo pode significar má gestão das disponibilidades financeiras (tesouraria parada); negativo significa pressão sobre a tesouraria provocada pelas obrigações de curto prazo.

É responsabilidade do gestor financeiro assegurar a adequada estrutura de capital da empresa, o equilíbrio do capital circulante e, naturalmente, a contratação do financiamento adequado para que a empresa tenha liquidez que lhe permita solver compromissos e manter a exploração do negócio de forma sustentável.

Ana Maria Simões, Comissão Executiva do Iscte Executive Education (IEE), Diretora da Pós-Graduação em Controlo de Gestão e Execução da Estratégia e da Pós-Graduação em Finanças e Controlo Empresariais (IEE)

Agora, é responsabilidade da gestão operacional gerir algumas das variáveis de negócio que impactam no capital circulante. E estas variáveis traduzem-se financeiramente naquilo que se designa por necessidades em fundo de maneio.

As necessidades em fundo de maneio (NFM) traduzem as necessidades e recursos financeiros cíclicos que resultam do ciclo de exploração da empresa, tendo em conta o desfasamento temporal existente entre as compras e os recebimentos.

As NFM são habitualmente quantificadas em valor absoluto:

NFM = Stocks + Crédito concedido a clientes – Crédito obtido de fornecedores +/- outras necessidades ou recursos associados ao ciclo de exploração.

Quando as NFM são iguais ou inferiores a zero, significa que o ciclo de exploração se autofinancia. De forma simplificada, os créditos de fornecedores financiam os créditos a clientes e os stocks. NFM negativas resultam de um ciclo de exploração que liberta cash. A velocidade de recebimento dos clientes é superior à do pagamento a fornecedores e, por isso, o ciclo de exploração é favorável à tesouraria. NFM positivas significam necessidade de financiar parte dos ativos cíclicos por endividamento ou capitais próprios.

Por norma, as NFM elevadas encontram-se associadas a ciclos de exploração longos, ou seja, com grande desfasamento temporal entre as compras e os recebimentos de clientes, como o caso das empresas industriais ou os projetos de construção.

As empresas comerciais ou de serviços tendem a manter ciclos de exploração mais curtos e, por isso, NFM mais reduzidas. Alguns negócios são mesmo caracterizados por manterem NFM negativas, ou seja, com prazos de realização dos ativos cíclicos menores do que os prazos de exigibilidade das dívidas. É o exemplo típico do setor da distribuição com recebimento a pronto, elevada rotação de stocks e prazos de pagamentos a fornecedores alargados.

Quanto menor o capital empregue em NFM, menor o custo de financiamento exigido ao negócio. E, por isso, mesmo sabendo que as características das indústrias influenciam a duração dos ciclos de exploração, e que há inúmeros fatores exógenos não controláveis, os gestores operacionais têm a responsabilidade de ponderar e implementar práticas, políticas, processos que reduzam o capital empregue no ciclo de exploração. Ficam algumas sugestões:

  • Privilegie os canais de venda, mercados e clientes bons pagadores. E negoceie melhor o prazo de recebimentos concedido a clientes.
    Receber de imediato, ou até de forma antecipada, será o ideal. As vendas online vieram potenciar esta prática eliminando, por vezes, intermediários. Não sendo possível receber de imediato, negoceie bem os prazos de recebimento, tente reduzi-los, conjugue-os com descontos financeiros. Certifique-se que o cliente é bom pagador. Em síntese, procure reduzir os dias de crédito concedidos a clientes, mesmo com o volume de negócios a crescer.
  • Negoceie bem com os fornecedores, minimize e rode o stock.
    Garanta uma gestão eficiente dos stocks. Implemente os processos necessários para evitar ruturas, mas sem criar gorduras no armazém ou ao longo do processo produtivo. Promova a rotação do stock. Negoceie, com o fornecedor, quantidades, mas com entregas e pagamentos parcelares. Ganhe a sua confiança e pague nos prazos combinados. Se alargados, melhor. Em síntese, seja eficiente na relação com cadeia de abastecimento, e na gestão dos stocks. Se ainda for possível, reduza o tempo de permanência do stock e alargue prazos de pagamentos a fornecedores.
  • Implemente boas práticas de gestão e reduza custos.
    Em particular nas empresas industriais e de projeto, um bom planeamento das necessidades e alocação dos recursos permitirá com certeza obter ganhos de eficiência ao nível dos custos e do capital empregue. Implemente metodologias e práticas de gestão que promovam a redução de stocks, dos tempos de espera, de produção, de setups, da ocupação de espaços, de desperdício de recursos.
  • Melhore a qualidade da prestação de serviços.
    Se prestar um bom serviço, dentro dos prazos, de qualidade, o cliente terá maior dificuldade em apresentar argumentos para atrasar o pagamento. Aliás, pelo contrário, um serviço de excelência pode servir de argumento para antecipar recebimentos, negociando com o cliente adiantamentos que farão reduzir as NFM.

Estas e outras dicas contribuirão para, por um lado, reduzir o ciclo de exploração do seu negócio – tempo entre as compras e os recebimentos de clientes – e, por outro, para ganhar eficiência ao nível das NFM. Atente-se que reduzir ou ganhar eficiência ao nível das NFM significa libertar cash e ganhar liquidez.

Não é muitas vezes visível para os gestores operacionais. Mas a gestão eficiente das NFM apresenta benefícios para a performance financeira do negócio, como por exemplo:

Redução de custos – não só a redução dos custos operacionais muitas vezes decorrentes da melhoria dos processos, mas também a redução dos custos de financiamento (juros ou custo de oportunidade) do capital empregue em NFM.

Aumento do cash flow – maior eficiência das NFM significa reduzir o ciclo de exploração do negócio e, por conseguinte, receber mais rápido. As disponibilidades financeiras da empresa incrementam. Criam-se novas oportunidades para investir e crescer.

Melhoria da rendibilidade – NFM mais baixas reduzem o capital empregue no negócio e, por isso, aumentam a taxa de rendibilidade.

Criação de valor para o investidor – maior eficiência das necessidades em fundo de maneio, resultará no incremento do resultado residual gerado para o investidor.

A gestão das variáveis que verdadeiramente impactam as NFM é da responsabilidade dos gestores operacionais. Claro que o gestor financeiro estará vigilante até porque é ele que tem a responsabilidade de angariar o financiamento necessário e de negociar o seu custo. Mas são os gestores operacionais que no terreno tomam, a montante, as decisões que determinam maior ou menor capital empregue em NFM. E, por isso, devem ter visibilidade e monitorizar a informação relativa ao comportamento e performance destas variáveis.

Não esquecer, por exemplo, que quando o departamento comercial dá mais crédito aumenta as necessidades de financiamento da empresa, e por isso os custos financeiros. Em períodos de taxas de juro elevadas o efeito é mais impactante. Claro que se pode compensar o crédito com o pricing, com volume; ou a montante, com uma melhor negociação dos créditos e preços com fornecedores. Os gestores operacionais devem ponderar estes vários efeitos conjugados. Ficam alguns indicadores que podem ajudar os gestores operacionais neste processo:

*A taxa de custo de capital deve traduzir o custo de financiamento da empresa, incluindo o custo de oportunidade decorrente do financiamento via capitais próprios.

O efeito global da gestão das múltiplas variáveis com que os gestores de negócio são confrontados – pricing, eficiência, produtividade, custos, política de créditos, gestão de stocks, tempos, setups, volume …. – pode ser monitorizado pelo resultado residual.

O resultado residual integra a performance económica do negócio, mas também o custo de financiar as NFM associadas ao ciclo de exploração. Custo de capital elevado, como o que se assiste agora, penaliza a performance financeira do negócio e obriga a uma melhor gestão das NFM. Os gestores operacionais, os que estão mais próximo do negócio, têm muito a dizer sobre a redução do ciclo de exploração do negócio. Fazem a gestão das operações e, de forma menos visível, são também gestores financeiros porque são responsáveis, no dia-a-dia, pela otimização do capital investido no ciclo de exploração das empresas. Reduzir o tempo de ciclo de exploração significa libertar liquidez para investir nos atuais ou novos negócios.

Agora, é essencial dar visibilidade aos gestores dos negócios desta responsabilidade. É essencial partilhar, fazer-lhes chegar informação, indicadores que lhes mostre os benefícios de fazer uma boa gestão das variáveis que impactam no capital investido no ciclo de exploração. E quando o dinheiro custa mais caro, o essencial passa a prioritário.

Ana Maria Simões, Comissão Executiva do Iscte Executive Education (IEE), Diretora da Pós-Graduação em Controlo de Gestão e Execução da Estratégia e da Pós-Graduação em Finanças e Controlo Empresariais (IEE)

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