OPA da Bondalti sobre a Ercros na mão dos minoritários. Oferta à espera de luz verde do Governo espanhol
Cerca de 80% do capital da gigante industrial espanhola é controlado por pequenos investidores. A oferta apenas poderá avançar após o Conselho de Ministros espanhol e os reguladores darem luz verde.
Serão os pequenos investidores a decidir a oferta pública de aquisição (OPA) lançada pela química portuguesa Bondalti sobre a gigante espanhola Ercros. Cerca de 80% do capital da companhia está nas mãos de minoritários, pelo que a química do Grupo José de Mello depende da aceitação destes acionistas para garantir os 75% fixados para o sucesso da oferta, que aguarda agora a “luz verde” de várias autoridades, entre as quais o Governo espanhol, para avançar.
A Bondalti anunciou esta terça-feira uma OPA sobre a Ercros, propondo-se pagar 3,60 euros por cada ação da química espanhola, o que representa um prémio de 40,6% face à cotação de fecho registada na véspera (2,56 euros), mas que está cerca de 20% abaixo do máximo de 4,80 euros fixado há menos de um ano, em abril de 2023. O negócio avalia a companhia em 329 milhões de euros.
Ao contrário do que é habitual em empresas cotadas no mercado espanhol, o grosso do capital não está concentrado nem em grandes fortunas, nem em fundos de investimento. Apenas 20% das ações correspondiam a participações superiores a 3% do capital, no final de 2023, segundo a informação disponibilizada no site da empresa. O casal Joan Casas Galofré e Montserrat García Pruns controla junto perto de 10% do capital, surgindo como os principais beneficiários da oferta, caso decidam aceitar os termos propostos pela empresa lusa. Se venderem na OPA encaixam 31 milhões de euros.
Casas Galofré é o maior investidor individual da empresa, com uma participação de 6,015%, pela qual receberia 19,8 milhões de euros caso alienasse os seus títulos a 3,6 euros cada. O espanhol comprou uma posição de 3% (3,4 milhões de ações) em abril de 2016, avaliadas à época em 1,6 milhões de euros, tendo vindo a reforçar desde então a sua participação na empresa.
O segundo maior acionista da Ercros é o advogado Víctor Manuel Rodríguez Martín (5,52%), seguido pelo fundo norte-americano Dimensional Fund (4,99%), participado pelo ex-ator e governador Arnold Schwarzenegger. Mesmo que todos estes acionistas qualificados aceitem a oferta, a Bondalti ainda precisa que, pequenos acionistas quer representem um total de pelo menos 55% do capital vendam na OPA, para atingir os 75% do capital, uma vez que a companhia portuguesa não detém ações da Ercros, conforme avançou no comunicado enviado ao regulador espanhol, a CNMV.
A primeira reação dos investidores à oferta lançada pela empresa do Grupo José de Mello foi positiva, com as ações a dispararem 33,6% para 3,42 euros em bolsa, tendo tocado durante a sessão nos 3,54 euros, contudo os títulos mantiveram-se sempre abaixo do valor da oferta, o que poderá significar que os investidores não estão a antecipar uma revisão em alta da contrapartida.
“Um prémio a rondar os 40% para uma empresa que tinha uma tendência baixista e que teve dificuldades em atingir cotações superiores no passado, parece ser um preço ‘justo’“, argumenta Vítor Madeira. Além disso, refere o analista da XTB, “os números financeiros têm vindo a deteriorar-se no passado recente, o que pode ser uma realização de lucros vantajosa para os acionistas“.
Um prémio a rondar os 40% para uma empresa que tinha uma tendência baixista e que teve dificuldades em atingir cotações superiores no passado, parece ser um preço ‘justo’.
Vítor Madeira acredita que “esta oferta pode ser bem-sucedida“, adiantando ainda que “a componente do capital próprio no último relatório e contas [da Ercros] demonstrou um valor perto dos 360 milhões de euros, que está próximo do valor da aquisição”. “O compromisso de manter todos os postos de trabalho e a criação de uma sinergia conjunta na inovação parecem ser fatores positivos para os acionistas que são trabalhadores da empresa“, remata.
A Bondalti garante que vai manter a sede da Ercros em Barcelona, assim como os postos de trabalho e a presença nas quatro regiões em que opera (Catalunha, Comunidade Valenciana, Aragão e Madrid), sublinhando ainda que tem “plena confiança no trabalho da equipa de gestão”.
Ações afundam 47% desde máximos de 2023
Os títulos da empresa acentuaram uma tendência descendente nos últimos meses. À data da oferta, a empresa estava a negociar cerca de 47% abaixo dos máximos de 4,80 euros em que tocou há menos de um ano, na sessão de dia 18 de abril de 2023, a reagir a uma sentença do Tribunal Constitucional, que obrigou o estado espanhol a pagar-lhe uma indemnização de 26 milhões de euros.
Desde então, os títulos têm estado sob pressão e negociavam em torno dos 2,6 euros por ação antes de a Bondalti ter lançado a OPA, no dia 5 de março.
À semelhança do que aconteceu com muitas empresas, a Ercros viu o seu negócio ser afetado pela conjuntura macroeconómica, no ano passado. Os resultados foram pressionados pela descida da procura na Europa e pelo aumento da concorrência dos EUA e da Ásia, com as vendas a caírem mais de 29% para 707 milhões de euros.
Os lucros de 2023 baixaram 56,2% para 27,6 milhões de euros. Não fosse a indemnização paga pelo Estado espanhol, na sequência da sentença anunciada no ano passado, o resultado líquido teria situado-se apenas em 1,5 milhões de euros.
A Ercros é um importante grupo químico espanhol, que resulta de uma fusão, em 1989, de duas empresas, a S.A. Cros e a Unión Explosivos Río Tinto, S.A. (ERT), dois dos grupos industriais mais relevantes de Espanha na altura. No entanto, os antecedentes do grupo catalão, que é especializado na produção e venda de produtos químicos e farmacêuticos e emprega 1.350 pessoas, remontam a 1817, quando Francisco Cros instalou a sua primeira fábrica de produtos químicos em Barcelona. Já em 1904 a empresa constituiu uma sociedade anónima e passou a denominar-se S.A. Cros.
Em comunicado, João de Mello, presidente da Bondalti, destaca que “a união com a Ercros permite formar um grupo com a dimensão e a capacidade financeira necessárias para fazer face aos desafios que a indústria química europeia enfrenta”.
Acreditamos que a oferta representa uma proposta financeira muito atrativa para os atuais acionistas assim como para a própria empresa, que beneficiará da experiência e da solidez financeira de um sócio industrial como a Bondalti.
“Acreditamos que a oferta representa uma proposta financeira muito atrativa para os atuais acionistas assim como para a própria empresa, que beneficiará da experiência e da solidez financeira de um sócio industrial como a Bondalti. Isto fortalece a estratégia de crescimento e a competitividade da empresa nos mercados, ao ganhar escala e uma equipa profissional de elevada competência como os quadros da Ercros”, acrescenta.
“Os ganhos com novos produtos, sinergias, aumento da quota de mercado e robustez da Bondalti parecem ser as razões para esta aquisição”, refere o analista da XTB, notando que “esta não é uma operação anormal para a Bondalti, já que ela tem vindo a adquirir outras empresas ao longo da sua história”.
OPA à espera de autorizações
Os próximos passos da oferta incluem um conjunto de autorizações por parte de várias autoridades, começando pelo Governo espanhol. O primeiro passo para a operação avançar é a autorização do Conselho de Ministros do país vizinho. Cabe à tutela espanhola decidir se recorre ao chamado “escudo anti-OPA”, um mecanismo aprovado após a pandemia, com vista a evitar que investidores estrangeiros tomassem posições relevantes em empresas estratégicas espanholas, aproveitando as baixas cotações motivadas pela correção dos mercados após a covid.
Para evitar a oposição do Executivo espanhol, a empresa portuguesa lançou a oferta através da sua filial espanhola, a Bondalti Ibérica, com sede em Barcelona, comprometendo-se ainda a manter a sede da empresa em Espanha.
Além do aval do Executivo espanhol, a OPA terá ainda que receber luz verde dos reguladores, a Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia (CNMC) e a Autoridade da Concorrência. Por outro lado, a Bondalti está ainda à espera que a Comissão Europeia dê a sua autorização em matéria de subvenções estrangeiras.
Estas autorizações poderão prolongar o prazo da OPA durante várias semanas, esperando-se ainda que o Conselho de Administração da Ercros se manifeste sobre a oferta e as condições oferecidas pela empresa portuguesa. Apenas após ter reunidas todas estas autorizações e obtido a informação necessária, o regulador espanhol poderá aprovar a OPA e dar início ao período da oferta. Após o início da operação, os investidores têm 30 dias para decidir se aceitam a OPA.
“Caso os acionistas não aceitem, pode haver alguma margem para uma subida [do preço da oferta], não acreditamos que esta subida seja superior aos 3,9 euros, pois a partir deste valor pode não ser compensatório para a Bondalti, uma vez que a empresa pode estar a pagar um valor acima do real e acima do que era esperado”, antecipa Vítor Madeira.
Se a OPA for concluída com sucesso, a Bondalti vai retirar a Ercros de bolsa.
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