“Fadiga eleitoral” (e emigrantes) pode levar a um aumento da abstenção

Três eleições em cinco anos. Politólogos admitem que uma "fatiga eleitoral" afaste eleitores das urnas depois de nas últimas eleições quase metade da população não ter exercido o seu direito ao voto.

Este domingo, os portugueses voltam às urnas para eleger 230 deputados para a Assembleia da República, e, consequentemente, permitir que se forme um novo Governo, depois de o anterior se ter demitido. As eleições legislativas ocorrem depois de um ano de alguma turbulência, e as sondagens realçarem que há muitos indecisos. Mas para além desses, existe ainda um grupo que não irá às urnas.

“Não é de excluir a hipótese que os eleitores portugueses, com três eleições legislativas em cinco anos, possam ser afetados por uma certa fadiga eleitoral”, alertam João Cancela, professor da Universidade Nova de Lisboa, e José Santana Pereira, investigador no ISCTE ao ECO. “Sabemos que há por vezes um efeito de cansaço e saturação eleitoral quando as pessoas são chamadas muitas vezes às urnas em curtos intervalos de tempo”.

O mesmo alerta é dado pelo porta-voz da Comissão Nacional das Eleições (CNE). Fernando Anastácio sublinha, ao ECO, que embora a CNE tenha em curso uma estratégia de “sensibilização, informação e esclarecimento dos atos eleitorais” essa poderá não ser suficiente para atrair os mais de 10,8 milhões de portugueses inscritos por considerar que “as dinâmicas de participação [nas eleições] têm muito a ver, obviamente, com a mensagem política e com a predisposição que os eleitores têm em cada momento para responder às mensagens”.

Tal como nos indecisos, existem entre os abstencionistas eleitores que estão “desiludidos com o sistema” depois de a maioria absoluta do PS ter criado “expectativas altas” sobre um futuro que foi interrompido dois anos mais cedo do que o previsto, aponta Paula Espírito Santo ao ECO. Estes eleitores, caracteriza a especialista em sociologia e comportamento político do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), embora assumam uma posição de “protesto”, serão ainda assim mais fáceis de “chamar e de convencer a votar” do que os eleitores que estão “completamente alheados e que não têm qualquer proximidade ao funcionamento do sistema político porque desconhece”. A maioria são jovens, alguns acabados de entrar na idade legal, por não estarem “socializados com o sistema político”, nem terem sido “culturados” nesse sentido.

“Por regra, os jovens são mais desligados da política e do voto, em particular. Não podemos gostar da arte se nunca formos a um museu, ou gostar de futebol se não formos socializados para gostar de futebol”, compara a investigadora. Mas os dados da abstenção têm mais camadas para além destas.

Nos dias que se seguiram a 30 de janeiro de 2022, o debate público centrou-se na (imprevisível) maioria absoluta do PS e nos eleitores abstencionistas que representaram 48,6%, ou cerca de 4,5 milhões, do total de eleitores elegíveis (10,8 milhões). Ainda que tenha sido quase metade da população, a abstenção nesse ano foi, ainda assim, inferior às das eleições legislativas de 2019. Nesse ano, havia 9,3 milhões de portugueses recenseados, mas só chegaram às urnas cerca de cinco milhões de votantes. A taxa de abstenção foi de 51,4%, a mais alta de sempre.

Mas as eleições legislativas não são determinadas apenas com base nos eleitores residentes em Portugal. “Quando olhamos para a abstenção como um todo, é importante saber que Portugal é um país da diáspora em que uma proporção dos inscritos eleitoralmente são emigrantes”, alerta Paula Espírito Santo.

Em 2022, existiam no estrangeiro mais de 1,5 milhões de portugueses inscritos para votar. Nas mãos destes eleitores, está o poder de eleger quatro deputados para a Assembleia da República (representando os círculos eleitorais da Europa e fora), mas nesse ano apenas 11,42% (cerca de 173 mil pessoas) exerceram o seu direito ao voto. Nas eleições legislativas anteriores, em 2019, a percentagem de participação foi de 10,79%. Ou seja, dos 1,4 milhões de inscritos, apenas 158 mil eleitores votaram.

“Se retirarmos os eleitores emigrantes dos valores globais, a abstenção baixa cerca de 6 pontos percentuais. Não considero uma abstenção de 42% como elevada”, considera Paula Espírito Santo.

Mas a proporção de eleitores no estrangeiro nem sempre rondou os milhões. Na verdade, tudo mudou em 2018, quando o Ministério da Administração Interna e a Secretaria de Estado das Comunidades procuraram flexibilizar o voto no círculo da Europa, dado que, contextualiza Paula Espírito Santo, “os portugueses com nacionalidade portuguesa que vivem maior parte do tempo no estrangeiro, contam para a abstenção no território nacional”, explica.

Em 2015, antes das alterações às regras do jogo, a taxa de abstenção no estrangeiro também rondava os 11% (28.354 votantes), mas o número de inscritos era muito mais baixo (242.852). Estes números sugeriam uma discrepância com a realidade. Segundo as contas do Governo, existem cerca de 3,5 milhões de portugueses com nacionalidade a residir no estrangeiro elegíveis para votar, e por isso, naquele ano, procedeu-se ao recenseamento automático. Isto é, quem é português, tem cartão de cidadão, mas reside no estrangeiro, passou a estar inscrito automaticamente para votar. “Mas não é obrigatório, porque ao serem notificados desta automaticidade, os cidadãos têm a possibilidade de dizer que não querem”, explicou na altura José Luís Carneiro, na altura secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, no Parlamento.

Mas essa flexibilização não contribuiu para uma maior participação eleitoral, apenas para um aumento da abstenção, de acordo com a análise dos politólogos. “A abstenção continuou a ser em torno dos 90%. Todos os anos há problemas com votos dos emigrantes, que é mais complexa do que os votos dos portugueses residentes em Portugal. E é um problema que continua. Não há grande solução”, alerta Paula Espírito Santo.

Novas soluções de voto não garantem maior adesão

Este ano, segundo José Luís Carneiro (agora ministro da Administração Interna) existem mais de 10,8 milhões de portugueses recenseados em Portugal e no estrangeiro, entre os quais 208 mil que já beneficiaram do voto antecipado e em mobilidade, no passado dia 3 de março. Estes dois mecanismos, realçam João Cancela e José Santana Pereira ao ECO são medidas que se podem “traduzir num incentivo à participação”, mas a falta de dados não esclarece se tem de facto tido resultados em Portugal.

Não sabemos se as pessoas que têm recorrido a esta possibilidade deixariam de votar se ela não existisse”, admitem os dois investigadores.

Por seu turno, as eleições europeias poderão trazer para cima da mesa mais uma solução que contribuirá para uma maior adesão ao voto, tanto a nível nacional como no estrangeiro: a desmaterialização dos cadernos eleitorais.

“Esta é uma medida que talvez se afigure mais complexa de aplicar no contexto de eleições para a Assembleia da República, onde há contabilizações separadas nos diferentes círculos eleitorais, mas que poderá vir a ser um forte incentivo à participação de eleitores que se encontrem deslocados”, respondem os investigadores da NOVA e do ISCTE.

Outra solução que poderia aumentar a adesão ao voto, num contexto em que o sufrágio continua a ser voluntário, seria o voto eletrónico. A implementação desta solução visa, sobretudo, conferir maior celeridade às operações de votação e apuramento, melhorar toda a gestão do próprio processo com vista a atingir ganhos de eficiência e, ao mesmo tempo, manter ou aumentar as garantias de segurança e credibilidade de todo o processo.

A nível nacional já foram conduzidos vários testes-piloto ao longo das últimas décadas, e embora os resultados tenham sido positivos, Fernando Anastácio admite que entre os membros da CNE “não se fez nenhuma reflexão aprofundada sobre essa matéria”, salientando, no entanto, que a decisão de implementar esta solução cabe ao legislador.

“Há muitos argumentos a favor, nomeadamente, a nível da facilitação dessa matéria. Mas também há argumentos contra, como, por exemplo, a confiabilidade do sistema, a autenticidade e garantia da autenticidade. Nestas matérias tem que haver um equilíbrio”, sublinhou ao ECO.

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