Governo supera primeiro debate mas com alertas de “arrogância”

Governo quis mostrar abertura mas foi acusado de falta de diálogo. Enfrentando críticas da direita à esquerda, Montenegro "sobreviveu" ao primeiro debate face a um Parlamento fragmentado.

O Executivo de Luís Montenegro conseguiu ultrapassar o primeiro debate parlamentar com o Programa do Governo viabilizado, mas não escapou a críticas e ameaças da oposição, que recordou a maioria relativa que vai obrigar ao diálogo. Foram mais de oito horas de debate no primeiro dia, marcado pelo anúncio de nove medidas prioritárias por Montenegro, e duas moções de rejeição no segundo, onde o PS e o Chega deixaram o trabalho prosseguir mas não sem avisos de que não iam ser muletas ou apoios.

Na primeira intervenção de Montenegro, que fez questão de recordar que não é um estranho às andanças do Parlamento, onde foi deputado 16 anos, o grande destaque foram as medidas que o Governo escolheu para serem as primeiras a avançar. São no total nove medidas, arrancando com a descida de IRS, que foi a grande bandeira da campanha social-democrata.

Apresentação e debate do programa do XXIV Governo Constitucional na Assembleia da República - 11ABR24

Entre as primeiras decisões do Governo encontram-se também os professores e polícias, propostas para o Fisco e para os jovens, como a isenção de IMT, bem como para acelerar os fundos europeus e revogar medidas de António Costa na habitação.

Oposição nega apoio com viabilização do programa do Governo

O discurso foi também marcado pela forma como Montenegro enquadrou a viabilização do programa do Governo. Disse que permitir a viabilização do Programa do Governo “significa permitir a sua execução até ao final do mandato ou, no limite, até à aprovação de uma moção de censura”.

Perante estas afirmações, o PS acusou o Governo de estar a fazer “chantagem” e, por isso, o secretário-geral socialista desafiou Montenegro a avançar com uma moção de confiança. Depois de no Parlamento terem feito acusações mútuas de “arrogância”, Pedro Nuno Santos salientou que Montenegro, “em vez de se congratular pela decisão do PS de se abster na votação das moções de rejeição da esquerda, decide exigir ao PS que, inviabilizando a moção, tem de suportar o Governo”.

André Ventura também não gostou das declarações do primeiro-ministro e disse esperar a clarificação de Luís Montenegro de que “os partidos que não obstaculizem o programa não se tornaram apoiantes”, numa espécie de ultimato.

Montenegro pouco clarificou a questão mas reiterou que não queria o apoio do Partido Socialista. “Respeitamos o papel de oposição e de escrutínio do Partido Socialista e o papel de construção de uma alternativa política”, assumiu o primeiro-ministro.

Mesmo com 60 medidas de outros partidos, Governo acusado de falta de diálogo

O Executivo quis dar um sinal de abertura ao anunciar, no Conselho de Ministros de quinta-feira, que tinha incluído 60 medidas dos outros partidos no programa de Governo. Mas os partidos desvalorizaram o gesto, já que não existiu diálogo nem aviso de que tal ia ser feito, pelo que tiveram de andar à procura dos “ovos da Páscoa”, como caracterizou Inês Sousa Real.

Os partidos reiteraram que não existiu diálogo, nem a comunicação de quais foram as medidas incluídas: Isabel Mendes Lopes, do Livre, diz que puseram o país a fazer um “peddy paper” à procura das propostas.

A lista chegou apenas ao final do dia e mostrou que mais de metade das medidas escolhidas são do PS, que viu incluídas 32 propostas. Segue-se o Chega, com 13 propostas plasmadas no Programa de Governo, e a Iniciativa Liberal, com seis. Já o Livre e Bloco tiveram três medidas cada, enquanto o PAN viu incluídas duas e o PCP — que já tinha anunciado uma moção de rejeição — apenas uma.

O Governo disse não compreender estas críticas e Paulo Rangel, que fechou o debate em nome do Governo, reiterou que “não é suposto nem desejável que programa do Governo seja negociado com oposições”. O programa “será sim a base da negociação”, defendeu, apontando que foi um sinal de “abertura”.

Ministros começam a dar primeiros passos

À tarde do primeiro dia de debate surgiu a primeira oportunidade para os ministros se pronunciarem na Assembleia da República, no confronto direto com os partidos. Ainda que muitos já estivessem habituados às andanças parlamentares, vestem agora uma nova pele, num contexto de maioria relativa em que o consenso é necessário.

Do lado do ministro das Finanças, veio o aviso de que o excedente não significava que era possível resolver todos os problemas. “A forma como chegámos ao excedente de 2023 não é saudável”, porque é o resultado de “elevada inflação, carga fiscal máxima, serviços públicos e investimento público no mínimo e de juros, desde 2015, a beneficiarem da política monetária do BCE até 2022 que deu quase três mil milhões de euros”, explicou.

Além disso, Miranda Sarmento deixou também registada a sua “surpresa” face aos prejuízos operacionais do Banco de Portugal, revelados no mesmo dia numa notícia do Jornal de Negócios. O ministro disse que o Governo iria “avaliar os impactos ao nível das contas deste ano desse prejuízo”, mas é de salientar que no Orçamento do Estado para 2024 já não estava previsto qualquer dividendo da instituição liderada por Mário Centeno.

Já Castro Almeida, que já tem bastante experiência governativa, explicou os planos do Governo para acelerar a execução dos fundos europeus, uma das prioridades anunciadas por Montenegro. O ministro considerou ser “incompreensível” que a execução do Plano de Recuperação e Resiliência continue na ordem dos 20% numa altura em que estão em Bruxelas detidos 713 milhões de euros relativos ao terceiro cheque.

Destaque também para Fernando Alexandre, ministro da Educação, Ciência e Inovação, que anunciou o arranque das negociações com os professores na próxima semana. Isto depois de o primeiro-ministro também ter indicado que as negociações com as forças de segurança iam arrancar já esta sexta-feira, sendo estes os dois grupos da Função Pública que o Governo identificou como prioritários para o início de negociações.

Esquerda rejeita programa, PS apresenta medidas e direita testa relação

No encerramento do debate, na manhã desta sexta-feira, cada líder parlamentar subiu ao palanque para fazer um discurso final. Pedro Nuno Santos não quis ficar de fora dos anúncios e revelou as cinco iniciativas que o grupo parlamentar do PS vai entregar, que incluem o fim das portagens nas ex-Scut, descida do IVA da eletricidade para 6% e aumentar as deduções com arrendamentos.

O PSD apelidou de hipocrisia a bancada socialista aplaudir de pé estes anúncios quando estiveram no Governo oito anos e não avançaram com as medidas que agora propõem.

Apresentação e debate do programa do XXIV Governo Constitucional na Assembleia da República - 12ABR24

Nas bancadas mais à direita, Ventura apontou a mira à esquerda e ao PS, que criticou pelo estado como deixaram o país. Já para Montenegro, lançou um repto para que faça um Orçamento retificativo, recordando que o próprio, há meses, classificava o atual Orçamento desenhado pelo PS como “betinho e pipi”.

A Iniciativa Liberal apontou falhas no programa do Governo mas também mostrou concordância com alguns pontos, sendo que do lado do Governo sinalizou-se que esta seria uma das bancadas com quem existia mais convergência. “Ainda vai concordar muitas vezes”, disse Joaquim Miranda Sarmento a Bernardo Blanco.

À esquerda surgiram críticas pela posição face às empresas e a proposta para descer o IRS, com Mortágua a declarar aberta a “happy hour das empresas”. Tanto o PCP como o Bloco apresentaram moções de rejeição, mas foram ambas chumbadas com cerca de 138 votos contra – da direita. O PS absteve-se, tal como já tinha anunciado que faria.

Apresentação e debate do programa do XXIV Governo Constitucional na Assembleia da República - 11ABR24

De Saramago a Ricardo Reis, políticos citam autores portugueses

Os deputados e ministros continuam a ser fãs de citações e as intervenções deste debate tiveram “contributos” de autores portugueses como Saramago, Camões e Ricardo Reis. Mas há ainda espaço para cantores – depois de nos debates do anterior Governo serem comuns as citações de Jorge Palma – desta vez com Mariza.

Montenegro terminou a sua primeira intervenção com Saramago: “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”, disse o primeiro-ministro, depois de anunciar as nove medidas que iam avançar no imediato.

Já André Ventura fez questão de dizer que iria “corrigir” o discurso de Montenegro e em vez de Saramago, terminou com uma citação de Camões: “Cesse tudo o que a Musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta”.

O líder parlamentar do PSD optou por citar uma letra de Mariza: “Algo me diz que a tormenta passará/ É preciso perder para depois se ganhar/ E mesmo sem ver, acreditar”.

Apresentação e debate do programa do XXIV Governo Constitucional na Assembleia da República - 12ABR24

Paulo Rangel, responsável por encerrar o debate do lado do Governo, escolheu por sua vez Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa. No final da intervenção, citou o poema que diz: “Uns, com os olhos postos no passado, veem o que não veem. Outros, fitos, os mesmos olhos no futuro, veem o que não pode ver-se”. Acrescentou ainda: “Este é o dia, esta é a hora, este o momento, isto é quem somos, e é tudo.”

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