BRANDS' ECO Gestão de projetos PRR – Um problema de fundo impulsionado por vieses cognitivos

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  • 17 Maio 2024

Carlos Hernandez Jerónimo, Diretor do Executive Master em Gestão de Programas e Projetos do ISCTE Executive Education, partilha os problemas que considera estarem presentes na gestão do PRR.

É consensual, conjeturo que até os mais céticos concordarão, que os fundos europeus são essenciais para o desenvolvimento de Portugal e outros países da União Europeia, assumindo que a execução dos projetos seja bem-sucedida e que as metas estabelecidas sejam efetivamente alcançadas.

Considerando o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), avançamos a toda a velocidade na fase de execução e com o horizonte do final de 2026 bem presente, a data de conclusão do mesmo. Ouve-se que seria trágico “desperdiçar” tanto dinheiro e, nesse sentido, são vários os países que argumentam e negoceiam com a UE para estender o prazo até 2029, o típico e conhecido cenário do estudante que na véspera da entrega de um trabalho solicita mais um ou dois dias e acaba por fazer o mesmo quatro horas antes do prazo final. É precisamente esse comportamento procrastinador que, se não houver uma pausa para replaneamento e análise crítica das causas raiz dos atrasos e problemas atuais na implementação do PRR, poderá arrastar sempre os problemas, independentemente da data final.

Os relatórios de monitorização do PRR que podem ser consultados em https://recuperarportugal.gov.pt, que, não sendo completos, aplaudo pela evolução estética e analítica quando comparada a outros pontos de situação passados, apresentam percentagens de execução e de implementação financeira, o detalhe dos pedidos de pagamento, aprovação de projetos, entre outros indicadores que espelham o passado recente da execução. Mas, tal como indicam as boas práticas de gestão de projeto, falta mais. Faltam indicadores de previsibilidade ao nível de velocidade e produtividade, a típica pergunta de “se continuarmos assim, em que data conseguiremos concluir?” Faltam, também, os riscos passados, os atuais até à implementação final, e, ainda, os problemas que estão na base de muitos dos atrasos.

Alguns dos problemas presentes na gestão da execução de grandes projetos associados a fundos Europeus, que são hoje fortemente estudados, são comuns em projetos desta complexidade e envergadura. Uma perspetiva enriquecedora para compreender esses desafios é oferecida por Daniel Kahneman, prémio Nobel da Economia no seu livro “Pensar, Depressa e Devagar”, que explora como os vieses cognitivos moldam as nossas decisões, por exemplo o viés do otimismo irrealista, que tende a ser observado na gestão dos projetos de fundos, onde os dirigentes públicos e governantes frequentemente subestimam riscos e superestimam benefícios. Um reflexo de falta de planeamento rigoroso e uma esperança infundada de que problemas se resolvam espontaneamente. Por exemplo, a incapacidade dos organismos responsáveis em lidar com a complexidade e a escala dos projetos, devido à falta de recursos e competências técnicas, é outra barreira significativa associada pelo viés da ilusão.

Outro possível problema deve-se ao oportunismo, que também emerge como um problema, exacerbado pelo viés de conformidade, onde se escolhem projetos seguros para garantir financiamento continuado, mas que não atendem necessariamente às necessidades ou impulsionam inovação significativa. A cultura de “fazer por fazer”, leva a uma execução de projetos vista mais como obrigação do que como uma oportunidade de desenvolvimento. Esta abordagem reducionista não apenas limita o âmbito do que pode ser alcançado pelos países, mas também desmotiva as equipas envolvidas, que poderão ver os seus esforços como uma mera formalidade em vez de uma contribuição valiosa para o futuro.

Carlos Hernandez Jerónimo, Diretor do Executive Master em Gestão de Programas e Projetos do ISCTE Executive Education

Um ponto crítico, ainda, é a legislação obsoleta que obtura a implementação de projetos inovadores por não se ajustarem às leis vigentes. Isto cria um círculo vicioso, onde as leis não acompanham os avanços tecnológicos e sociais como inicialmente pensados, e ilustra a necessidade de legislações que evoluam com as mudanças, facilitando o progresso em vez de obstruí-lo. A incapacidade de adaptar a legislação reflete um possível viés de ancoragem, onde as normas e práticas passadas continuam a ser a referência, apesar de não servirem mais o contexto futuro.

Um viés particularmente pernicioso também visível é o dos custos irrecuperáveis (sunk cost fallacy), onde as decisões continuam a ser feitas com base em investimentos passados ao invés de potenciais futuros benefícios. No contexto dos fundos europeus, isto manifesta-se quando, a meio de um projeto, se torna evidente que os objetivos inicialmente delineados não serão atingidos ou que a meta ou impacto desejado não será alcançado. No entanto, a decisão de prosseguir é muitas vezes tomada, justificando-se que, uma vez iniciado e investido capital substancial, completar o projeto é a opção mais prudente. Esta abordagem não apenas drena recursos adicionais, mas também desvia o foco de alternativas potencialmente mais frutíferas e alinhadas com os objetivos estratégicos atuais.

Para além da execução, há vieses atuais que poderão impactar na pós-implementação. Como serão depois operadas as tecnologias, processos, infraestruturas, entre outros? O que acontece a todos os recursos contratados via programa do PRR? Quem irá operar toda a tecnologia agora mantida por vários fornecedores e também eles pagos com a “mesada” europeia? Quando existe falta de planos para a sustentabilidade pós-financiamento, é estabelecida uma habituação prejudicial aos fundos, que pode sufocar a inovação em favor da manutenção do apoio financeiro. Este ciclo vicioso de dependência é perigoso, pois incentiva uma mentalidade de curto prazo que desconsidera a necessidade de desenvolvimento e crescimento autónomo.

Independentemente do programa, patrocinador, âmbito ou dimensão, as fundamentações da gestão de projetos e estratégias permanecem consistentes. Gerir fundos europeus não constitui uma ciência distinta; as práticas de gestão de projetos, incluindo a gestão de stakeholders, planeamento e execução, aplicam-se com a mesma validade, tanto na construção de um pequeno software quanto na implementação de uma grande infraestrutura financiada por fundos europeus. A diferença reside na escala, complexidade e nos riscos envolvidos, exigindo, portanto, gestores com maior experiência e formação.

Seja 2026 ou 2029, é preciso tempo para “afiar o machado”, analisar possíveis vieses cognitivos, trabalhar em soluções e replanear planos em função disso.

Carlos Hernandez Jerónimo, Diretor do Executive Master em Gestão de Programas e Projetos do ISCTE Executive Education

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