A “experiência” de Temido e a “combatividade” de Bugalho. Como avaliam os especialistas em comunicação os candidatos?
Terminados os debates, e com as campanhas para as europeias na rua, três especialistas em comunicação avaliam a prestação dos candidatos e antecipam os próximos passos dos principais partidos.
“A campanha para as europeias não está a ter impacto. Chego a questionar-me se queremos mesmo discutir a Europa”, comenta Bruno Batista, chairman do GCI Media Group, quando lhe é perguntado o que destaca pela positiva e também pela negativa na pré-campanha para as eleições de 9 de junho.
“Tenho dúvidas que os portugueses saibam o nome dos candidatos para além dos oito cabeças-de-lista. Aliás, se saberão o nome e quem são esses oito”, acrescenta o responsável, recordando que os 21 eurodeputados serão os representantes dos portugueses numa União Europeia que enfrenta desafios geopolíticos, a ascensão da extrema-direita, questões relacionadas com migrações, alterações climáticas ou o eventual alargamento, com todos os perigos que possam advir destas questões.
José Pedro Mozos, head of public affairs da ALL Comunicação, tem opinião diferente. “Nestas eleições europeias, temos várias caras conhecidas. De ex-líderes partidários a ex-ministros e passando por um dos mais conhecidos comentadores políticos, não temos muitas figuras com quem os eleitores não estejam familiarizados”, justifica. “Esta constatação é relevante porque altera muito a perceção dos próprios debates”. Se já conhecemos um determinado candidato que é particularmente hábil no confronto, não nos surpreenderá que use essa habilidade nos debates, dá como exemplo. Em sentido contrário, se desconhecermos os seus dotes e observarmos essa capacidade durante um debate, esse candidato marcará mais pontos, mesmo que os argumentos utilizados tenham sido os mesmos, refere.
Assim, para José Pedro Mozos, o candidato que mais superou expectativas parece ter sido Francisco Paupério, pelo menos numa fase inicial. “Como não tinha qualquer expectativa, uma boa primeira prestação podia servir para colocar o foco positivo sobre ele”, refere. No extremo oposto está o cabeça de lista do Chega, “até porque surgia sempre como embaixador e esperava-se uma prestação mais esclarecida deste candidato”, avalia.
Após duas semanas de debates, que não mobilizaram os eleitores, e em contagem decrescente para as eleições de 9 de junho, seguem-se duas semanas de campanha. “Espero que as estratégias mudem e que as suas vozes se possam ouvir, para que possamos perceber como cada um vê e deseja a Europa, que hoje é a 27, mas que promete crescer muito em breve”, aponta o chairman do grupo GCI Media, na opinião de quem se tem discutido menos Europa e mais Portugal, com os cabeça-de-lista “como que subjugados aos aparelhos que os sustentam”.
Sem dar notas, mas fazendo uma avaliação à prestação de Marta Temido e de Sebastião Bugalho, Bruno Batista começa por referir que estamos perante duas pessoas com perfis e idades diferentes. “Marta Temido (50 anos) tem um percurso político construído ao longo dos anos em que foi ministra da Saúde e que culminou na sua demissão, depois da sucessão de casos no SNS, particularmente nas urgências de obstetrícia”, caracteriza. Por outro lado, “Sebastião Bugalho, 28 anos, tem um percurso feito de anos a comentador, a analisar questões europeias e nacionais. Não é ex-nada ou ex-demissionário. Muito apontam a sua faixa etária como um handicap, mas não concordo. A classe política necessita (urgentemente) de ser renovada e Sebastião permite/traz essa frescura”, defende.
“O candidato que merece grande destaque e atenção pelo trabalho subterrâneo que diariamente realiza de forma magistral é o cabeça de lista de nome ‘abstenção’”
Também Maria Domingas Carvalhosa, CEO da Wisdom, aponta dois tipos de comunicação totalmente diferentes. “Marta Temido, tem experiência política e, como tal, estar em estúdio, e em debates, não é novo. Apresenta, no entanto, uma postura mais calma, não marcando tanto os debates como o seu adversário político”, começa por caracterizar. Por outro lado, ”Sebastião Bugalho é um profissional de televisão. Tudo está correto em termos de comunicação televisiva: a colocação da voz, a imagem, a postura, a preparação dos temas e dos debates”, aponta. No geral, qualifica, “têm ambos tido uma boa prestação”.
“Nas escolhas de PS e da AD está refletida a necessidade de ter alguém que seja capaz de comunicar para mobilizar. Ambos os candidatos estão habituados a isso e têm sido relativamente fiéis à forma como sempre comunicaram – e ao percurso que os trouxe até aqui”, avalia por seu turno o responsável da ALL Comunicação, acrescentando que Marta Temido parece ter um perfil mais formal e tem evitado confrontos diretos com os candidatos, enquanto Sebastião Bugalho tem tentado casar a irreverência com o domínio técnico dos temas.
Quanto a erros e pontos altos neste arranque de campanha, o ‘tom’ de Sebastião Bugalho é apontado por dois dos três profissionais de comunicação ouvidos pelo +M. “O maior erro de Sebastião Bugalho é não controlar a sua combatividade. Ela é salutar, em política, mas em excesso pode ser confundida com arrogância, o que não é positivo”, aponta Maria Domingas Carvalhosa. “O ‘erro’ será o facto de ainda não ter conseguido separar totalmente firmeza de agressividade. Ser firme no conteúdo não implica não ser cordial no tom. E julgo que o cabeça de lista da AD, que quer – mais do que ninguém – provar que é merecedor da confiança para encabeçar uma lista às europeias aos 28 anos, nem sempre encontra o tom certo – seja com jornalistas ou com adversários políticos”, completa José Pedro Mozos
“Ao contrário da AD, cuja votação dependerá muito da performance do Governo, no PS depende-se da atuação de Marta Temido para que o partido alcance um bom resultado. Falar muito sobre o atual projeto para a Europa, incluindo a possibilidade de António Costa poder vir ocupar o lugar de presidente do Conselho Europeu, e menos sobre a prestação do anterior Governo, é pois uma boa receita para o sucesso”
Quanto a Marta Temido, a CEO da Wisdom aponta “alguma falta de preparação relativamente a alguns temas”, mas mais no início dos debates, opinião na qual é acompanhada pelo head of public affairs da ALL Comunicação. “Ainda estamos para ver que importância têm, de facto, estes formatos para a decisão dos eleitores, mas o certo é que existem e que geram muita atenção mediática, pelo que uma boa primeira impressão teria sido certamente mais benéfica para a candidata, que apareceu nervosa, titubeante e pouco esclarecida”, caracteriza.
Bruno Batista atribuiu o mesmo principal erro aos dois candidatos: “uma Europa a braços com problemas tão sérios e graves como sejam o desemprego jovem, que continua alto em vários Estados-membros, o lento crescimento económico e uma enorme falta de investimento, a pressão migratória e os desafios em matéria ambiental e de segurança – neste ponto com a instabilidade bem à porta –, não oiço ou leio a opinião do cabeça de lista do PS ou da AD sobre estes temas estruturais. Não sei o que pensam os cabeça-de-lista dos dois ou dos oito partidos, por exemplo, em matéria de segurança”, dá como exemplo.
Como ponto alto, Bruno Batista destaca a disponibilidade de Sebastião Bugalho “quer para debater, quer para andar nas ruas, no contacto com o eleitor”.
“A juventude, a preparação e a inteligência” do candidato da AD e “a experiência e simpatia” da candidata do PS são os pontos altos apontados por Maria Domingas Carvalhosa aos dois candidatos.
Quanto aos próximos dias, com as campanhas na rua, o chairman do GCI Media Group diz desejar que as eleições na Madeira não sejam tema de campanha, e que os apoios ao ex-primeiro ministro António Costa para liderar a Comissão Europeia “não tirem o foco ao que verdadeiramente interessa”. “Por outras palavras, espero que nas próximas duas semanas se coloque na agenda temas verdadeiramente europeístas”, insiste o responsável.
A CEO da Wisdom acredita, por outro lado, que a campanha vai ser especial. “Por ser, que me lembre, a campanha para as Europeias em que mais se discutiu Europa, por ser um teste inicial aos primeiros meses de Governação de Luís Montenegro e porque nos vai mostrar a consistência do eleitorado do Chega”, descreve, dizendo que as eleições de 9 de junho serão realizadas “num contexto totalmente diferente do habitual”.
Para mobilizar os eleitores, “a AD tem de continuar a mostrar resultados na Governação e o seu principal candidato tem de manter uma boa performance junto ao eleitorado natural do centro e direita, ‘piscando o olho’ aos liberais e a algum eleitorado do Chega, o que me parece que é possível tendo em conta o perfil jovem de Sebastião Bugalho”. Por outro lado, a também presidente da APECOM aconselha Marta Temido a “contrapor a sua experiência política e governamental à inexperiência e juventude do candidato da AD”. No entanto, alerta, “deve estar bem preparada sobre os dossiês europeus já que Bugalho é altamente profissional na sua preparação”.
“Ao contrário da AD, cuja votação dependerá muito da performance do Governo, no PS depende-se da atuação de Marta Temido para que o partido alcance um bom resultado. Falar muito sobre o atual projeto para a Europa, incluindo a possibilidade de António Costa poder vir ocupar o lugar de presidente do Conselho Europeu, e menos sobre a prestação do anterior Governo, é pois uma boa receita para o sucesso”, aconselha.
José Pedro Mozos acredita que as duas candidaturas – quer pelo contexto político, quer pelos candidatos – vão apresentar abordagens diferentes nestas semanas de campanha. “Creio que a candidata socialista fará uma campanha dita ‘mais clássica’, com uma aposta no contacto de rua tradicional, mas também nos jantares-comício. Marta Temido parece ser uma política que gosta de se preparar, de estudar os temas e que não domina o improviso. Daí, creio eu, a escolha do PS por ter ações mais controladas”, antecipa.
A julgar pelas sondagens e tendo em conta a prestação dos candidatos, é digno de uma nota de realce o facto de o Chega, com Tânger Corrêa, estar tão bem posicionado. Um candidato de um outro partido que tivesse demonstrado a impreparação, a ligeireza e desinformação que o candidato do Chega demonstrou (e já por diversas vezes) estaria condenado à derrota.
Sebastião Bugalho, por seu lado, “gosta do confronto, do contacto, é bom a lidar com respostas rápidas e procurará mostrar isso na rua, no contacto com o eleitorado. É por isso que a AD irá andar mais na rua, aproveitando as mais-valias do contacto fácil do seu candidato com a imagem de mobilização que uma rua cheia sempre consegue emprestar a qualquer momento”, perspetiva o especialista em comunicação.
O head of public affairs acrescenta à discussão a participação dos líderes dos partidos na campanha, para distinguir o PS, que optou por ter o secretário-geral, Pedro Nuno Santos, todos os dias, ao contrário da AD, que disse que Luís Montenegro aparecerá na campanha, mas não a tempo inteiro. “Pelo que podemos antever, muitas vezes veremos o PS a comentar temas nacionais com uma moldura humana por trás, tentando mostrar e provocar a tal mobilização. Já a AD, aposta numa figura forte, fora da caixa e fora do partido – o que permitirá externalizar culpas ou méritos a quem convier”.
“Diria até que a AD tem pouco interesse em centrar demasiado esta campanha no primeiro-ministro. Primeiro, porque dá sempre uma imagem de trabalho, dizer que o primeiro-ministro tem de estar concentrado na governação do país. E depois, porque uma vitória tem dimensão suficiente para ser capitalizável por todos, mas uma derrota facilita um passar de culpas e a Montenegro não convém estar no meio desse circuito”, analisa.
Ainda como facto a destacar, deste arranque de campanha, José Pedro Mozos elege o partido de André Ventura. “A julgar pelas sondagens e tendo em conta a prestação dos candidatos, é digno de uma nota de realce o facto de o Chega, com Tânger Corrêa, estar tão bem posicionado. Um candidato de um outro partido que tivesse demonstrado a impreparação, a ligeireza e desinformação que o candidato do Chega demonstrou (e já por diversas vezes) estaria condenado à derrota”, destaca. “O tempo político agora é outro, as grelhas de análise que tradicionalmente usávamos não podem ser mais usadas e mesmo os factos e a informação não podem quase nada contra este tipo de candidaturas”, resume, acrescentando que se os resultados de dia 9 forem semelhantes aos das últimas sondagens, estaremos perante a prova de que “o Chega veio para ficar e que não se trata de um partido unipessoal – mas sim parte integrante e estrutural de uma nova realidade”.
Em comum, os três especialistas em comunicação apontam a separação entre os eleitores e a política europeia, tão determinante nos destinos do país. “Talvez falte literacia europeia para que todos – políticos, comunicação social e eleitores – possam olhar para este ato eleitoral com a importância devida e, em consequência, se sintam mais mobilizados para eleições europeias”, resume o responsável da ALL Comunicação. “O candidato que merece grande destaque e atenção pelo trabalho subterrâneo que diariamente realiza de forma magistral é o cabeça de lista de nome ‘abstenção’”, lamenta Bruno Batista.
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