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É necessária regulamentação global e descentralizada no uso da IA na produção de conteúdos

Rafael Ascensão,

A IA traz benefícios para a produção de conteúdos, mas também diversos desafios, pelo que existe a necessidade de apostar em regulamentação global e descentralizada, defendeu-se no encontro da APIT.

É necessária regulamentação descentralizada, a nível global, e com homogeneidade, no que diz respeito ao uso da inteligência artificial (IA) na produção de conteúdos, defendeu-se numa mesa redonda no Encontro de Produtores Independentes de Televisão, evento que visa refletir e debater os temas do audiovisual internacional e nacional.

O risco não é se ainda vamos criar ou não. É o que é que vai ser criado que torna irrelevante aquilo que o humano pode criar“, defendeu Manuel José Damásio, diretor do Departamento de Cinema e Comunicação Multimédia da Universidade Lusófona, na nona edição do evento organizado pela Associação de Produtores Independentes de Televisão (APIT). Segundo Manuel José Damásio, a IA vai permitir uma maior eficiência na produção de conteúdos, mas existe depois um “reverso da medalha”, em que a IA já consegue produzir conteúdos com uma “qualidade exatamente igual ao topo que se possa encontrar em termos profissionais”.

“E essa é que é a diferença, como é que aguentamos um mercado com uma pulverização de conteúdos que ninguém sabe de onde é que vêm“, disse, acrescentando que acredita que a solução passa pela regulamentação.

Eu acredito que é possível regulamentar esse mercado e a Europa tem sete ou oito meses para o fazer“, afirmou, apontando que o grande desafio é encontrar regulamentação de forma descentralizada.

Paulo Santos, diretor geral da GEDIPE (Associação para a Gestão De Direitos De Autor, Produtores E Editores Cinematográficos e Audiovisuais), também defende que a IA traz “desafios enormes”, para os quais a única solução passa por regulamentar e tentar minimizar os efeitos perversos que a IA possa ter.

Tem de haver um conjunto de regulamentação, mas acima de tudo convinha existir alguma homogeneidade em termos globais, porque o que se passa na rede é global, não há territórios“, disse, referindo que, neste âmbito, a Europa está “na linha da frente”.

O diretor geral da GEDIPE abordou ainda a questão dos direitos de autor, apontando desde logo que uma máquina não pode ser alvo de proteção de diretos de autor, por não ter individualidade e que a IA é de tal maneira disruptiva que utiliza obras sem as utilizar.

“A máquina é burra”, pois vai buscar informações que já existem para construir o seu conteúdo, com base nos inputs que lhe são dados, apontou, referindo que tal passa por uma utilização de direitos de terceiros, sem que seja pedida autorização, pelo que que tem de ser encontrada uma solução compensatória.

Temos de encontrar aqui uma solução compensatória, onde estas entidades que são multinacionais altamente rentáveis têm de encontrar um sistema de compensação para os autores. E isto são coisas que temos de pensar muito bem, porque isto é muito bom, tem grandes virtudes, mas no final do dia pode ter efeitos perversos, e é a isso que temos de estar atentos“, afirmou.

Já Bruno Gaminha, diretor do departamento de distribuição da GDA (Gestão dos Direitos dos Artistas), ressalvou o papel que a escolha humana tem a desempenhar, pois “aquilo que será a história da implementação deste tipo de sistema dependerá também das escolhas que nós fizermos”.

Segundo Gaminha, estes sistemas tanto permitem aumentar a criatividade e valorizar o trabalho e o papel do ser humano, “como também se forem implementadas e pensadas de forma diferente permitem substituir ou desvalorizar. E isto é um campo que está em aberto”.

Para o diretor do departamento de distribuição da GDA, a forma como a sociedade se vai adaptar vai ser a resposta. “Enquanto sociedade, temos muito mais poder sobre o que será a evolução destas ferramentas do que às vezes assumimos, temos é de ter esta discussão de forma muito séria”, afirmou.

O diretor da GFK Metris, por seu turno, defendeu que muito do que se faz no campo da IA não é do conhecimento comum, até porque a “parte mais agressiva” do desenvolvimento que está a ser feito na IA não é trabalhada em regime aberto, mas sim de uma forma interna, fechada e “mais customizada”. Segundo António Gomes, “a indústria da IA está a bater à porta de todas as indústrias”, pelo que muitas empresas já têm as suas próprias ferramentas internas, em modelos fechados.

Manuel José Damásio defendeu que a IA é também uma tecnologia que “surge dentro de grandes multinacionais, numa lógica completamente concêntrica e com uma capacidade de desenvolvimento que nunca tivemos nada similar“. Esta é assim a “parte do pânico” em relação a este tema, onde se pensa que “vai ser uma desgraça total, com um número elevadíssimo de desinformação e de destruição de empregos”.

Mas há também uma “parte boa”, que “está na rapidez de se conseguir treinar modelos rapidamente, e de conseguirmos trabalhar sobre o conteúdo existente“, defendeu, fazendo menção a uma “idade de ouro dos arquivistas“, pois “quem controlar tudo o que seja conteúdo interpolado tem provavelmente modelos de negócio muito interessantes”, defendeu o diretor do Departamento de Cinema e Comunicação Multimédia da Universidade Lusófona.

Já Vasco Monteiro considera que ainda não se está no ponto de pânico mas que se está “mais como a avestruz”, com a cabeça enterrada na areia. Segundo o vice-presidente da APAD (Associação Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos), ainda não se percebeu bem como se pode trabalhar com a IA, entendendo que esta vai ser integrada “de alguma maneira” no trabalho criativo, embora na escrita seja “muito difícil” substituir por completo o lado humano.

No entanto, em alguns casos – como no uso de drones – a IA já é treinada para tomar decisões sem precisar de humanos, lembrou António Gomes, sublinhando que é importante serem traçados limites. Um destes limites, defendeu, pode passar por se definir se deve ou não ser aceitável a geração de conteúdos sem interação humana, avançou.

Vasco Monteiro rebateu esta ideia, argumentando que “pode ser perigoso pensar que o humano pode ser retirado por completo da equação” e que terá sempre de haver alguma intervenção humana. Segundo o responsável da APAD, é provável que um argumento possa ser apenas escrito por IA num futuro próximo, mas terá sempre de haver alguém para lhe dar o input, sendo que essa pessoa é que será considerada o autor.

A ideia de que uma máquina pode sonhar um argumento do nada, não existe. A arte é muitas vezes confrontarmo-nos com coisas que intuímos e que não racionalizámos ainda“, disse.

Já quanto à utilização da inteligência artificial para prever gostos e tendências, Bruno Gaminha defendeu que leva a uma “enorme pressão da homogenização” dos conteúdos.

António Gomes concordou com a ideia de que esta tecnologia vai contribuir para “cimentar o mainstream“, mas que também vai ser capaz de ditar “tendências”, ao analisar de uma forma histórica e cíclica como surgem as tendência e conseguir conseguir prever quando algumas destas tendências vão voltar.

O responsável da GFK, referindo que os “predictive modeling” têm como objetivo prolongar o consumo, ressalvou ainda que os grandes investimentos nestes modelos são feitos por indústrias que têm de prever consumos a nível do comércio e não tanto relacionados com a criatividade, exemplificando com marcas eletrónicas que têm de antecipar as compras de televisões que vão ser feitas em lojas tendo em conta a aproximação do Euro 2024, por exemplo.

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