Cristina Dias ou Alexandra Reis. Qual o caso mais grave?

Duas indemnizações polémicas a envolver duas ex-gestoras públicas. Há contornos semelhantes, mas também várias diferenças.

Depois da polémica indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis, agora é o valor recebido pela atual secretária de Estado da Mobilidade para se desvincular da CP que agita a política nacional. Um serviu para a oposição atacar o Governo socialista, agora é o Executivo da Aliança Democrática o visado.

É a própria secretária de Estado da Mobilidade a fazer a comparação entre o seu caso e da antiga administradora executiva da companhia aérea de bandeira. Na audição desta terça-feira na Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação do Parlamento, Cristina Dias defendeu-se dizendo: “não saí de uma empresa pública para ir para uma empresa pública. Não saí da CP para ir para a TAP, não saí da TAP para ir para a NAV“.

Politicamente, a discussão já passou para o grau de gravidade de cada um dos casos. O PSD diz que o de Alexandra Reis, que levou à demissão de governantes, a uma comissão de inquérito e a “bicicletas atiradas contra vidros e pugilato dentro de um ministério” não tem comparação com o da secretária de Estado da Mobilidade.

“Este caso envolve montantes diferentes, mas tem uma gravidade maior porque aqui há uma falta de transparência e uma ‘via verde’ para atribuição de uma indemnização e um favorecimento da senhora secretária de Estado”, afirmou esta terça-feira Pedro Coimbra, deputado do PS, em declarações após a audição.

Carlos Guimarães Pinto, deputado do Iniciativa Liberal, também apontou diferenças. “No caso de Alexandra Reis havia um conflito com a CEO que queria que ela saísse. Neste caso nem isso. A administração da CP não a tinha [Cristina Dias] como uma pessoa incompetente, tinha-a como pessoa competente, que podia contribuir para a CP e mesmo assim saiu com uma indemnização por mútuo acordo”.

Qual o mais grave? O ECO recupera os contornos de cada caso.

De quem partiu a iniciativa de sair?

A saída de Cristina Dias da CP em 2015 aconteceu por vontade da própria, para abraçar um novo desafio profissional como membro da primeira administração da Autoridade da Mobilidade e Transportes (AMT). Ou seja, foi uma saída voluntária. A agora secretária de Estado não informou o conselho de administração de que deixava a empresa para ir para a AMT. “Não foi perguntado a mim nem aos 420 pessoas que saíram da CP o que ia fazer a seguir. Não era importante”, disse no Parlamento.

Já Alexandra Reis foi empurrada pela anterior CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener. A discordância em vários temas da companhia aérea criou uma incompatibilidade entre ambas. Na comissão parlamentar de inquérito da TAP, a gestora francesa assumiu que disse ao ministério das Infraestruturas, então liderado por Pedro Nuno Santos, que queria alguém com um perfil diferente para a equipa executiva. O ministro anuiu.

Há outra diferença. Alexandra Reis não saiu diretamente para outro cargo, mas cerca de cinco meses após deixar a TAP ingressou na NAV Portugal. Em dezembro de 2022 saiu da empresa pública de navegação aérea para assumir a secretaria de Estado do Tesouro.

Rescisão por mútuo acordo

Nos dois casos, as saídas aconteceram por mútuo acordo entre as partes. A saída de Alexandra Reis tem, no entanto, uma importante nuance: na altura foi comunicada ao mercado como uma renúncia da administradora, fazendo crer que não teria havido qualquer indemnização.

Mais tarde, a CMVM obrigou a TAP a corrigir o comunicado enviado ao mercado para dizer que a saída “ocorreu na sequência de um processo negocial de iniciativa da TAP, no sentido de ser consensualizada por acordo a cessação de todos os vínculos contratuais existentes entre Alexandra Reis e a TAP”. O supervisor abriu um processo de contraordenação por prestação de informação não verdadeira, que resultou na aplicação de uma coima de 50 mil euros à companhia.

O montante da indemnização

Alexandra Reis recebeu da TAP uma indemnização de 500 mil euros brutos, que haveria de ser substancialmente encurtada pela Inspeção-Geral de Finanças que obrigou a antiga gestora a devolver 266,4 mil euros, contabilizando apenas o montante devido pelos anos em que esteve ao serviço da TAP.

Cristina Dias teve direito a uma indemnização de 79.087 euros. Outro ponto que tem sido apontado é o vencimento muito superior que foi auferir na Autoridade da Mobilidade e Transportes (AMT). Segundo noticiou o Público, a atual secretária de Estado foi receber na administração da AMT um salário e despesas de representação na ordem dos 13.440 euros por mês, quase o dobro dos cerca de sete mil euros que auferia como vice-presidente da CP.

Como foi atribuída a indemnização?

O valor pago pela TAP a Alexandra Reis resultou de um processo negocial entre os advogados de ambas as partes: a Morais Leitão da parte da gestora e a SRS Legal pela companhia aérea. A antiga administradora executiva começou por pedir uma indemnização de 1.479.250 euros, que acabaria por ser fixada em 500 mil euros. Montante que Pedro Nuno Santos autorizou na célebre mensagem de WhatsApp enviada ao seu secretário de Estado.

Já Cristina Dias recebeu a indemnização ao abrigo do programa de saídas voluntárias então em vigor na CP, que abrangeu cerca de 420 trabalhadores. “Não houve negociação, não houve regatear. O valor [da indemnização] decorre de uma tabela de Excel que existia desde 2010 e o cálculo foi automático”, garantiu a secretária de Estado no Parlamento.

A governante argumentou no Parlamento que “abdicou de um emprego seguro e de uma carreira na CP de 18 anos para um mandato único e irrepetível numa entidade reguladora”, sem possibilidade de voltar.

Cristina Dias rescindiu com a CP no mesmo dia em que foi nomeada para a administração da AMT. A indemnização foi aprovada pelo conselho de administração dias depois.

E é legal ou ilegal?

A indemnização atribuída pela TAP a Alexandra Reis foi considerada ilegal pela Inspeção-Geral de Finanças por não cumprir o Estatuto do Gestor Público, que não prevê o pagamento de indemnização em caso de renúncia.

No caso de Cristina Dias não há indicação de que o pagamento tenha sido ilegal. O PS defendeu na Comissão de Economia e Obras Públicas que, segundo as regras da CP, a indemnização teria de ser precedida de um parecer a indicar que se tratava de um lugar que não seria substituído, o que não aconteceu. A secretária de Estado da Mobilidade rejeitou que fosse necessário qualquer parecer.

Mais do que dúvidas sobre a legalidade, a oposição questiona a moralidade e ética de Cristina Dias ao receber uma indemnização, tratando-se de uma saída voluntária e tendo já um lugar para onde ir. “Acha que é ético e moral um alto gestor público pedir indemnização por mudar para um lugar por sua vontade, com remuneração muito superior à que tinha, paga pelos contribuintes”, questionou Filipe Melo, do Chega, no Parlamento.

Que consequências tiveram cada caso?

A indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis numa altura em que a TAP atravessava uma forte austeridade, com cortes de salários e despedimentos, acabaria por ter implicações políticas significativas. Custou o cargo à CEO da companhia, Christine Ourmières-Widener, ao chairman, Manuel Beja, ao secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, ao ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e há própria Alexandra Reis, que ocupava a secretaria de Estado do Tesouro há menos de um mês. O caso levou ainda à constituição de uma comissão parlamentar e inquérito.

No caso de Cristina Dias não existem demissões, mas o PS já sugeriu a saída da secretária de Estado. “Penso que é o momento certo para a senhora secretário de Estado, para o senhor ministro e para o Governo por inteiro, inclusive o primeiro-ministro, avaliarem se há condições para a senhora secretária de Estado se manter em funções, para se manter a gerir dinheiros públicos, e se podemos confiar na transparência, ética e moral da senhora secretária de Estado”, afirmou na terça-feira o deputado Pedro Coimbra.

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