Convenção democrata vai coroar Kamala Harris

  • Joana Abrantes Gomes
  • 18 Agosto 2024

A menos de três meses das eleições, os democratas estão em ligeira vantagem após “renovarem” os candidatos. Com Biden, a derrota era certa, agora, sabem apenas que podem ganhar uma corrida renhida.

Até há quatro semanas, a Convenção Nacional Democrata deveria terminar com a confirmação de Joe Biden como (re)candidato à Casa Branca, apesar das sondagens o apontarem como o derrotado nas urnas em 5 de novembro. Mas um mês imprevisível, em que o republicano Donald Trump foi atingido a tiro num comício e, dias depois, o Presidente em exercício dos EUA desistiu da corrida, faz com que Biden, na noite desta segunda-feira, suba ao palco do United Center de Chicago apenas para fazer o discurso de abertura da cerimónia que irá oficializar Kamala Harris e o seu running mate Tim Walz como a dupla do ticket dos democratas às presidenciais. E, agora, os democratas sabem que podem ganhar.

Pelo menos, é isso que indicam as sondagens nacionais. “Kamala Harris está a ter melhores percentagens do que Joe Biden até desistir da corrida no mês passado“, assinala James M. Lindsay, analista do Council on Foreign Relations (CFR), ao ECO. A plataforma RealClear, que calcula a média de 11 empresas de sondagens, mostra neste momento a atual vice-presidente à frente de Trump por um ponto percentual (47,9% versus 46,9%). Antes de Biden “passar a pasta” à sua número dois, o candidato republicano liderava por pouco mais de três pontos percentuais.

A candidata democrata à presidência, Kamala Harris, acena à multidão enquanto sobe ao palco durante um comício com o seu parceiro de corrida, o governador do Minnesota, Tim Walz, no Thomas and Mack Center da Universidade de Nevada Las Vegas, em 10 de agosto de 2024.EPA/BIZUAYEHU TESFAYE

A percentagem de Kamala Harris está, no entanto, muito abaixo dos números de Joe Biden há quatro anos, quando este encabeçava as sondagens contra Trump por quase sete pontos percentuais nesta fase da corrida. Apesar do momento favorável aos democratas e de a candidatura do partido estar a ter um bom desempenho nos swing states, “o facto de Harris estar atrás da posição de Biden em 2020 sugere que ainda precisa de recuperar terreno”, escreveu o também vice-presidente sénior do think tank, numa análise publicada no site do CFR na semana passada.

Com a convenção que arranca amanhã em Chicago, o ímpeto em torno de Harris e Walz nas sondagens deverá manter-se. É costume, aliás, ver uma subida nas intenções de voto no partido que acabou de realizar a sua cerimónia de “coroação” dos candidatos à Casa Branca – um cenário que se verificou após a Convenção Nacional Republicana, em meados de julho, e que beneficiava também do ataque contra Trump, ocorrido dois dias antes.

Mas, “neste momento, as sondagens não significam grande coisa“, aponta Vasco Rato. Em declarações ao ECO, o ex-presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) entre 2014 e 2020 considera que, com Joe Biden, a corrida estava perdida para os democratas – inclusive, provavelmente, no Senado e na Câmara dos Representantes. A sua desistência significa apenas que “uma derrota certa passou a ser uma possibilidade de vitória“. Ou seja, o Partido Democrata “não sabe se ganha, mas sabe que pode ganhar”.

Um partido preocupado e desmobilizado transformou-se, assim, em eleitorado tendencialmente democrata unido e entusiasmado no apoio a Kamala Harris – incluindo afro-americanos e latinos junto de quem, segundo algumas sondagens, Trump recolhia até 20% das intenções de votos. “O facto de ser mais jovem e de ser vista como mais enérgica ajuda-a junto dos democratas e dos norte-americanos que não quiseram votar em Biden ou no antigo presidente Donald Trump”, além de também beneficiar da “suposição que alguns, ou talvez muitos, eleitores democratas e independentes possam ter de que ela não fará as coisas de que não gostaram no mandato de Biden”, justifica James M. Lindsay.

O que está a acontecer agora é que o Partido Democrata não sabe se ganha, mas sabe que pode ganhar. Portanto, uma derrota certa passou a ser uma possibilidade de uma vitória.

Vasco Rato

Ex-presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD)

Isto evidencia, segundo Vasco Rato, que o aumento das intenções de voto na dupla Harris/Walz “não se deve necessariamente à conquista de novos eleitores, mas de eleitores do Partido Democrata que mais uma vez estão mobilizados e que dizem, nos inquéritos, que vão votar, enquanto antigamente diziam ‘não estou para isso'”. Acresce que o que conta são os votos dos 538 grandes eleitores do Colégio Eleitoral e não os votos a nível nacional – Donald Trump venceu Hillary Clinton em 2016 por ter conquistado a maioria dos votos no Colégio Eleitoral, embora não tenha recebido o maior número de votos da população.

As eleições norte-americanas jogam-se, essencialmente, nos seis swing states, assim chamados por serem estados que tendem a mudar de partido a cada eleição, tidos por isso como determinantes para o resultado eleitoral. São eles o Wisconsin, o Michigan e a Pensilvânia, no norte do Estados Unidos, e a Georgia, o Nevada e o Arizona, no sul do país, onde Kamala Harris e Donald Trump têm surgido empatados nas sondagens e, em alguns casos, com a democrata ligeiramente à frente do republicano, mas sempre dentro da margem de erro. No seu conjunto, os seis estados têm 77 grandes eleitores no Colégio Eleitoral.

Para Vasco Rato, que é também doutorado em Ciência Política pela Universidade de Georgetown, em Washington, só vale a pena olhar para as sondagens a partir do debate entre os dois candidatos à Casa Branca, agendado para 10 de setembro. Por agora, e mesmo no início do próximo mês, ainda se viverá “uma espécie de bolha em volta do entusiasmo” com a candidatura dos democratas. Contudo, Kamala Harris ainda não deu qualquer entrevista, pelo que “o escrutínio vai começar após o debate”, acrescenta.

Numa altura em que a campanha continua a ser dominada pelas personalidades que estão na corrida e não pelas suas propostas políticas, “Trump, obviamente, vai tentar encostar Kamala Harris à parede” no primeiro frente a frente entre ambos, antecipa o ex-presidente da FLAD ao ECO, notando também que os democratas ainda não apresentaram qualquer medida e as que estão a ser avançadas informalmente são “contraditórias” com o que a atual vice-presidente dos EUA advogou no passado.

Quer Vasco Rato, quer James M. Lindsay concordam que a única certeza, neste momento, é que as eleições de 5 de novembro serão renhidas, à semelhança do passado recente. “Quem ganhar, ganhará por pouco”, resume o professor português.

Democratas temem repetição de violência de 1968

A 7 de agosto, Kamala Harris foi interrompida por manifestantes pró-palestinianos quando falava num comício em Detroit, no estado de Michigan. Um cenário que se repetiu dias depois, desta vez num comício em Glendale, no Arizona. Agora, os democratas receiam que a convenção que arranca amanhã na cidade mais populosa do Illinois “possa ser perturbada por protestos, na rua ou no interior, sobre o apoio dos EUA” a Israel, explica o analista do CFR.

Localizada no centro do Midwest, Chicago tem sido vista como um oásis democrata numa região de zonas rurais, com população mais conservadora e menos instruída em relação ao resto do país, e que em 2016 foi crucial para a vitória de Donald Trump. Sob a Convenção Nacional Democrata que ali decorre até quinta-feira, 22 de agosto, pairam os protestos da convenção de 1968, que culminaram em dias de violência num ano marcado pelo assassinato de Martin Luther King Jr..

Vasco Rato antevê que, na “encenação” em que os democratas vão tentar transmitir a ideia de união em torno da candidatura de Kamala Harris, “a única questão que pode criar alguma perturbação é o que a ala esquerda do partido vai fazer, nomeadamente, aquelas pessoas que se têm manifestado em prol dos palestinianos”. “Teme-se o sintoma de 1968 (…), é o pior que pode acontecer“, sublinha.

Os democratas receiam que a convenção possa ser perturbada por protestos, na rua ou na sala de convenções, sobre o apoio dos EUA a Gaza.

James M. Lindsay

Analista e vice-presidente sénior do Council on Foreign Relations

Além do discurso inaugural de Joe Biden, estão programados discursar a ex-secretária de Estado e antiga candidata presidencial Hillary Clinton e os ex-presidentes Bill Clinton e Barack Obama. A noite de quarta-feira será dedicada à escolha do candidato a vice-presidente, o governador do Minnesota, Tim Walz. A convenção culminará com o discurso de aceitação de Harris, na quinta-feira.

A atual vice-presidente dos Estados Unidos já garantiu a nomeação oficial pelos democratas, após uma votação virtual que decorreu no início de agosto e reuniu o voto da quase totalidade dos delegados. A antecipação desta “consagração” foi por forma a garantir que Kamala Harris cumpria os requisitos necessários em todos os 50 estados norte-americanos para aparecer no boletim de voto.

Por isso, independentemente do que aconteça no exterior do United Center de Chicago, a votação nominal na Convenção Nacional Democrata será mais simbólica do que substantiva.

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