Inapa. Administrador judicial decide se há insolvência “culposa” que pode responsabilizar gestão
Assembleia de credores da Inapa decide esta sexta-feira o destino da histórica distribuidora de papel portuguesa. Há duas propostas de compra por ativos da holding superiores a 20 milhões de euros.
A assembleia de credores da Inapa decide esta sexta-feira o destino da histórica distribuidora de papel portuguesa, que se apresentou à insolvência a 29 de julho, com duas propostas de compra por ativos da holding superiores a 20 milhões de euros. Um valor que supera largamente os 12 milhões de euros de que precisava para evitar a falência da empresa na Alemanha e, consequentemente, em Portugal. Algo que está a levar os investidores a atirar, mais uma vez, a responsabilidade pelo colapso do grupo para a anterior gestão, que poderia ter avançado com a venda antes da falência, salvaguardando a empresa e os investidores. Cabe agora ao administrador de insolvência avaliar se a insolvência foi “culposa” e agir judicialmente contra a gestão.
O anúncio da falência da Inapa, a um domingo, surpreendeu o mercado. Foi através de um comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) — e já depois de as ações terem sido suspensas a 11 de julho até a empresa revelar que iria adiar o reembolso de uma linha de obrigações — que a Inapa comunicou que o colapso na Alemanha era inevitável, uma vez que não conseguiu aprovação da Parpública, o seu maior acionista, para uma injeção de emergência de 12 milhões de euros, o teria repercussão na atividade da holding, puxando-a também para a falência.
Os contornos do desfecho foram sendo revelados nas semanas seguintes, com a anterior gestão liderada por Frederico Lupi a atirar responsabilidades à Parpública, a quem pedia desde 2020 que participasse num plano de recapitalização da empresa, tendo feito “mais de 50 contactos” com o maior acionista entre 2020 e 2023. Conhecidas foram também as negociações com potenciais interessados na empresa, nomeadamente pelo negócio em França e Portugal.
Os japoneses da Japan Pulp and Paper, que formalizaram esta semana uma oferta de 25 milhões de euros pela Inapa França, admitindo ainda incluir as operações em Portugal na oferta, esteve a negociar com a gestão da Inapa a aquisição do grupo na semana anterior ao fatídico fim de semana do anúncio da falência. E existiam potenciais compradores para a operação de packaging em França — a assembleia de credores vai ainda discutir outra oferta de 20 milhões de euros da Next Pack pela Inapa Packaging. Ofertas que acabaram por não se materializar, mas que, segundo uma associação de pequenos investidores, confirma que a empresa era viável e a insolvência poderia ter sido evitada.
“A Inapa França poderia ter sido vendida, cobrindo a injeção de 12 milhões de euros que era precisa”, atira Octávio Viana. Para o presidente da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (ATM), estas ofertas confirmam que “houve hipóteses de evitar esta insolvência e só não houve porque a gestão não quis“. Diz que a gestão “não foi diligente” e deveria, no mínimo, ter “posto à consideração dos acionistas” as possibilidades em cima da mesa para o futuro da empresa. A Nova Expressão, que detém 10,85% da empresa, chegou a pedir uma Assembleia Geral, mas que acabou por ser retirada após a entrada do processo.
Octávio Viana realça que, “perante estas evidências” estava na mão da gestão, pelo menos, colocar essa informação à disposição dos acionistas”, atestando que o administrador de insolvência da Inapa tem “legitimidade para intentar contra a gestão”. “A gestão falhou em tudo”, acusa.
Ao contrário de outros grandes acionistas, como a Parpública (44,89%), a Nova Expressão (10,85%) e o Novobanco (6,55%), que reuniram com a administração para discutir uma solução para a empresa conseguir o financiamento de 12 milhões de que precisava para evitar o colapso na Alemanha, com repercussão na atividade em Portugal, a Carisvalor, apesar de ter uma posição de quase 5% no capital, bem como outros pequenos acionistas, desconhecia os problemas da empresa. “Não tinha informação. Devia ter sido feita uma AG e propostos caminhos que envolvessem todos os acionistas”, aponta o representante da sociedade, que está a processar individualmente todos os membros da antiga administração e, numa ação popular, a PwC, por não ter colocado reservas à informação divulgada pela empresa.
No relatório e contas relativo ao exercício de 2023, a gestão garantia a continuidade das operações, assegurando que “a administração concluiu que a empresa dispõe de recursos adequados para manter as atividades, não havendo intenção de cessar as atividades no curto prazo, pelo que considerou adequado o uso o pressuposto da continuidade das operações na preparação das demonstrações financeiras.” O documento garantia ainda que existia liquidez suficiente para assegurar a continuidade nos próximos 12 meses. Um relatório que foi aprovado sem reservas pelo auditor.
Durante o processo de insolvência, o administrador de insolvência tem legitimidade para propor ações de responsabilidade civil contra os antigos administradores.
Com o processo da Inapa agora em mãos, o administrador Bruno Costa Pereira poderá averiguar se houve gestão culposa. “Durante o processo de insolvência, o administrador de insolvência tem legitimidade para propor ações de responsabilidade civil contra os antigos administradores”, explica José Costa Pinto. Segundo o sócio fundador da Costa Pinto Advogados “existe ainda a possibilidade de o administrador de insolvência requerer a qualificação da insolvência como “culposa”, o que depende sempre dos fatos apurados em concreto, e terá consequências pessoais para os antigos administradores, como sejam a possível inabilitação para exercer cargos de administração ou direção em empresas por determinado período, a responsabilização pessoal pelas dívidas aos credores da sociedade ou mesmo a aplicação de sanções penais em caso de se provar a prática de quaisquer crimes, como fraude ou falsificação de contas”.
Segundo o jurista, “a atuação dos administradores está vinculada a deveres de cuidado e lealdade na gestão das sociedades, deveres esses que são concretizados na factualidade concreta de cada caso”. “Estes deveres orientam a atuação dos administradores. É fundamental avaliar se neste caso concreto houve falhas por parte dos administradores, seja por ação ou omissão, no que respeita à qualidade e à veracidade da informação que partilharam com os acionistas, com o regulador e com os interessados em geral“. E existindo situações de omissão de prestação de informações ou divulgação de informações incorretas ou mesmo falsas, “tais ações podem resultar na responsabilidade pessoal dos administradores”, completa.
Investidores “vão receber zero”
Na assembleia de credores agendada para esta sexta-feira será decidida a sorte da empresa, nomeadamente se a companhia é liquidada e os seus ativos vendidos, ou se segue para PER (Processo Especial de Revitalização). Num caso ou no outro, Octávio Viana alerta que para os investidores o mais certo é não recuperarem nada dos seus investimentos.
Mesmo que se vá para PER, a probabilidade de [os investidores] recuperarem uma parte que seja dos investimentos é muito diminuta.
“Mesmo que se vá para PER, a probabilidade de [os investidores] recuperarem uma parte que seja dos investimentos é muito diminuta”, avisa. “Os acionistas não vão recuperar absolutamente nada. Nem há garantia que os credores recebam nada”, reforça o representante da associação de pequenos investidores.
Num processo de insolvência, os pequenos investidores, que detêm 37,7% da empresa, são os últimos a receber. Em primeiro lugar está o próprio Estado e os trabalhadores, seguindo-se os detentores de dívida sénior, subordinada, as ações preferenciais e, em último, as ações ordinárias. Uma vez iniciado o processo de insolvência, o próximo passo será a liquidação do património da empresa e a repartição do produto obtido pelos credores, processo este que poderá demorar, por lei, até três anos.
Do BES à Papelaria Fernandes
Apesar de esta falência ser mais mediatizada, este não é um caso único na bolsa portuguesa. Têm sido vários os casos em que os investidores nacionais são confrontados com situações em que veem as suas posições reduzidas a zero. Além do colapso do Grupo BES, no verão de 2014, com repercussões na Portugal Telecom, há várias outras empresas na bolsa que estiveram envolvidas em processos criminosos ou em que houve responsabilidade da gestão.
Desde logo na banca, nomes como o BPP ou o BPN são exemplos disso mesmo. Entre as mais pequenas, casos como a Orey Antunes ou a Papelaria Fernandes, em 2009, também terminaram com processos de insolvência.
Octávio Viana destaca, porém, que hoje “há regras mais pesadas, até sobre os auditores”, que estão agora sobre a alçada da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Em relação ao caso concreto da Inapa, o supervisor do mercado de capitais não confirma nem desmente que esteja a desenvolver qualquer ação de investigação à PwC no âmbito do seu papel enquanto auditor das contas da Inapa, que recentemente abriu falência.
Sem mencionar qualquer situação específica, José Miguel Almeida, administrador da CMVM, referiu apenas que o regulador “não pode ficar indiferente” face a situações de “grande impacto” no mercado.
“A Inapa, como qualquer sociedade cotada, tem o dever de regularmente apresentar um conjunto de informação à entidade reguladora, que no caso é a Comissão de Mercado dos Valores Imobiliários, e essa informação, obviamente, tem de ser uma informação atual, tem de refletir exatamente a situação concreta da empresa de forma transparente e credível”, explica José Costa Pina. “O que a CMVM pode fazer é aumentar o grau de monitorização da sociedade, pedindo informações, verificando o cumprimento dos prazos de envio de informação que estão previstos na lei”, acrescenta.
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