BRANDS' ECO Timur Turlov: “Gastamos pelo menos mais 20 milhões de euros por ano só por estarmos no NASDAQ”

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  • 29 Outubro 2024

Cotação no segundo maior mercado de valores do mundo abriu as portas à expansão da fintech com origem no Cazaquistão e sede no Chipre.

Na semana em que celebra o quinto aniversário da cotação no NASDAQ, a maior bolsa de valores de tecnologia do mundo, Timur Turlov aproveitou a participação no 15º Fórum Económico de Limassol, no Chipre, para fazer um balanço da evolução do negócio da Freedom Holding Corp., que fundou em 2008. A aventura empresarial da fintech que cresceu a partir do Cazaquistão, ganhou credibilidade e notoriedade depois do IPO (Initial Public Offering) em Nova Iorque. Atualmente, a empresa vale 6.000 milhões de dólares, muito acima dos 874 milhões, em 2019, e as receitas cresceram dos 74 milhões para 1,64 mil milhões.

Para o CEO, a presença no NASDAQ é a sua maior conquista profissional, e um selo de qualidade e de credibilidade perante os clientes a nível global. Timur Turlov falou ainda sobre o mercado português que, acredita, tem um grande potencial de crescimento, sendo também um dos locais preferenciais para a Freedom Holding Corp. obter uma licença bancária e adquirir um banco. O fundador acredita que, em 2025, a companhia possa dar alguns passos na direção desse objetivo.

Atualmente, a Freedom 24, o braço europeu da Freedom Holding Corp., tem cerca de 300 mil clientes na Europa, 10% dos quais na Península Ibérica, mas o objetivo é crescer através da oferta de um portfólio mais alargado de serviços financeiros, não só de corretagem, mas também de retalho de crédito.

A Freedom 24 anuncia um retorno financeiro de 6,4% num dos seus produtos, ou seja, muito acima da remuneração comum na Europa. É uma taxa garantida?

Nos últimos anos, vivemos um contexto de baixa rentabilidade, menos de 1%, para a maioria dos produtos de depósito. Isto significa que as pessoas procuram produtos que lhes ofereçam maior rentabilidade e, por isso, disponibilizamos uma alternativa com taxas muito superiores. São produtos com base em taxas SOFR (Secured Overnight Financing Rate) – taxa de juro publicada pelo Federal Reserve Bank de Nova Iorque, usada para empréstimos garantidos emitidos em dólares americanos, com prazo de um dia –, que permitem investir apenas por alguns dias e conseguir rentabilidade superior. Se aplicar o dinheiro mais tempo vai conseguir taxas de 4%, por exemplo. A doze meses pode rentabilizar mais ainda e chegar aos 6%.

Os portugueses são conhecidos por ter perfis de investimento mais conservadores. Mesmo assim, há procura por estes produtos?

Ainda temos um mercado muito pequeno em Portugal – menos de 1% de penetração – e, por isso, acho que estamos a atrair investidores mais abertos ao risco. Mas, muitos clientes portugueses fazem negócio em mercados europeus e dos Estados Unidos, e demonstram muito interesse em portfólios diversificados. Eles gostam de tecnologia, estão à vontade para trabalhar com uma corretora totalmente online, e apostam muito em ações ‘blue chip’ no mercado americano como, por exemplo, Nvidia, Tesla, Apple, Microsoft, Amazon, etc. Mas também verificamos interesse em depósitos nos Estados Unidos pois conseguem taxas de juro remuneratórias mais elevadas. Mas, claro, isso é um nicho e não é a parte mais conservadora da sociedade portuguesa, com certeza.

“O ambiente financeiro português é interessante, e vemos muitas oportunidades no mercado porque em Portugal ainda há muito espaço para crescer e para melhorar no setor bancário”

Mas, ainda em relação aos produtos com taxas SOFR, os clientes são informados de que são aplicações não garantidas pelo Fundo de Garantia de Depósitos Bancários, com proteção até 100 mil euros?

Nós divulgamos essa informação. Estes investimentos estão protegidos até 20 mil euros, menos do que num seguro de depósito bancário, através do regulador do Chipre (CYSEC).

E esta proteção é apenas no Chipre ou também noutros países?

Esta proteção beneficia qualquer cliente. Pode ser um cliente português que é cliente da nossa corretora com sede no Chipre. O Chipre tem um fundo especial como jurisdição, e todos os brokers registados no país beneficiam da proteção desse fundo de 20 mil euros, aplicável a qualquer estrangeiro, qualquer cliente, dentro ou fora da União Europeia, que lide com esse broker. Noutros países não sei como funciona essa regulação para as corretoras.

O ano passado mostrou interesse em conseguir uma licença bancária em Portugal e na possibilidade de comprar um banco local. Mantém esse objetivo?

Infelizmente, ainda não temos nada de concreto, por isso nem sequer iniciámos o processo. Mas não abandonei a ideia de fazê-lo em Portugal, ou noutro país da Europa. Tentaremos novamente, durante o próximo ano, avaliar diferentes oportunidades em vários mercados, e o português é um dos preferidos, mas sabemos que não será fácil.

Se encontrarmos o alvo certo, chegarmos a acordo sobre o preço, e recebermos algum conforto das entidades reguladoras, ainda assim levará muito tempo até podermos anunciar a transação. Iniciaremos as nossas consultas com as entidades reguladoras, uma vez que, normalmente, é um processo que também pode demorar alguns anos. O ambiente financeiro português é interessante, e vemos muitas oportunidades no mercado porque em Portugal ainda há muito espaço para crescer e para melhorar no sector bancário. É uma jurisdição europeia respeitável, e não vejo qualquer problema em negócio em todo o mundo com a jurisdição portuguesa. Mas, estou a antecipar-me porque, infelizmente, a nossa conversa inicial não foi bem-sucedida, e é preferível ter mais certezas sobre a transação antes de fomentar a especulação.

As dificuldades de que fala em Portugal são burocráticas e regulatórias?

Acho que as dificuldades não são apenas em Portugal. É o enquadramento do Banco Central Europeu (BCE). Enfrentamos os mesmos problemas aqui no Chipre e temos de os ultrapassar através dos reguladores nacionais para depois lidar com todas as regras do BCE. A apetência do BCE pelo risco para quaisquer novas licenças é, na minha opinião bastante baixa para qualquer empresa. Por outro lado, Portugal é um país que está a tentar atrair muitas start-ups e, na verdade, a criar uma série de vantagens para convidar e acolher uma série de diferentes empresas tecnológicas. Acredito que Portugal tem um potencial de licenciamento que é bom, porque é uma jurisdição respeitável, e que está realmente interessado nesta inovação a nível nacional, o que é uma vantagem para nós, tal como esta burocracia da Europa na regulação do setor financeiro. Com a entrada no NASDAQ já passámos por toda a auditoria e requisitos de transparência, o que facilita novos licenciamentos, mas ainda somos uma espécie de principiantes da Ásia Central, o que não ajuda muito. De qualquer maneira, acreditamos que podemos ser bem-sucedidos no próximo ano.

“Temos muitos colaboradores na área tecnológica a trabalhar a partir de Lisboa, portugueses e não só”

Além da aquisição no setor bancário, está a planear outro tipo de aquisições em Portugal, talvez uma empresa de TI ou algo do género?

Acima de tudo, estamos a apostar no talento e a recrutar pessoas em vários pontos da Europa. Temos muitos colaboradores na área tecnológica a trabalhar a partir de Lisboa, portugueses e não só. Não acredito que vamos realmente adquirir empresas, mas queremos definitivamente adquirir algum talento e continuar a crescer organicamente. Vemos que o crescimento orgânico é uma forma muito mais eficiente de ganhar dimensão do que adquirir empresas com uma cultura diferente, especialmente se não o fizermos para a aquisição de licenças.

Esta semana, a Freedom Holding Corp. celebra cinco anos de presença no NASDAQ. Foi difícil conseguir entrar neste mercado?

Foi um processo longo e dispendioso. Passaram mais de dois anos só para sermos admitidos à cotação, para superarmos todos os requisitos, e para prepararmos a empresa para cumprir todos os requisitos da SEC (Security and Exchange Comission), o regulador norte-americano. Mas, isso ajudou-nos a transformar a empresa.

Que impacto teve, e tem, este passo para o negócio e a notoriedade da Freedom Holding?

O facto de mantermos esta presença, de a obtermos e de a mantermos, continua a ser a nossa maior conquista. Porque sabemos que muitas empresas que se tornaram públicas nos EUA, por alguma razão abandonaram essa cotação. Tornaram-se bancos privados ou, por qualquer razão, deixaram de estar cotadas. Penso que isso constituiu um desafio para manter e satisfazer estas exigências crescentes. E continua a ser muito caro e muito complicado. Mas é verdade que a nossa vida é muito mais fácil depois disso.

Vamos pagar menos impostos. Gastaremos menos dinheiro com advogados, com auditores, faremos tudo muito mais depressa do que se não estivéssemos cotados, mas, pelo menos, mais 20 milhões de dólares por ano do que se fossemos uma empresa privada. Apesar disso, ainda não conseguimos ter acesso a certos clientes e empresas mais importantes.

A presença no NASDAQ exigiu que mantivéssemos um padrão de governação muito elevado e, provavelmente, nunca o teríamos sem o NASDAQ, o que é positivo porque torna a empresa melhor e mais sustentável. Portanto, estes desafios tornam-nos definitivamente melhores. Portanto, foi um impulso para o negócio.

Está nos seus planos vir a listar a empresa no mercado europeu?

Bem, estamos felizes em listar em qualquer mercado. Mas, isso depende sempre de algum tipo de acordo. Se para algum investidor institucional, de retalho, ou para algum banco de investimentos, a presença na bolsa for crítica por algum motivo, ou se está a oferecer benefícios específicos para os investidores, podemos considerar dar esse passo.

Por exemplo, no Cazaquistão, na Bolsa Internacional de Astana (AIX), a vantagem de listarmos a empresa foram as taxas para os clientes. No entanto, para muitos investidores institucionais da Europa, a presença no NASDAQ é suficiente para lhes dar confiança nos nossos produtos e para investirem. Claro que estamos sempre abertos a novas oportunidades, mas não tenho a certeza de que a presença em bolsas europeias tenha atualmente procura para determinado tipo de clientes.

Timur Turlov, CEO da Freedom 24

Enquanto fintech que oferece uma vasta gama de produtos financeiros, considera que a Freedom é agora um parceiro ou um concorrente relativamente aos bancos tradicionais?

Estamos a tentar estabelecer parcerias com quaisquer instituições tecnologicamente avançadas e a fornecer-lhes a nossa plataforma, porque se alguém quiser desenvolver o seu banco digital, podemos tornar-nos o seu parceiro que oferecerá uma plataforma de investimento para permitir que os seus clientes negoceiem nos mercados europeu, americano e asiático através da nossa plataforma. Assim, podemos tornar-nos um banco com ambições de transformação para alguns serviços de corretagem digital. Penso que a nossa principal vantagem é que em toda a Europa, incluindo em Portugal, são muito poucas as empresas que conseguem utilizar software para gerir a corretagem online, como uma liquidação de títulos, conetividade com bolsas, front-end, back-end, middle-end, gestão de risco… Por isso, temos tudo o que é proprietário e necessário para podermos gerir esta plataforma.

Então está a dizer que o valor acrescentado da Freedom é a tecnologia?

Claro, penso que tudo será tecnologia. Essa é a única forma de competir. É claro que não podemos competir em termos de reputação, não podemos competir no conhecimento da base de clientes, mas podemos competir na tecnologia. Talvez esse seja o ponto mais importante. E a IA permitir-nos-á competir de forma ainda mais eficiente.

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