Automóvel trava “campeão das exportações” pela primeira vez desde a pandemia
Quebra nas encomendas das construtoras alemãs chega às fábricas portuguesas, empurrando as vendas da metalomecânica para o vermelho. Moldes tentam suavizar perdas com saúde, embalagens e aeronáutica.
Há precisamente um ano, a indústria portuguesa de metalurgia e metalomecânica assinalava um novo recorde nas exportações, que totalizaram 24.017 mil milhões de euros em 2023. No entanto, o festejo teve um trago amargo, já que nos últimos cinco meses do ano passado já tinha registado quebras homólogas neste indicador. O novo ano não trouxe melhores notícias, pelo contrário, com a pressão a chegar sobretudo dos clientes do setor automóvel e dos principais clientes europeus.
A poucos dias de fechar o exercício, os industriais do setor mais exportador da economia nacional contam, na melhor das hipóteses, com uma estabilização da faturação no exterior. E para 2025 admitem mesmo uma quebra nas vendas no estrangeiro. Será a primeira desde a pandemia (2020) e apenas a segunda desde a crise financeira internacional, no já longínquo ano de 2009. Na última década duplicou o volume de exportações. Um ciclo que se prepara agora para interromper.
O recuo nas exportações em 2025 “será provavelmente o cenário mais realista”. “Não estou a ver como é que será melhor do que 2024. Durante este ano estivemos sempre ligeiramente abaixo dos valores de 2023, foi havendo alguma recuperação, mas vamos terminar em linha. Como este setor é bastante alinhado com o ciclo económico, com o fraquíssimo crescimento que a Europa acrescenta nesta altura será difícil fazer melhor”, reconhece ao ECO o presidente da associação empresarial do setor (AIMMAP), Vítor Neves.
É que além de saber o que se está a passar com a indústria automóvel na Alemanha – “é o primeiro grande choque em dezenas de anos e com a natural dificuldade que a economia alemã tem em se adaptar a essa volatilidade, está aí um grande risco” –, os industriais da metalurgia e metalomecânica também estão a “sentir o abrandar dos negócios” nos restantes setores a que estão expostos, como é o caso da construção civil, das infraestruturas e das máquinas e equipamentos.
Os principais clientes deste setor, que reclama o título de “campeão das exportações” estão em Espanha, que lidera a lista de destinos, seguidos da Alemanha, França – “não é uma preocupação tão grande, tem um problema de desequilíbrios macroeconómicos que se vão resolver com o tempo”, relativiza Vítor Neves –, Reino Unido e Estados Unidos. A maior economia do mundo poderia ser uma escapatória para a crise na Europa, mas o início de um novo ciclo político com Donald Trump vai trazer “ainda mais protecionismo” e dificultar as vendas para o outro lado do Atlântico.
Falências e perda de empregos
No segmento dos componentes automóveis, só nas últimas duas semanas soube-se que a Coindu vai fechar a fábrica em Arcos de Valdevez e despedir 350 pessoas; a espanhola Cablerías, outra fornecedora instalada no Alto Minho, avançou com um pedido em insolvência em Portugal, ameaçando 250 postos de trabalho em Valença; e a catalã Ficosa decidiu colocar os 900 trabalhadores da sua fábrica na Maia em lay-off devido à quebra nas encomendas. “Esses são os casos conhecidos porque são as maiores, mas há outras empresas mais pequenas em dificuldades”, reconhece o líder da AIMMAP.
Como o ECO noticia esta sexta-feira, a gigante Simoldes, produtora de plásticos e moldes para a indústria automóvel sediada em Oliveira de Azeméis, já admite avançar com despedimentos depois de este ano ter perdido mais de 100 milhões de euros de vendas devido à crise no setor automóvel. Na indústria portuguesa de componentes, composta por 350 empresas que faturam 15 mil milhões de euros e empregam 62 mil pessoas, a quebra das exportações até outubro aproxima-se dos 4%.
“Quando hoje todas as notícias indicam perda de trabalhadores na Europa, nós em Portugal estamos bastante preocupados em perder os trabalhadores porque as empresas fazem investimentos sérios na formação das suas equipas. São um ativo muito importante para conseguirmos ser competitivos e altamente produtivos. A produtividade é muito importante para demonstrarmos aos nossos clientes que estamos na frente”, refere José Couto, presidente da associação das fabricantes para o setor automóvel (AFIA).
Esta quinta-feira, à margem da conferência Portugal Exportador, que decorreu no Europarque (Santa Maria da Feira), o ministro da Economia disse estar a acompanhar com “o máximo de atenção” os recentes de despedimentos e lay-offs em empresas de componentes automóveis, sobretudo no Norte do país, mas reclama que não há “nenhuma evidência de uma onda de falências”. Pedro Reis contrapôs que o país deve “agarrar” as empresas que já cá estão e “construir um pacote de incentivos o mais agressivo possível para manter ou trazer novo investimento”.
Moldes amenizam perdas com saúde, embalagens e aeronáutica
Com os clientes automóveis a pesarem cerca de 80% no volume de produção total, que ronda os 750 milhões de euros, também a indústria portuguesa dos moldes “já está a sentir uma redução das encomendas”, relata ao ECO o diretor da associação do setor (Cefamol), sem conseguir ainda quantificar a dimensão da quebra. “Não somos isentos aos movimentos internacionais. Se isto será temporário ou não, e quanto tempo o ciclo vai demorar a alterar-se, não sabemos dizer”, completa.
Sobre o fecho de empresas e a perda de empregos no setor dos moldes, Paulo Ferreira Pinto responde apenas que “há uma enorme preocupação na otimização dos processos e no alcance de maior produtividade”.
“É uma obsessão de todas as empresas para conseguirem fazer face a uma redução de margens e a uma eventual menor facilidade comercial. Agora se isso será suficiente [para evitar despedimentos], só o tempo dirá”, reconhece o também CEO da Mold World.
Perante este cenário, as cerca de 400 empresas portuguesas do setor dos moldes, que asseguram perto de oito mil empregos, estão a “diversificar mais o tipo de produtos, a aumentar a complexidade dos produtos e a procurar nichos específicos para, de alguma maneira, manter a competitividade” junto dos clientes da indústria automóvel.
E, por outro lado, a procurar “alternativas” de fornecimento nas áreas dos dispositivos médicos, das embalagens ou da aeronáutica, que “podem, de alguma maneira, equilibrar” os negócios neste setor que exporta quase 90% da produção.
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