Ramalho Eanes diz que “mundo mudou para pior”

"O mundo mudou para pior. E aquilo que julgávamos que era sagrado, soberania, o direito dos povos, o direito das gentes, tudo isso acabou", diz antigo Presidente da República Ramalho Eanes.

O mundo mudou para pior. E aquilo que julgávamos que era sagrado, soberania, o direito dos povos, o direito das gentes, tudo isso acabou“. O alerta é do antigo Presidente da República, o general Ramalho Eanes.

Aos 90 anos, o antigo Chefe de Estado foi esta segunda-feira, no Porto, distinguido com o Grande Prémio Ilídio Pinho, no âmbito da terceira edição deste galardão organizado pela Câmara do Porto e pela Fundação Ilídio Pinho. Considerando tratar-se de “uma atribuição excessivamente generosa“, Ramalho Eanes explicou que inicialmente recusou o prémio, mas depois acabou por aceitar para evitar que os membros do júri interpretassem a sua atitude como “uma manifestação de menos respeito ou consideração”.

Emocionado e perante uma plateia, com personalidades dos vários quadrantes políticos até ao empresarial, Eanes começou por sublinhar que “não merecia homenagens”, argumentando que “a pátria não deve nada a ninguém, não deve nada a nenhum dos seus filhos”.

Aceitou a medalha, mas não o valor pecuniário no valor de 100 mil euros, argumentando a decisão: “Desde muito cedo vi morrer homens em combate pelo país e como a pátria financeiramente pobre tratava os seus descendentes. Prometi a mim mesmo que nunca receberia mais proventos dos que me eram devidos pela minha função“.

O mundo mudou para pior. E aquilo que julgávamos que era sagrado, soberania, o direito dos povos, o direito das gentes, tudo isso acabou.

Ramalho Eanes

Ex-Presidente da República

À margem da cerimónia, Ramalho Eanes frisou que vê neste reconhecimento uma homenagem ao que a sua “geração tentou fazer” — “acabar com a ditadura e estabelecer uma democracia crua e partidária em que o povo, e só ele, escolhe o seu futuro e organiza o seu destino”.

Já durante o seu discurso, o antigo Chefe de Estado apelou à “vontade” para “um futuro com sentido, que possa trazer felicidade à maioria dos portugueses”. “Para além de instrumentos e meios, é absolutamente dominante o querer. Como diz Miguel Torga, somos nós que fazemos o destino“, reiterou.

Ramalho Eanes deixou ainda um recado à esfera política: “O país tem de olhar para determinados aspetos que são fundamentais para que tenha futuro. E não se percebe que em relação a esses aspetos fundamentais — que são indispensáveis para a realidade –, não haja entendimento partidário, entendimento social, entendimento cultural“.

Durante o seu discurso, Ramalho Eanes chamou ainda a atenção para a necessidade de “um novo rumo estratégico para Portugal”, com “um programa de reforma económica, política e social”, apesar de não ser fácil no contexto mundial “em que a guerra se tornou uma realidade ameaçadora”.

O atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa foi a grande ausência da cerimónia, no Salão Nobre da câmara portuense. Ficou retido em Oslo, na Noruega, após uma avaria no Falcon da Força Aérea Portuguesa. A sessão contou com a participação do presidente da Assembleia da República. José Pedro Aguiar-Branco enalteceu Ramalho Eanes como “um herói consensual” a quem o país que hoje se conhece “deve muito”.

O general Ramalho Eanes lembra-nos que a nossa democracia, como hoje a conhecemos, não nos foi oferecida, não estava escrita nas estrelas. Teve de ser conquistada com risco pessoal por tantos, militares e civis, teve e tem de ser construída todos os dias com o empenho e a criatividade cívica de todos, encontrando equilíbrios difíceis, reconciliando diferenças, debatendo caminhos de futuro”, assinalou o presidente da Assembleia da República.

Já o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, em representação do primeiro-ministro, Luís Montenegro, que está em Bruxelas, referiu que tudo o que se possa “dizer sobre o Ramalho Eanes nunca pecará por ser excessivo”, enaltecendo as suas qualidades, como “a conduta ética, serviço cívico e sua missão e a sua causa ao país”.

Já o presidente da Fundação Ilídio Pinho, Ilídio Pinho, notou, por sua vez, que Ramalho Eanes é “um ativo de Portugal e da portugalidade, grande merecedor deste prémio.

Já antes o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, tinha destacado “a vida [de Ramalho Eanes] dedicada a servir o país e a defender os valores da liberdade, do pluralismo e da tolerância”. Reconheceu ainda “a firmeza e determinação [do antigo Chefe de Estado] em momentos decisivos para o fortalecimento do atual sistema político”.

Ramalho Eanes venceu as primeiras eleições presidenciais pós-25 de Abril com 62% dos votos e cinco anos depois foi reeleito à primeira volta.

O cardeal D. José Tolentino de Mendonça e o arquiteto Álvaro Siza Vieira já foram reconhecidos com este prémio que foi criado em 2022 e atribui 100 mil euros a cidadãs e cidadãos nacionais.

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