Entidade da Transparência “não viu” conflito de interesses nas empresas imobiliárias criadas por Hernâni Dias

Ex-secretário de Estado, que se demitiu por ter constituído duas empresas imobiliárias dias antes da aprovação da polémica lei dos solos, garante que pediu parecer prévio à Entidade da Transparência.

O ex-secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território revelou esta terça-feira que, antes de criar as duas empresas imobiliárias, questionou a Entidade da Transparência para saber se o podia fazer e se isso não colocaria problemas de conflitos de interesse. Hernâni Dias garante que a entidade deu luz verde desde que fossem cumpridas duas condições: não podia ter a maioria do capital social e não podia ser sócio gerente.

Durante uma audição parlamentar, o antigo governante sublinhou, por outro lado, que não informou o primeiro-ministro nem o ministro da Coesão sobre a constituição destas empresas, que estiveram na origem da sua demissão, mas explicou que apresentou a demissão do Executivo porque não queria “estar numa posição de prejudicar a ação governativa ou o primeiro-ministro”.

“Tive toda a preocupação de cumprimento estrito da legalidade”, garantiu aos deputado o ex-governante. “Não vi nenhum problema na constituição das empresas, tal como a Entidade da Transparência não viu”, acrescentou, garantindo que “não foi, não é e não será objeto destas empresas tratar de nada a ver com prédio rústicos para serem transformados em prédios urbanos”.

Já como governante, com a mulher e os filhos, o secretário de Estado da Administração Local criou duas empresas que podem beneficiar com a nova lei dos solos, diploma em que participou. Segundo a RTP, numa das sociedades detém 35%, tal como a mulher que é a gerente, e cada um dos filhos detêm 15%. As atividades da empresa são no setor imobiliário na construção civil e na gestão do património. A MCRH tem sede em Bragança e foi constituída a 28 de outubro de 2024. Ou seja, dois meses antes da publicação em Diário da República a nova lei dos solos e numa altura em que já estava a ser elaborada.

Hernâni Dias revelou que “nenhuma das empresas tem qualquer atividade”. “A empresa não adquiriu ou alienou nenhum imóvel. O objetivo principal era reabilitação e exploração da atividade turística de duas habitações. Foi o grande objetivo com que as empresas foram criadas”, sublinhou.

Nenhuma das empresas tem qualquer atividade. Não adquiriu ou alienou nenhum imóvel. O objetivo principal era reabilitação e exploração da atividade turística de duas habitações.

Hernâni Dias

Ex-secretário de Estado da Administração Local

O ex-secretário de Estado apenas declarou a primeira empresa por “entender” que “não estava diretamente ligado à segunda” já que foi a primeira empresa que entrou no capital social da segunda. Ainda assim, a 6 de janeiro. Hernâni Dias enviou uma comunicação eletrónica à Entidade da Transparência a questionar se também deveria declarar a segunda empresa tal como fez com a primeira. “Até ao dia de hoje ainda não tenho resposta. Quando tiver posso partilhar com esta comissão”, explicou aos deputados.

“Não escondi nada sobre as empresas criadas. O objetivo não foi a intermediação imobiliário, mas a exploração turística de dois imóveis em espaço rural para retirar dividendos dessas unidades”, disse. “Não houve nenhum tipo aproveitamento ou negócio feito por estas empresas”, garantiu. Assim sendo, os deputados questionaram a opção de escolher um âmbito de atividade tão alargado para as suas empresas. E sublinharam se o facto de um dos proprietários da empresa ser um menor, com 50% do capital, os restantes 50% pertencem à primeira, não é uma forma de contornar as condições impostas pela Entidade da Transparência.

Hernâni Dias não quis “prejudicar a ação governativa ou o primeiro-ministro”

Perante as suas explicações, os deputados questionaram a razão pela qual o ex-secretário de Estado se demitiu se entendia que não havia ilegalidades. E sublinharam o facto de o primeiro-ministro não ter feito ainda qualquer declaração sobre o caso.

“Na minha atividade sempre agi de boa-fé, com lisura e transparência”, sublinhou Hernâni Dias. “A minha demissão deu-se pelo facto de verdadeiramente ter sido muito cauteloso na dimensão legal da constituição das empresas”, mas “não fui tão cauteloso na dimensão política, o que foi aproveitado pelos partidos”. “Eu não devia estar numa posição de prejudicar a ação governativa ou o senhor primeiro-ministro”, afirmou. “Não devia eu próprio ser um elemento prejudicial à governação do país”, acrescentou.

“Assumo a inteira responsabilidade dos meus atos. Não tenho nada escondido ou que merecesse censura na minha atuação, mas não me sentiria confortável se estivesse a ser um elemento desestabilizador da ação do Governo e por isso apresentei a minha dimensão”, justificou. Hernâni Dias deixou ainda uma ressalva: não tinha uma responsabilidade acrescida ao nível da alteração da lei dos solos, porque a tutela do ordenamento do território está a cargo do ministro da Coesão, Manuel Castro Almeida, e nunca foi delegada no secretário de Estado.

Assumo a inteira responsabilidade dos meus atos. Não tenho nada escondido ou que merecesse censura na minha atuação, mas não me sentiria confortável se estivesse a ser um elemento desestabilizador da ação do Governo e por isso apresentei a minha dimensão.

Hernâni Dias

Ex-secretário de Estado da Administração Local

Hernâni Dias garante ainda que não sente ter violado o Código de Conduta do Governo. “Estou tranquilo e confortável com a minha atuação a todos os níveis”, disse, sublinhando que soube “fazer a leitura” do aproveitamento político que os partidos da oposição estavam a fazer da questão. “Quando constituí as empresas, não estando a violar a lei, não me parece que tenha ferido o código de conduta”, disse, sublinhando que se a resposta da Entidade da Transparência não tivesse sido positiva a sua “posição teria sido outra e não estaria nesta qualidade a prestar estes esclarecimentos”.

“Não tenho conhecimento estar a ser investigado pela procuradoria europeia”

O ex-secretário de Estado foi ouvido no âmbito de um requerimento do Bloco de Esquerda sobre a criação destas duas empresas imobiliárias que podem configurar conflito de interesse já que o responsável foi responsável pela redação da lei dos solos. Havia dois requerimentos, mas apenas este foi aceite. O requerimento referente ao caso de Bragança foi chumbado e, como tal, os deputados não colocaram questões referentes ao tema.

No entanto, o responsável que foi a primeira baixa no Governo de Luís Montenegro aproveitou a esclarecer também este caso. O antigo presidente da Câmara Municipal de Bragança está a ser investigado pela Procuradoria Europeia por suspeitas de ter recebido contrapartidas durante o seu percurso como autarca. No entanto, Hernâni Dias garante que não tem qualquer conhecimento de estar a ser algo de alguma investigação.

“Não tenho até agora conhecimento de nada que esteja a ser investigado pela procuradoria europeia”, disse o ex-responsável. “Por isso, no questionário que me foi colocado não pensei que tivesse de lá colocar algum assunto”, acrescentou.

Ainda assim, o ex-secretário de Estado revelou que a 28 de janeiro endereçou uma carta ao Procurador-Geral da República, perante as notícias que davam conta dessa investigação, para se colocar “à inteira responsabilidade” Procurador para “total esclarecimento da verdade”.

Hernâni Dias garante que foi o próprio que, “na primeira hora, perante dúvidas relativas à empreitada” desenvolvida na zona industrial de Bragança fez uma “participação ao Ministério Público para investigar essa intervenção para aferir se poderia haver algum prejuízo ao município de Bragança”. O ex-responsável reiterou que pediu ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) para fazer uma auditoria para saber se obra foi realizada de acordo com as especificidades definidas no caderno de encargos e de acordo com o concurso lançado.

Tendo em conta que a obra foi realizada com apoio de fundos europeus, o ex-responsável considera normal que as “entidades europeias verificarem se houve algum constrangimento”.

Segundo a RTP, Hernâni Dias é suspeito de ter recebido contrapartidas quando foi autarca de Bragança. A propriedade de um imóvel ocupado no Porto pelo filho do ex-secretário de Estado pertence ao filho de um dos sócios de uma construtora que ganhou o concurso para a ampliação da zona industrial de Bragança.

Hernâni Dias rejeita liminarmente as suspeitas e disse aos deputados que trazia consigo as cópias das transferências bancárias que fez mensalmente para pagar a renda do apartamento no Porto ocupado pelo seu filho e outros estudantes universitários de Bragança e que estas podiam ser consultadas. A renda terá sido repartida por partes iguais entre os vários ocupantes da casa.

Já quanto ao Imóvel de que é proprietário em Vila Nova de Gaia, Hernâni Dias garante que o comprou com recurso a um empréstimo bancários de 225 mil euros. Em causa está um imóvel de 282 mil euros, o restante foi o próprio que deu como entrada. “É verdade, comprei em Vila Nova de Gaia um imóvel 282 mil euros, está dentro da minha capacidade financeira para suportar prestações ao banco todos os meses”, disse.

(Notícia atualizada com mais informação)

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