Da “imprudência” de Hernâni Dias à lentidão no SNS e aos “demónios” nas reformas antecipadas. O debate quinzenal em 5 pontos
No primeiro embate parlamentar após a demissão do secretário de Estado, Montenegro anunciou uma reforma no Ensino Superior e avisou que só baixa ISP se a subida dos combustíveis for "insuportável".
O primeiro-ministro garante que está para “durar”, mesmo com a queda do Hernâni Dias e apesar de reconhecer que os resultados do plano de emergência para a saúde são “lentos”, afirmou esta quarta-feira diante dos deputados. No primeiro debate quinzenal, no Parlamento, após a demissão do secretário de Estado da Administração Local, Montenegro anunciou que o Conselho de Ministros desta quinta-feira vai aprovar uma reforma do regime jurídico do Ensino Superior e avisou que só baixa o ISP se a subida dos combustíveis for “insuportável”.
O chefe do Executivo reconheceu a existência de “injustiças” no IRS Jovem e afastou os “demónios” sobre o fim ou o travão das reformas antecipadas, assegurando, mais uma vez, que só numa futura legislatura, e após a auscultação dos eleitores, irá ponderar uma eventual mudança do regime. No frente a frente com a bancada do PCP, houve ainda um momento insólito, quando o primeiro-ministro cometeu uma gaffe ao tratar o secretário-geral comunista por “Paulo Narciso”. Veja os cinco momentos-chave do debate quinzenal.
O caso: demissão de Hernâni Dias
O debate arrancou com primeiro-ministro a reconhecer a “imprudência” do ex-secretário de Estado da Administração Local, Hernâni Dias, na criação de duas empresas, uma vez que poderia estar em causa um eventual conflito de interesses com a nova lei dos solos. “Por isso, ele assumiu a dimensão política da sua ação” e “fez bem” em demitir-se, afirmou.
“Sobre a participação de duas empresas é verdade, foi uma imprudência do secretário de Estado, mas não fale em incompatibilidades, em negócios, porque a atividade dessas empresas foi zero”, sublinhou o chefe do Governo em resposta ao líder do Chega, André Ventura.
Questionado por que razão não demitiu Hernâni Dias, sabendo que o secretário de Estado estava “formalmente suspeito”, Montenegro foi taxativo: “Por que é que não o demiti? É muito simples, porque não foi preciso, ele tomou a iniciativa e acho que fez bem”.
André Ventura insistiu e voltou a acusar o primeiro-ministro de não “indicar a porta da rua” a quem comete crimes. No contra-ataque, Luís Montenegro criticou Ventura de confundir “propositadamente muitas coisas ao mesmo tempo para tentar passar uma mensagem”.
“Hernâni Dias não é, neste momento, arguido em processo nenhum, que se saiba. Não confunda, não fixe uma condenação sobre atos e ações que não foram ainda ajuizadas sobre um organismo de investigação criminal. Dizer que Hernâni Dias tem negócios por causa da lei dos solos é desonesto da sua parte. O senhor deputado usa intencionalmente esse argumento para ter um ganho político”, atirou Luís Montenegro.
“O senhor deputado tem de ser sério para ser respeitado e representar condignamente aqueles votaram em si, que não querem essa conversa de café”, rematou. Entretanto, André Ventura disse que estava na hora de Montenegro ir embora e o primeiro-ministro respondeu: “Não confunda o seu desejo com a realidade. Eu estou aqui para dar e durar”.
O momento: Ventura chama mentiroso a Montenegro
Depois de Ventura ter defendido insistentemente que políticos suspeitos de crimes devem ser logo demitidos, mesmo antes de serem julgados, o que mereceu a reprovação de Montenegro, o primeiro-ministro lembrou que o líder do Chega já tinha sido condenado pelo tribunal por ter ofendido a honra e a imagem da família Coxi.
“A porta da rua deveria ter sido dirigida a si”, vincou Luís Montenegro.
“Não vale a pena invocar a sua postura em comparação com a minha postura. Joga em seu desfavor. Não seja masoquista, senhor deputado. Não ando ao sabor daquilo que pretende. Somos diferentes, no final os portugueses ajuízam quem tem mais qualificação para as suas funções”, atirou.
Em reação, o líder do Chega acusou o primeiro-ministro de ter “mentido”, defendendo que foi “condenado por dizer a verdade ao país”.
O anúncio: reforma do ensino superior
O Governo aproveitou o debate quinzenal para antecipar um dos diplomas que será levado ao Conselho de Ministros desta quinta-feira. “Amanhã mesmo iremos aprovar os eixos principais de uma reforma do regime jurídico das instituições do ensino superior, que serão oportunamente tratados também e apreciados na Assembleia da República”, afirmou Luís Montenegro.
O chefe do Executivo explicou que a reforma do regime estabelecido em 2007 visa “dar às instituições mais condições para terem os seus processos de autonomia, de serviço daquilo que é o seu propósito formativo e de terem também maior previsibilidade dos projetos que não se esgotam ao sabor dos governos em funções”.
A proposta de revisão do Governo apresentada às instituições prevê uma “aproximação entre subsistemas universitário e politécnico e público e privado, permitindo a evolução e flexibilização do sistema binário e a racionalização da rede do ensino superior”.
reforma determina ainda que a eleição direta dos reitores ou presidentes seja “alargada à comunidade de ex-alunos, para um mandato único de seis anos”, sendo “reforçada a independência do Conselho Geral e a importância dos membros externos”.
O Executivo tinha assumido ainda como objetivo a valorização do ensino politécnico, através da definição de “requisitos para a utilização da designação Universidade Politécnica, que poderá ser adotada pelas instituições politécnicas que conferem o grau de doutor”.
As obsessões: SNS e combustíveis
O plano de emergência para o SNS do Governo voltou a ser colocado em causa pela oposição. O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, acusou o Governo de nada fazer em relação ao caos que se vive no Hospital Amadora-Sintra e às listas de espera para cirurgia oncológica pediátrica de de adultos.
O presidente do Chega disse mesmo que é “falso” que as listas estejam resolvidas. E a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, sugeriu que as administrações hospitalares fossem escolhidas por concurso, proposta que Montenegro afastou.
Depois de ter elencado as melhorias que o Governo já alcançou no que diz respeito à execução do plano de emergência para a saúde, como a diminuição das listas de espera ou do número de utentes sem médico de família, Montenegro acabou por reconhecer que a situação do SNS “está muito longe” da que o Executivo deseja. “Os tempos de espera diminuíram 20%, mas continua a haver um conjunto de preocupações inaceitáveis” do ponto de vista da capacidade de resposta, assume.
“Os resultados são lentos e queremos ainda superá-los no futuro”, defendeu.
A guerra entre Governo e PS sobre o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) também dominou o debate. O líder socialista voltou a acusar o Executivo de ter agravado o imposto sobre os combustíveis com o primeiro-ministro a negar repetidamente tal teoria.
“O senhor primeiro-ministro está a confundir a taxa de carbono com a taxa de ISP. A taxa de carbono foi descongelada, o que acontece é que há um leilão das emissões e a taxa de carbono baixou para toda a Europa. Então, o Governo decidiu aumentar a taxa do ISP para compensar. E não voltou a reduzir”, salientou o secretário-geral do PS.
Montenegro acabou por “concordar com a exposição” de Pedro Nuno Santos, “com exceção da sua conclusão”. O primeiro-ministro reconheceu que “houve uma diminuição da incidência da taxa de carbono no valor de três cêntimos”.
“E o que fizemos foi diminuir o desconto em vigor, que era transitório em cerca de três cêntimos. Parece-me um caminho equilibrado, que não tem intervenção nenhuma na formação de preços”, afirmou. Então, “o que o Governo fez foi anular a descida da taxa de carbono”, conclui o secretário-geral do PS.
Montenegro revelou ainda que, neste momento, não é adequado voltar a baixar o imposto. Só “se houver uma escalada do preço que antecipe uma subida permanente a níveis que sejam insuportáveis” é que o Governo deverá tomar “medidas, nomeadamente na área fiscal, para desagravar a situação e repor o equilíbrio no acesso aos combustíveis”, salientou.
O demónio: reformas antecipadas e o Narciso
A sustentabilidade da Segurança Social e o fantasma do travão às reformas antecipadas ou de mexidas à Taxa Social Única (TSU) também marcou o debate. O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, questionou o Executivo se tencionava avançar com alterações legislativas que “retiram direitos” aos trabalhadores, ainda que o Executivo já tenha garantido, por diversas vezes, que alterações nestas matérias só se irão colocar numa futura legislatura.
A pergunta foi colocada pelo PCP, mas Luís Montenegro aproveitou para disparar contra os socialistas. “O PS deixou-nos um livro na mão, um livro verde para sustentabilidade da Segurança Social e o que o livro verde preconiza é aquilo que PS nos acusa”, criticou Montenegro referindo-se a uma das recomendações do relatório para travar as reformas antecipadas.
“Pedro Nuno Santos está indignado! Indignado estou eu, porque disse uma coisa sem fundamentação. O Governo em nenhum momento quis mexer nas reformas antecipadas. A seguir às eleições, depois da pronúncia do povo, vamos primeiro sujeitar ao crivo do povo, não vamos fazer nada nas costas do povo”, defendeu o primeiro-ministro.
Montenegro indicou que, “neste momento”, o Governo “tem disponibilidade para, aproveitando o estudo que foi legado, fazer uma análise profunda, fazer um grupo de trabalho e depois, sempre com a legitimação do povo português, se for essa a intenção” alterar matérias relacionadas com as reformas antecipadas ou a TSU.
O primeiro-ministro lembrou que o Executivo acabou de “transferir quatro mil milhões de euros para o Fundo de Estabilização da Segurança Social” para sublinhar a boa saúde das contas públicas. “Estamos a tratar de dar solidez ao sistema da Segurança Social. Se não for necessária nenhuma medida, tanto melhor. Mas, se for necessário, temos a frontalidade de dizê-lo ao país”, reconheceu.
“Não antecipem demónios, porque não há nenhum demónio, o que há é o reforço da proteção para o futuro”, assegurou.
Durante o debate com o líder do PCP, Paulo Raimundo, o primeiro-ministro cometeu uma gaffe e tratou o secretário-geral comunista por “Paulo Narciso”.
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