Painéis solares em telhado de condomínio arriscam pagar IMI

Uma empresa com um centro eletroprodutor no topo de um imóvel pode vir a ser tributada, segundo as regras que estão a ser estudadas. Se os donos forem os condóminos, a solução terá de ser clarificada.

Uma empresa que instale e explore um conjunto de painéis solares no telhado de um edifício arrisca pagar Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativo àquele centro eletroprodutor, segundo as novas regras que estão a ser estudadas pelo grupo de trabalho criado pelo Governo. Nesta situação, o condomínio arrenda o topo do imóvel a uma entidade que passa a ser tributada, uma vez que o sistema de produção de energia será considerado um prédio autónomo. É este o cenário que está em cima da mesa, tendo em conta vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e até um ofício interno da Autoridade Tributária (AT).

Caso seja o condomínio, constituído pelos proprietários de cada um dos apartamentos, o dono dos painéis solares, cuja energia poderá servir tanto para autoconsumo como para venda à rede, “aí há uma maior necessidade de clarificação de como se fará a tributação”, alerta o fiscalista Renato Carreira, da consultora Deloitte, em declarações ao ECO. “Pode haver duas soluções: ou o Fisco entende que o centro de produção solar é um prédio autónomo e passa a cobrar IMI ao condomínio, isto é, a cada uma das frações, além do imposto que os proprietários já pagam pelas suas casas; ou faz uma nova avaliação do valor patrimonial tributário (VPT) do imóvel e agrava o IMI dos apartamentos”, sugere o perito em Direito Fiscal.

As hipóteses aventadas pelo fiscalista deverão aplicar-se igualmente a fábricas ou centros comerciais que detenham parques fotovoltaicos nos seus telhados.

A comissão formada pelo Executivo poderá, contudo, determinar “isenções com determinados critérios”, excecionando desta tributação condomínios ou outros estabelecimentos, quando a energia produzida seja para consumo próprio, admite a fiscalista Susana Estêvão Gonçalves, da sociedade de advogados Pérez-Llorca. A este propósito, Renato Carreira lembra que “os condóminos não têm personalidade jurídica, não pagam impostos e também não recebem receitas de rendas ou outras”. “Esses montantes são depois distribuídos pelos condóminos na sua quota-parte”, acrescenta.

O fiscalista da Deloitte considera ainda que “os centros eletroprodutores de pequena dimensão também poderão ser libertos do imposto, na medida em que o valor a liquidar será tão baixo que o custo que a AT teria na cobrança não iria compensar a receita gerada”.

As isenções poderão também ser importantes para não desincentivar a instalação de painéis solares nas casas. Até ao ano passado, existia inclusivamente um apoio, designado de Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis, que já pagou mais de 30 milhões de euros a quem se candidatou, em 2023, para receber o reembolso das obras relativas a colocação de janelas eficientes ou painéis solares. Entretanto, o Governo atual acabou com este subsídio e está a preparar outro programa semelhante mas com especial enfoque nas famílias mais carenciadas.

Se há dúvidas sobre se os condomínios, as casas dos contribuintes ou outras pequenas empresas poderão ou não ser tributados, no caso de uma entidade de dimensão considerável que instale e explore um sistema fotovoltaico no telhado de um determinado edifício, a posição sobre a aplicação do imposto é mais sólida entre os fiscalistas, dada que é sustentada em jurisprudência e numa norma da AT. “Não vemos motivo para que exista uma diferença de tratamento entre um centro eletroprodutor instalado no solo e um centro eletroprodutor instalado num telhado, pelo que o princípio de tributação poderá ser o mesmo”, defende Susana Estêvão Gonçalves.

Na mesma linha, Renato Carreira nota que “a própria Autoridade Tributária já entende que o dono do parque fotovoltaico, quando diferente do que detém o terreno, tem de pagar IMI sobre aquele prédio”. “Caso os proprietários sejam os mesmos, então o valor patrimonial tributário (VPT) tem de ser reavaliado com reflexo no agravamento do IMI que já é cobrado sobre prédio rústico”, esclarece.

O grupo de trabalho ainda está a analisar como podem ser tributados os parques eólicos e fotovoltaicos e as barragens e tem até 10 de maio para apresentar as conclusões. Mas já há caminho feito pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) e pelo Fisco. Existe jurisprudência que define os centros eletroprodutores como prédios que devem pagar imposto autonomamente, isto é, independentemente do terreno onde tenham sido construídos, e a Autoridade Tributária (AT) tem seguido esse princípio, “cobrando o IMI à parte quando o proprietário é diverso do dono do terreno”, salienta Renato Carreira. Esse entendimento está plasmado na circular interna da AT n.º 2/2021.

Assim, o centro eletroprodutor de painéis solares instalado no telhado de um prédio pode vir “a pagar IMI”, constata o fiscalista. Mas, “em termos práticos”, Renato Carreira não tem visto “a AT a classificar painéis solares como prédios autónomos para efeitos de IMI ou a agravar o IMI que já cobra ao dono do imóvel, quando seja o mesmo que detém o terreno”.

Importa salientar que o IMI que as barragens e os parques eólicos e fotovoltaicos deverão pagar vai aplicar-se sobre o conjunto do centro eletroprodutor e não sobre cada um dos seus elementos, sejam torres eólicas ou cada um dos painéis solares, uma vez que, isoladamente, não possuem autonomia económica. Será sobre o centro eletroprodutor, visto como se fosse uma fábrica, que irá incidir o imposto. É este o ponto de partido do grupo de trabalho e o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo.

Neste momento, o IMI não faz referência alguma à tributação específica de prédios de energias renováveis, incluindo barragens, eólicas ou fotovoltaicas, prevendo apenas que “que quando a avaliação de prédios comerciais, industriais ou para serviços […] se revele desadequada, os mesmos” devem ser “avaliados pelo método do custo adicionado do valor do terreno”. “É precisamente o caso dos centros eletroprodutores e barragens, conforme ficou estabelecido na portaria n.º 11/2017, de 9 de janeiro“, sublinha Susana Estêvão Gonçalves.

Porém, “o Código do IMI não densifica o método do ‘custo adicionado do valor do terreno’ para efeitos avaliativos, sendo essa a base das diversas posições divergentes quanto aos elementos a considerar para efeitos de avaliação”, vinca a fiscalista. “Caso venha efetivamente a ser estabelecido que centros eletroprodutores e barragens constituem uma espécie autónoma de prédios urbanos para efeitos de IMI, então parece-nos que deveria ser clarificado qual o método avaliativo aplicável para a determinação do VPT desses prédios, sendo igualmente densificados os termos e condições desse método avaliativo”, defende.

O grupo de trabalho, constituído pelo Executivo, vai determinar a forma de cálculo do tal “custo adicionado” para determinar a regra de “tributação dos centros eletroprodutores (designadamente, as centrais hidroelétricas, parques eólicos e parques solares fotovoltaicos) em sede do Imposto Municipal sobre Imóveis”, face às “várias dúvidas” que têm sido suscitadas e aos “numerosos litígios administrativos e judiciais”, lê-se no despacho que criou a unidade de estudo, liderada pela juíza conselheira e presidente do STA, Dulce Neto.

O grupo parlamentar do PS também já deu entrada de um projeto de lei, no Parlamento que, na prática, verte a proposta da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). A iniciativa vai mais longe do que o objeto do grupo de trabalho, que se cinge à definição do cálculo do “custo adicionado”, criando novas categorias de prédios, “de energias renováveis, incluindo barragens, eólicas ou fotovoltaicas e mistos”, termos que não constam atualmente da lei. Estabelece ainda que, “nos casos de usufruto, concessão ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário, concessionário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação”.

Mas os socialistas já sinalizaram que estão dispostos a esperar pelas recomendações da comissão, criada Governo, para estudar uma solução conjunta relativamente à tributação dos sistemas de produção de energia renovável.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Painéis solares em telhado de condomínio arriscam pagar IMI

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião