Para o setor da construção “o diabo vem depois de 2030”, antecipa António Ramalho

O negócio da construção só é financiado pela venda ou leasing dos ativos, sublinha António Ramalho. O modelo de financiamento é "muito pouco atrativo" e tem de mudar porque os fundos estão a acabar.

Para o setor da construção “o diabo vem depois de 2030”. A constatação é feita por António Ramalho. O antigo CEO do Novobanco sublinha que é necessário mudar o modelo de financiamento que é “muito pouco atrativo” e alerta que os fundos europeus estão a chegar ao fim.

O negócio da construção só é financiado pela venda ou leasing dos ativos, sublinha o agora chairman da Touro Capital Partners. Ramalho critica o facto de se desperdiçar 635 milhões de euros de poupança em habitação. Os dois milhões de famílias que têm a casa paga ao banco, são famílias médias, que pouparam no imobiliário com endividamento.

“A poupança está alocada a ativos pouco móveis. As famílias portuguesas são das mais ricas na Europa do ponto de vista patrimonial, mas não têm dinheiro para comprar medicamentos”, lamenta.

“A partir de 2030 já não há Plano de Recuperação e Resiliência, nem Portugal 2030 e se não encontrarmos razoabilidade não vamos ter capacidade de financiar o setor”, alerta. António Ramalho aponta o dedo aos bancos e critica o facto de não estar a ser feita qualquer discussão em torno do modelo de negócio deste setor que é “conceptualmente de project finance“.

“Este é um negócio que se paga pelo ‘pelo do cão'”, diz. “Em 2025 e 2026, vamos ter o maior volume de fundos que alguma vez se usou em Portugal. Temos a execução financeira do PRR quase toda por fazer e o PT2030 por executar”, explicou também o ministro Adjunto e da Coesão que tem a tutela dos fundos comunitários. Mas, “num futuro relativamente próximo, seis a dez anos, vamos assistir uma quebra”, vaticina.

“Pela primeira vez, digo que o ciclo vai mudar e os próximo ciclos de fundos serão substancialmente menores”, afirmou Castro Almeida. “O PRR está a ser executado com dinheiro emprestado, que vai ter de ser pago. Se as receitas da UE são as mesmas, a parte alocada ao serviço na dívida vai faltar nos fundos tradicionais. E a Europa vai ter de se reforçar do ponto de vista militar, logo vai faltar dinheiro para a Coesão ou a Agricultura. Já para não falar da adesão da Ucrânia”, elencou o ministro para justificar a sua afirmação.

A partir de 2030 haverá uma incerteza, face ao contexto favorável ao investimento que existe até aqui”, corroborou Fernando Alfaiate. O presidente da Estrutura de Missão Recuperar Portugal sublinhou que as carteiras de encomendas estão “recheadas” até 2030 o que permite às construtoras trabalhar de forma tranquila, ainda que a mão-de-obra é um problema, talvez até “fruto da política de baixos salários”, mas ainda há tempo para “fazer formação e capacitação, existem fundos para colmatar essa deficiência e temos de os aproveitar”, sublinhou.

O excesso de dependência da mão-de-obra não especializada pode agudizar as debilidades da economia nacional e impedir que a economia consiga absorver a mão-de-obra qualificada que produz, alerta o bastonário da Ordem dos Economistas, António Mendonça. Um fenómeno que já acontece em Portugal e que se traduz numa forte emigração dos jovens licenciados.

“Portugueses parecem ter dificuldade em caminhar para as áreas com maior valor acrescentado”, lamentou dizendo que as empresas têm dificuldade em trabalhar nas marcas e internacionalização, mas isso não acontece na área da construção, onde as empresas vendem o trabalho final, “mas não fomos capazes de congregar toda a cadeia de valor”, disse. “É por isso que a construção me irrita”, frisou, defendendo que a solução “está no mercado”. “Sem exagero”, acrescenta.

Uma opinião que não é partilhada pelo bastonário. António Mendonça sublinha que em Portugal há uma “grande capacidade de fazer diagnóstico, mas há uma incapacidade de levar para a frente as coisas”. “Agora já se fala de necessidade de coerência estratégica em termos de grandes orientações para que as empresas não fiquem defraudadas”, sublinhou o economista.

Defendendo uma parceria público privada para o Estado realizar os seus investimentos estratégicos, António Mendonça lamentou o facto de 20 anos depois as discussões serem as mesmas. “Estamos a fazer que já devíamos ter feito há 20 anos, mas agora com o risco de ficar para trás e não conseguir acompanhar as tendências internacionais.”

Recordando que esse é o grande alerta do Relatório Draghi – “a pedrada no charco que diz as coisas como elas são” –, António Mendonça criticou “a tendência de procrastinação”, em Portugal. “Andamos sempre a discutir a mesma coisa e adiar as mesmas coisas”, concluiu.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Para o setor da construção “o diabo vem depois de 2030”, antecipa António Ramalho

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião