FiDA: Comissária Albuquerque vai forçar revolução nos seguros
O Regulamento de Acesso a Dados Financeiros (FiDA) está na agenda da comissária Maria Luis Albuquerque e é para avançar. Chega o novo paradigma Open Insurance. Não está a entusiasmar os seguradores.
O Financial Data Access (FiDA) vai entrar em vigor após a aprovação pelo Parlamento Europeu sob proposta da Comissão Europeia e do Conselho Europeu e vai mudar a competição na indústria seguradora europeia.
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Durante a apresentação do seu programa de trabalho para 2025, a nova comissária europeia de Estabilidade Financeira, Serviços Financeiros e Mercado de Capitais da União Europeia, Maria Luís Albuquerque, disfarçou pressões várias para adiar o FiDA e confirmou que este regulamento está na sua agenda para 2025.
“O FiDA é um dossier que iremos impulsionar, faz parte da minha carta de missão, com o objetivo de defender uma finança aberta. Trata-se de um texto importante no esforço de promoção da inovação nos mercados financeiros e de apoio ao consumidor. Esperamos que, na fase de trílogo (negociação interinstitucional informal entre representantes do Parlamento Europeu, do Conselho da União Europeia e da Comissão Europeia), possamos encontrar um terreno comum com os co-legisladores”, declarou a comissária durante uma conferência de imprensa.
Um exemplo de como o novo regulamento afeta os seguros é a melhor forma de explicar. O consumidor, segurado neste caso, dá autorização a uma entidade credenciada para lhe apresentar uma melhor proposta para um seguro que já tem. Essa entidade procura todo a informação existente sobre esse novo potencial cliente junto da sua atual seguradora – que é obrigada a cedê-los – não só os dados que esta recolheu do cliente – que se prepara para perder – e os dados acrescentados sobre, por exemplo, sinistros ou ficha clínica.
A informação será então obrigatoriamente fornecida pelos Fornecedores de Dados Financeiros (Financial Data Holders – FDHs) que são, para além de seguradoras, bancos, fundos de investimento e outras instituições que possuam dados financeiros e outros dos clientes.
Esta informação será utilizada pelos Prestadores de Serviços de Dados Financeiros (Financial Information Service Providers – FISPs), que são empresas autorizadas a aceder a esses dados como insurtechs, fintechs, intermediários financeiros, agregadores de contas, corretores e mediadores de seguros, para apresentarem propostas aos clientes atuais dos FDH.
Esta revolução na cadeia de valor dos seguros destina-se a satisfazer o habitual foco da União Europeia: o consumidor. Tudo começou com o open banking na UE regulamentado pela PSD2, que em Portugal vigora desde 2018 sob a designação de Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica (RJSPME), permitindo o compartilhamento de dados apenas para contas de pagamento de bancos.
Com o FiDA, o mesmo princípio evolui para open finance, abrangendo investimentos, crédito, poupança, pensões e seguros, abrindo-se neste setor um novo paradigma com o open insurance.
Na prática, o Regulamento FiDA estabelece um novo ecossistema de partilha de dados financeiros, baseado no consentimento do consumidor e em regras claras para garantir segurança e transparência. Define regras estritas.
Nas questões de segurança, o acesso aos dados só ocorre com o consentimento explícito do cliente que pode revogar o acesso a qualquer momento por meio de um painel de gestão de consentimentos. As empresas que acedem precisam fornecer interfaces seguras (APIs) para evitar fraudes e o FiDA vai estar alinhado com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), garantindo que os dados sejam protegidos e utilizados apenas para os fins autorizados.
Resistências várias atrasam processo
“O FiDA é um comboio desgovernado a acelerar sem travões e maquinista”, descreveu Florence Lustman, presidente da France Assureurs, a associação dos seguradoras francesas.
Já a Insurance Europe, que reúne 33 associações de seguradores europeus, entre elas a portuguesa APS, é mais cautelosa: “Embora reconheçamos as potenciais vantagens do quadro FiDA em termos de ampliação da escolha do consumidor e estímulo à inovação no setor financeiro, é necessária uma implementação equilibrada e bem fundamentada”, recomendando como fundamental “abordar questões relacionadas ao âmbito de aplicação, à coerência regulatória e à segurança dos dados para alcançar os objetivos do FiDA sem comprometer os interesses dos consumidores ou a estabilidade da indústria financeira”.
Em tempos de desglobalização, os seguradores europeus lembram que “a abertura dos dados financeiros a atores não regulamentados, especialmente estrangeiros, prejudicaria as instituições europeias”, como explicou Arthur Hillard, senior policy advisor na Insurance Europe.
Isabelle Ferrand, diretora geral do Crédit Mutuel, uma das grandes seguradoras francesas, demonstra ceticismo no custo/benefício do FiDA: “Por meio de acordos ou filiação de suas atividades na Europa, os atores globais da tecnologia poderão apropriar-se dos dados dos cidadãos simplesmente obtendo o seu consentimento em troca do uso gratuito de suas aplicações. Um verdadeiro risco de “aspiração” dos dados financeiros de saúde, poupança, endividamento e seguro, em benefício de interesses externos, sem que a utilidade e o uso para cada consumidor tenham sido demonstrados até o momento”, conclui.
Também por esse motivo, Bruxelas propõe uma implementação faseada, começando pelo seguro automóvel. “Isso permite evitar lidar de imediato com produtos complexos, onde as definições variam de um segurador para outro. Não se trata apenas de trocar dados, é fundamental que todos os atores possam interpretá-los corretamente“, destaca Stéphane Favaretto, cofundador e managing director da Minalea, uma software house especializada no setor segurador que também está presente em Portugal.
Digitalização sofisticada dos mediadores e corretores é sobrevivência
O FiDA pode ser uma ameaça para os mediadores tradicionais de seguros, especialmente aqueles que ainda não adotaram ferramentas digitais, porque o regulamento convida ao acesso aberto aos dados financeiros, permitindo que novos players (como fintechs e insurtechs) entrem no mercado com modelos mais automatizados e personalizados.
Teoricamente, com o FiDA em vigor, haverá menor dependência dos intermediários para os segurados compararem apólices, entender coberturas e negociar preços. As plataformas digitais poderão aceder automaticamente os dados dos clientes e oferecer cotações personalizadas em tempo real, reduzindo a necessidade de um mediador tradicional.
Será terreno preferencial para as insurtechs, que poderão usar API para aceder os dados de apólices existentes e oferecer soluções mais rápidas e baratas e oferecer seguros baseados em algoritmos e inteligência artificial, tornando o modelo tradicional menos competitivo.
O FiDA é uma questão de tempo para estar ativo, por isso os mediadores que não investirem em ferramentas digitais de atendimento, comparação e gestão de apólices podem perder relevância, perdendo clientes pelas melhores opções de autoatendimento e capacidade de gerirem os seus seguros sem precisarem de um intermediário.
No entanto, também se pode concluir que, por o relacionamento humano continuar forte, os clientes ainda valorizam a consultoria personalizada e a ajuda em processos mais complexos, como sinistros. Nos produtos complexos como seguros empresariais, de vida e saúde, que costumam exigir mais aconselhamento técnico, as plataformas digitais vão ter dificuldade em substituir o humano.
Por último, os mediadores têm, ou devem ter, atributos reconhecidos pelos clientes de confiança e boa reputação. A verdade é que mediadores estabelecidos já têm uma carteira de clientes fiel, enquanto novos entrantes precisarão construir essa confiança e reputação a partir do zero.
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