“Falta em Portugal a apropriação nacional de uma regra orçamental que sirva o país”, defende Nazaré da Costa Cabral

Presidente do Conselho das Finanças Públicas recomenda que atores políticos consensualizem uma regra, na qual se revejam e digam há "este limite, isto é para cumprir, que não seja só uma letra morta".

A presidente do Conselho das Finanças Públicas defende, em entrevista ao ECO, que o país precisa da apropriação de uma regra orçamental adaptada às suas necessidades, “exigente”, mas cumprível, na qual todos os actores políticos se revejam, ao invés de replicar simplesmente as recomendações de Bruxelas. O objetivo é criar um sentimento de pertença a esta ‘linha mestre’, de forma a aumentar o grau de responsabilização. Nazaré da Costa Cabral aponta ainda o dedo à “falta de vontade política” para a institucionalização de uma revisão da despesa do Estado.

O que falta em Portugal é a apropriação nacional de uma regra orçamental que sirva o país, que seja uma regra que nos crie alguma exigência, alguma disciplina em termos financeiros, em termos de condução das nossas finanças públicas, mas que seja uma regra em que todos se revejam“, afirma a presidente do CFP.

As declarações de Nazaré da Costa Cabral ocorrem numa altura em que o Governo prepara uma revisão da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), que deverá ser apresentada ainda no primeiro trimestre, segundo o timing sinalizado em dezembro pelo ministro das Finanças.

O que falta em Portugal é a apropriação nacional de uma regra orçamental que sirva o país, que seja uma regra que nos crie alguma exigência, alguma disciplina em termos financeiros, em termos de condução das nossas finanças públicas, mas que seja uma regra em que todos se revejam.

Nazaré da Costa Cabral

Presidente do Conselho das Finanças Públicas

A responsável do CFP realça que o novo sistema orçamental europeu tem como âncora a trajetória de redução da dívida pública, utilizando como indicador operacional a da despesa líquida, mas considera que há um debate que é preciso fazer em Portugal sobre o tema.

Temos o hábito de pegar na Lei de Enquadramento Orçamental e transpormos as regras europeias. É como se tivéssemos que estar sempre dependentes daquilo que Bruxelas diz e, portanto, só fazemos aquilo que diz nos exatos termos em que diz e para os efeitos em que diz. Portugal, como país soberano que quer ser, independente até do ponto de vista financeiro, deve assumir uma atitude de adotar a sua própria regra orçamental“, argumenta.

Nazaré da Costa Cabral sustenta que uma vez que a LEO é uma proposta do Governo, mas vai ser discutida no Parlamento, “os atores políticos deveriam acordar uma verdadeira regra orçamental para o conjunto das instituições públicas, que depois naturalmente também alimentasse regras específicas para os subsectores do Estado, nomeadamente para o setor regional ou para o setor das administrações locais“.

Temos o hábito de pegar na Lei de Enquadramento Orçamental e transpormos as regras europeias. É como se tivéssemos que estar sempre dependentes daquilo que Bruxelas diz.

Nazaré da Costa Cabral

Presidente do Conselho das Finanças Públicas

“Uma regra orçamental adaptada àquilo que são os interesses orçamentais e financeiros do país, que seja exigente, cumprível, mas que seja, acima de tudo, uma regra na qual todos os atores se revejam e digam: nós temos este limite, isto é para cumprir. Que não seja só uma letra morta que está ali para cumprir um formalismo qualquer, uma exigência legal. Não, é uma lei para ser cumprida. Muitas vezes o que vemos é: ‘bom é uma regra europeia, não é uma regra nacional, vem de Bruxelas’”, aponta.

Ou seja, que a reforma das finanças públicas conduzisse a um regime “coerente” de regras orçamentais. “Esse é que é o grande desafio agora das nossas finanças“, adverte.

Novas autoridades? “Se permitir melhorias de gestão é um modelo bem-vindo”

O CFP teve “algumas interações” com o grupo de trabalho do Governo que está a trabalhar na revisão da LEO, até porque há um conjunto de matérias relacionadas com a transposição de uma diretiva europeia, que dizem respeito às competências das instituições orçamentais independentes, como é o caso da liderada por Nazaré da Costa Cabral.

O que importa ficar clarificado é qual é que vai ser a intervenção do CFP, nomeadamente ao nível da execução do próprio plano de médio prazo e no âmbito do relatório de progresso que o Governo vai ter que fazer todos os anos para dar nota dos termos dessa execução“, explica. Entre os pontos estão compreender se a instituição terá de endossar as previsões do Governo, se é que vão existir, subjacentes, mas também se irá, por exemplo, avaliar a execução do plano e o comportamento da despesa líquida do Estado, sinalizando, nomeadamente, a existência de desvios.

Tal como o ECO noticiou, o ministro das Finanças está a desenhar uma reforma do Ministério das Finanças e vai criar três novas autoridades que operam do lado da despesa: a autoridade orçamental, a autoridade financeira e a autoridade da Administração Pública. Questionada sobre se vê vantagens na alteração nas entidades do Terreiro do Paço, Nazaré da Costa Cabral salienta não ter informação detalhada sobre quais são os objetivos, mas supõe que na LEO exista referência às novas entidades.

“É um bocadinho feito à semelhança do que aconteceu quando a Autoridade Tributária substituiu a anterior Direção-Geral dos Impostos e a Direção-Geral dos Direitos Aduaneiros. Suponho que o modelo será um bocadinho inspirado nesse figurino. Se permitir melhorias de gestão, de eficiência ao nível da gestão da administração pública é um modelo bem-vindo. Mas é preciso esperar para ver exatamente o que é que vai sair desta reforma“, disse.

Nazaré da Costa Cabral, presidente do Conselho das Finanças Públicas, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

“Falta de vontade política” na revisão de despesa

A presidente do CFP critica a “falta de vontade política” para levar a cabo “um verdadeiro sistema de revisão de despesa” do Estado, isto é, um exercício orçamental que analisa de forma detalhada e sistemática a despesa base do Estado, com o objetivo de gerir o nível agregado de despesas, identificar medidas de poupança ou de reafetação de verbas, criando margem orçamental e melhorando a sua eficácia.

Temos tido exercícios de revisão da despesa que são muito segmentados. Pega-se em pequenas coisinhas e faz-se um exercício de revisão na despesa específica para uma determinada área da despesa. Não é isso que se pretende quando se fala de revisão da despesa, é sim institucionalizá-la no conjunto dos serviços e departamentos da Administração Pública e ao nível de todos os programas orçamentais“, explica.

A revisão da despesa pública tem ficado aquém dos objetivos, segundo os alertas também de instituições como o Tribunal de Contas. Recentemente, a instituição concluiu que, após mais de dez anos após a primeira experiência, “este tipo de exercício não registou um nível de desenvolvimento que permita utilizá-lo como um instrumento significativo de apoio à gestão financeira pública”. No parecer à Conta Geral do Estado de 2023, contudo, assinala que se começaram “a criar relações efetivas, enquadradas em referenciais técnicos sólidos, com as entidades que se pretende que venham a desempenhar papéis relevantes nos processos de revisão da despesa”.

Temos tido exercícios de revisão da despesa que são muito segmentados. Não é isso que se pretende quando se fala de revisão da despesa, é sim institucionalizá-la no conjunto dos serviços e departamentos da Administração Pública e ao nível de todos os programas orçamentais.

Nazaré da Costa Cabral

Presidente do Conselho das Finanças Públicas

O Ministério das Finanças está a trabalhar num novo exercício de revisão da despesa e, no Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), prevê poupar 336,9 milhões de euros até 2027 com a identificação de despesa ineficiente e ineficaz e a ponderação de opções de poupança na saúde, no funcionamento das Administrações Públicas e de subvenções públicas.

Nazaré da Costa Cabral, que tem alertado para a necessidade destes exercícios serem consequentes nas suas conclusões, assinala que uma condição prévia para um exercício eficaz é programas de despesa com mecanismos de custeio de atividades associados. “Só quando tivemos esta identificação é que é possível identificar gastos desnecessários, gastos que não são prioritários e determinar a eliminação daquilo que efetivamente não é tão necessário ou daquilo que é mesmo supérfluo. Aí é que está o cerne de uma verdadeira revisão de despesa“, realça.

Para a responsável do CFP, existem agora “condições únicas” para avançar com este processo. “O Governo tem estado a trabalhar com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), esta tem prestado apoio técnico nesta nesta matéria, e há condições financeiras, porque há uma linha do Plano de Recuperação e Resiliência (PRRR) dedicada justamente a esta questão”, indica.

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