Contas certas e ausência de reformas atenuam impacto da crise política, afirmam economistas

A queda do Governo "não é um sinal bom" e pode adiar alguns projetos, mas não vai afetar o desempenho do país. E "há tempo para preparar o OE2026", defendem economistas consultados pelo ECO.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebeu o primeiro-ministro, Luís Montenegro, a 4 de março, véspera da votação da moção de censura do PCPLusa

Contas públicas equilibradas, ausência de reformas profundas e política de bloco central de PSD e PS vão atenuar o impacto, na economia, da crise política provocada pelo chumbo da moção de confiança e consequente queda do Governo de Luís Montenegro. A posição é unânime entre os economistas consultados pelo ECO: Carlos Tavares, António Nogueira Leite, Manuel Caldeira Cabral e Pedro Brinca.

Os especialistas consideram ainda que, com a convocação de eleições legislativas antecipadas para 11 ou 18 de maio, “há tempo” para preparar o Orçamento do Estado para 2026 (OE2026). Mas o novo Executivo terá de ser célere para conseguir entregar o documento na Assembleia da República até 10 de outubro.

“Não estou especialmente preocupado, porque o Governo não tem sido reformista, não há nenhuma reforma de fundo, o que se compreende porque o Governo é minoritário”, constata Carlos Tavares em declarações ao ECO. O antigo ministro da Economia do Governo de Durão Barroso considera que tem havido uma certa “política de continuidade” entre o anterior Executivo socialista e o atual, de Luís Montenegro, o que “é natural, tendo em conta a difícil geometria no Parlamento”.

António Nogueira Leite também afasta prejuízos graves para a economia, mas sobretudo porque as contas públicas estão equilibradas em Portugal. “Acho que a crise não vai afetar muito os resultados globais da economia este ano. Temos uma situação orçamental boa, temos margem, a dívida continua a descer”, defende o antigo secretário de Estado do Tesouro e das Finanças no Governo de António Guterres.

"Não estou especialmente preocupado, porque o Governo não tem sido reformista, não há nenhuma reforma de fundo, o que se compreende porque o Governo é minoritário.”

Carlos Tavares, antigo ministro da Economia

O Ministério das Finanças estima fechar 2024 com um excedente de 0,4% do PIB e uma dívida pública a baixar para 95,9%, mas outras instituições já apresentaram projeções mais generosas. Tanto a Comissão Europeia como o Banco de Portugal apontam para um saldo orçamental positivo de 0,6%. Quanto ao rácio da dívida, o regulador liderado por Mário Centeno acredita mesmo que poderá cair para 91,2%.

O saldo deverá encolher uma décima este ano, mas ainda mantém um superávite para 0,3%, de acordo com o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). E a dívida pública continuará a trajetória descendente, fixando-se em 93,3%, de acordo com o mesmo documento.

“Este Governo não seguiu uma política económica muito diferente da do anterior Governo, não fez nenhum inflexão, reforçou o IRS Jovem que já vinha do anterior Governo e manteve o equilíbrio das contas públicas. Não houve uma viragem“, sublinha Manuel Caldeira Cabral.

"Este Governo não seguiu uma política económica muito diferente da do anterior Governo, não fez nenhum inflexão, reforçou o IRS Jovem que já vinha do anterior Governo e manteve o equilíbrio das contas públicas. Não houve uma viragem.”

Manuel Caldeira Cabral, antigo ministro da Economia

O ex-ministro da Economia do primeiro Executivo de António Costa, prevê ainda que “um futuro Governo PS não deverá ter uma política muito diferente”. “Não há o risco de instabilidade que coloque em causa a credibilidade do país e o investimento estrangeiro”, conclui.

Pedro Brinca, docente de macroeconomia na Nova SBE, alinha pelo mesmo diapasão: “Não há alterações estruturais no país nem este Governo assumiu medidas corajosas, são mais de gestão, de mercearia. E estamos a viver um momento ímpar na história das contas públicas e ainda recentemente houve um upgrade no rating da dívida pública, por isso não creio que estas eleições possam colocar isso em causa a performance da economia. Não vejo aí grande questão”.

"Acho que a crise não vai afetar muito os resultados globais da economia este ano. Temos uma situação orçamental boa, temos margem, a dívida continua a descer.”

António Nogueira Leite, antigo ministro da Economia

Na semana passada, a 28 de fevereiro, a Standard & Poor’s decidiu subir o rating de Portugal de A- para A, com perspetiva positiva. Mas, na altura, agência ainda afastava o cenário de eleições antecipadas em 2025. De lá para cá, o contexto político alterou-se, com Luís Montenegro acenar com uma moção de confiança, que tem o destino traçado: chumbo e consequente demissão do Governo.

Os economistas ouvidos pelo ECO defendem ainda que, com a ida às urnas a 11 ou 18 de maio, é perfeitamente possível preparar o Orçamento do Estado para 2026 (OE2026) e entregá-lo na Assembleia da República até 10 de outubro.

"Estamos a viver um momento ímpar na história das contas públicas e ainda recentemente houve um upgrade no rating da dívida pública, por isso não creio que estas eleições possam colocar isso em causa a performance da economia.”

Pedro Brinca, professor de macroeconomia na Nova SBE

“Há tempo para elaborar o Orçamento do Estado”, salienta Pedro Brinca. “Há perfeitamente tempo para elaborar o OE2026”, repete Nogueira Leite. Do mesmo modo, Caldeira Cabral sublinha que “o processo orçamental não fica afetado, porque há tempo”. No entanto, alerta, “o Governo que entrar em funções terá de trabalhar apressadamente para entregar o OE2026 em outubro”.

O antigo ministro da Economia admite ainda o cenário de “um orçamento retificativo”, caso o PS ganhe as eleições, mas considera que “a prioridade será antes trabalhar no Orçamento do Estado para 2026”.

“Mais um grão na engrenagem”

O primeiro-ministro, Luís Montenegro preside à reunião do Conselho de Ministros, nas novas instalações no Campus XXI em Lisboa, 8 de agosto de 2024. MIGUEL A. LOPES/LUSAMIGUEL A. LOPES/LUSA

Apesar de afastarem impactos negativos para economia, os especialistas alertam para investimentos e projetos que serão adiados. No caso da execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), António Nogueira Leite considera que esta crise política vai ser “mais um grão na engrenagem”.

“Haverá decisões adiadas, estratégias de políticas públicas paradas. Esses são aspetos maus. E a execução de alguns projetos e investimentos, designadamente do PRR podem ser adiados. Pode haver atrasos e perda do poder negocial do Governo com as entidades privadas“, alerta Manuel Caldeira Cabral. Para além disso, “é um sinal, em termos internacionais, que não é bom para a imagem do país”, acrescentou.

De igual modo, Pedro Brinca avisa que “esta instabilidade é contraproducente, porque há trabalhos que vão ser interrompidos”.

Já em relação a grandes obras públicas como o novo aeroporto de Lisboa no Campo de Tiros de Alcochete ou à linha ferroviária de alta velocidade, Caldeira Cabral acredita que poderão continuar a avançar, porque “há um consenso entre os dois maiores partidos”, PSD e PS. “Não haverá uma grande diferença nas decisões e nos timings, frisa.

Para evitar adiamento de projetos, Carlos Tavares defende uma “Administração Pública forte capaz de executar os programas que já estão definidos, independentemente dos governos em funções”. “A Bélgica teve dois anos sem Governo em plena crise financeira e passou relativamente bem”, exemplificou.

Mas, “em Portugal, é muito negativo que os dirigentes da Administração Pública estejam dependentes, ligados aos governos, é isso que cria instabilidade”, criticou.

Risco de nova crise política

E depois das eleições? Os quatro economistas apontam para a manutenção do pântano político atual. “Provavelmente vamos ter um Governo com um potencial de governabilidade que não será muito melhor do que este“, sinaliza Manuel Caldeira Cabral.

Pedro Brinca também não acredita que, “das próximas eleições saia uma maioria absoluta”. “É mais provável uma maioria relativa com PSD e IL ou com PS e a restante esquerda. Havendo uma clarificação e maior estabilidade governativa, as eleições podem ser positivas”, aponta.

Para Nogueira Leite, “o maior problema é esta dificuldade, na Assembleia da República, em construir e manter maiorias estáveis”. “É um sinal que se vai ampliando e isso é muito mau, tanto em Portugal como no resto da Europa. Se continuarmos a repetir estes episódios, vamos dando combustível quem não gosta deste sistema de democracia e prefere ditaduras de esquerda ou direita”, alerta.

Caso o próximo ato eleitoral não seja suficientemente clarificador e voltarmos a ter um Governo sem uma maioria confortável no Parlamento, há o risco de nova crise política. Aí, os impactos negativos na economia poderão ser mais graves. E há ainda o risco de eventual chumbo do OE2026, sendo que, nessa altura, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, está impedido de convocar eleições, porque está nos seis meses que antecedem o fim do mandato.

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