A história da Padaria Portuguesa que os espanhóis querem levar para “outros sítios do globo”
O negócio dos primos Nuno Carvalho e José Diogo Quintela, criado há 15 anos a partir de uma fábrica de Samora Correia, vai "voar para Espanha" e outros países após a aquisição do grupo Rodilla.
A Padaria Portuguesa deixou de ser (tão) portuguesa ao fim de 15 anos. O negócio dos primos José Diogo Quintela e Nuno Carvalho, que encheu Lisboa com as padarias dos mosaicos alaranjados e croissants brioche, foi comprado pelos espanhóis da Rodilla, o grupo de restauração da cervejeira Damm. O investimento vai levar a insígnia para o país vizinho e outras geografias.
“Estamos ansiosos por ver A Padaria Portuguesa continuar a crescer em Portugal e, sobretudo, voar para Espanha e outros sítios do globo”, escreveu esta quinta-feira o fundador e CEO da Padaria Portuguesa, Nuno Carvalho, numa publicação na rede social Linkedin. Nuno Carvalho tinha 32 anos quando deixou a Jerónimo Martins para se lançar num projeto que procurava replicar o modelo de cadeia – como se vêm em supermercados, restaurantes ou lojas de roupa – para o pão.
Oito dezenas de lojas, duas fábricas e um centro logístico depois, Nuno Carvalho não têm dúvidas de que conseguiu cumprir o que idealizou. “Sinto um enorme orgulho por ter criado e desenvolvido uma marca que se tornou uma das mais relevantes do país e, muito importante, com grande reconhecimento internacional. Este sucesso é fruto de uma década e meia de muito trabalho, sempre com um forte foco no consumidor, levado a cabo por uma equipa extraordinária, por quem tenho uma enorme admiração e eterna gratidão”, comentou após a assinatura do acordo com a Rodilla.
Em comum com o grupo Rodilla, composto pelas marcas Rodilla, Hamburguesa Nostra, Vaca Nostra, Café de Indias e Jamaica, tem a fundação familiar: um em 2010 numa fábrica em Samora Correia e o outro em 1939 em Madrid. Agora, as sandes de ensaladilla pensadas pelo empreendedor Antonio Rodilla vão conviver lado a lado com os pães de Deus made in Padaria Portuguesa.
Continuo a ver A Padaria Portuguesa como um verdadeiro diamante em bruto, com um enorme potencial de crescimento. Encontrámos no Grupo Rodilla as características ideais – nomeadamente solidez financeira, competências de gestão, valores familiares e um forte enfoque no desenvolvimento das pessoas – para acelerar o ciclo de investimento e expansão da marca, cujo cenário natural de atuação passa agora a ser a Península Ibérica, levando-a a novos patamares.
A partir do centro da capital, mais precisamente no Areeiro, a Padaria Portuguesa foi-se expandindo para cidades como Porto, Setúbal ou zonas contíguas, nomeadamente o Estoril. Hoje, tem 84 lojas no país, sendo que a mais recente abriu portas no passado mês de abril.
Trata-se da segunda na baixa da cidade Invicta e a sexta na zona do Grande Porto. O espaço ocupa uma área de 150 metros quadrados na Rua de Sá da Bandeira, em frente à praça D. João I. A operação foi acompanhada pela promotora imobiliária Cushman & Wakefield, em representação do proprietário, o fundo Valor Prime, gerido pelo Montepio Gestão de Ativos.
Além das padarias tradicionais de bairro, a Padaria Portuguesa enfrenta concorrência de cadeias internacionais que se continuam a expandir em Portugal e se instalam nas artérias comerciais mais emblemáticas. É o caso da Starbucks e a Paul, da conterrânea Gleba, que se destaca pelo pão de fermentação lenta, e dos hipermercados Continente, Pingo Doce ou Auchan, cujas secções de padaria se têm desenvolvido e nalguns existem mesmo espaços de cafetaria.
É esse o principal motivo pelo qual se tem tentado reinventar. No início do ano, enquanto ainda decorria o processo de venda, a Padaria Portuguesa realizou uma campanha publicitária, que envolveu a mudança do logótipo, para promover a versão “restaurante” da empresa e informar sobre o reforço da oferta de opções para almoço (dois pratos do dia em todas as lojas) de forma a tentar conquistar outros públicos, quiçá mais fiéis.
Em entrevista ao M+, a diretora de marketing admitiu que o maior desafio nesta área é conseguir “trazer novos clientes para a marca”, porque “há muita concorrência, procura e oferta”, o que torna o processo mais “difícil”.
“Limpámos muito as lojas, que estavam muito ‘poluídas’ de comunicação. Quisemos limpar esse ruído visual para que as pessoas gostassem mais de estar nas nossas lojas. Os pontos de comunicação que temos hoje nas lojas são, estrategicamente, muito bem escolhidos”, adiantou Rita Neto.
Em marcha está um plano de expansão, que prevê a abertura de, pelo menos, mais 40 lojas até 2028 na Grande Lisboa e no Porto para atingir os 120 espaços nos próximos três anos. O investimento da panificadora, no valor total de 16 milhões de euros, envolve a criação de até 600 postos de trabalho para atingir os 1.600 colaboradores. O objetivo é que a faturação supere os 80 milhões de euros, praticamente o dobro dos cerca de 44 milhões de euros de volume de negócio registado em 2024. Os novos donos consideram-na “um caso de sucesso desde a sua fundação”.
“No Grupo Rodilla, estamos empenhados em continuar a impulsionar o seu crescimento”, garantiu a CEO, María Carceller Arce, acrescentando que em comum valorizam “a proximidade, bem como o caráter artesanal na produção diária dos nossos produtos, com matérias-primas da mais alta qualidade”.
Por detrás do grupo Rodilla está a cervejeira Damm, desde 2015. A Damm é uma empresa com histórico de investimentos em Portugal, porque além de ter uma das maiores empresas do distrito de Santarém – antiga Font Salem, onde foi produzida a cerveja Cintra –, em 2012 comprou à Sumol+Compal a marca de cerveja Tagus por cerca de 2,6 milhões de euros.
O ECO tentou contactar a gestão nacional d’A Padaria Portuguesa e a Rodilla para perceber se haverá alterações ao plano anunciado em 2024, mas até ao momento não foi possível obter comentários.
Tesouraria deixou de ‘fermentar’ na pandemia
Em 2023, segundo os últimos dados disponíveis, os lucros foram de 1,63 milhões de euros, acima do resultado líquido de 886 mil euros contabilizado em 2022 e positivo comparativamente aos prejuízos de 3,4 milhões de euros e 1,6 milhões de euros em 2020 e 2021, respetivamente. Certo é que foi o efeito Covid-19, dado que em 2019 havia lucrado 1,3 milhões.
A empresa tinha 905 trabalhadores em 2023 – dos quais 60% mulheres –, com um custo médio de 17.620 euros por funcionário, mas entretanto voltou a ultrapassar a barreira de um milhar.
O capital próprio é de 3,6 milhões de euros. Até esta aquisição para uma “Padaria Ibérica”, a sociedade A Padaria Portuguesa CQ – Atividades Hoteleiras tinha perto de uma dezena de acionistas. O principal, após um reforço da anterior participação, era a Nutelo – Gestão, Comunicação e Marketing, de Nuno Carvalho (25%), seguindo-se a ZDQ, Lda. (16,67%), que pertence ao humorista José Diogo Quintela (16,67%), uma cara conhecida do público após saltar para a ribalta com o programa Gato Fedorenho. Atualmente, é uma das vozes do podcast Assim Vamos Ter de Falar de Outra Maneira ao lado dos antigos colegas Ricardo Araújo Pereira e Miguel Góis.
Foi neste contexto financeiro que a empresa foi posta à venda em dezembro, num processo coordenado pelo Haitong, de acordo com o Jornal Económico. Para trás ficou um histórico de polémicas de liderança, com declarações como “o espírito de equipa vale muito mais do que salário base” ou a carta aberta, escrita em 2020, para o então ministro da Economia Pedro Siza Vieira com pedidos urgentes de medidas de apoio às empresas.
A opinião dos portugueses: 5/10
O índice de satisfação dos portugueses com a empresa está nos 53,6 pontos em 100, de acordo com o Portal da Queixa. No ano passado, a insatisfação dos consumidores em Portugal aumentou com uma subida de 20% no número de reclamações registadas em comparação a 2023. Aliás, na categoria à qual pertence – Pastelarias e Cafetarias – foi a segunda marca com o maior volume de reclamações (17,1%).
Quase metade das queixas (47,2%) se deve a problemas no atendimento por alegada falta de simpatia, eficiência ou profissionalismo dos funcionários. Seguem-se a insatisfação com os preços (22,2%), considerados elevados ou injustos, e depois (16,7%) a qualidade do produto (sabor, frescura ou apresentação). A falta de higiene e a existência de pragas foi justificada em apenas 5,6% das denúncias feitas nesta rede social de reclamações.
Cronologia da empresa até à venda
- 2009 – Nasce a ideia da Padaria Portuguesa, “uma padaria à medida dos portugueses” com inspiração vinda das grandes metrópoles da Europa, como Paris, Londres e Berlim.
- 2010 – Fundação da empresa. Quatro anos depois, contavam-se 25 lojas espalhadas por Lisboa.
- 2017 – Abrem-se as portas da fábrica de Marvila para produzir diariamente “milhares” de pães e bolos para as 50 padarias da marca.
- 2018 – É inaugurado o centro de inovação da Padaria Portuguesa, chamado LAB, onde é criada a nova gama de pão artesanal, com farinhas de moleiro e massa mãe.
- 2020 – Em plena pandemia, a empresa dedicada ao fabrico artesanal de pão e bolos vê-se obrigada a investir (mais) na digitalização, lança uma aplicação móvel (app) e entra nas plataformas de entrega ao domicílio, como Uber Eats, Glovo ou Bolt Food, para compensar os constrangimentos nas vendas presenciais durante o confinamento. É também o ano em que se começa a vender produtos de mercearia, uma oferta que se mantém.
- 2023 – Abertura da fábrica do Bom Sucesso (Porto).
- 2024 – Padaria Portuguesa anuncia plano de expansão até 2028.
- 2025 – Espanhóis da Rodillha chegam a acordo para aquisição da Padaria Portuguesa.
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