ECO da campanha. Favoritos em catenaccio e almirante a ‘trinco’ para Belém

A dois dias do fecho da campanha, avanço de Gouveia e Melo para a Presidência contamina o debate das legislativas, em que a tática de Montenegro e Pedro Nuno continua a ser não arriscar um milímetro.

“Não há dúvidas. Vou ser mesmo candidato”. O anúncio de Henrique Gouveia e Melo de que avançará mesmo para a Presidência da República caiu como uma bomba na campanha eleitoral para as legislativas, quando ficam a faltar apenas dois dias na estrada. A candidatura será anunciada formalmente no dia 29 de maio, mas o almirante disse à Renascença que, caso seja eleito, pode “contribuir de forma muito decisiva para a estruturação da política de médio e longo prazo, com uma visão estratégica, e para as reformas estruturais que há muitos anos estão por fazer na sociedade portuguesa”.

As reações à direita não tardaram. Numa metalomecânica em Pombal, o líder da Iniciativa Liberal falou num “mau princípio” em termos de protagonismo, quando esperava que o próximo Presidente fosse “mais equilibrado do ponto de vista da sua presença mediática”. “Não me parece que tenha começado muito bem”, completou Rui Rocha.

“Anunciar a candidatura em plena campanha eleitoral não deixa de ser curioso. É para desviar atenções quer do PS quer do PSD, que têm líderes tão fraquinhos que estão totalmente fora dela”, atirou Pedro Pinto, que rendeu André Ventura durante uma arruada do Chega em Vila Nova de Milfontes (ver abaixo).

Pedro Nuno Santos preferiu não fazer comentários, embora tenha deixado uma crítica implícita ao timing do anúncio, ao dizer que “estamos numa campanha para as legislativas e é nisso que [está] focado”. Porém, ao seu lado numa arruada em Setúbal, o histórico Augusto Santos Silva concretizou que “trata-se de uma pessoa que muda de opinião muito facilmente” e que “parece não perceber a diferença” entre legislativas e presidenciais. À hora da publicação deste artigo, a AD ainda não se tinha pronunciado sobre a novidade para as presidenciais.

Mais à esquerda, CDU e Bloco evitaram ‘morder o isco’ da candidatura presidencial. Paulo Raimundo disse apenas que “anunciar agora é uma opção dele”, ironizando que “notícia seria se não fosse candidato” a Belém. Mariana Mortágua recusou-se mesmo a comentar o tema, apesar da insistência dos jornalistas: “Eu quero falar sobre trabalho por turnos, sobre horas extra, sobre o país que tem os mais longos horários de trabalho, com salários mais curtos e os preços das casas mais caros”. Já Rui Tavares, do Livre, foi explícito na crítica: “Vivemos em democracia e, evidentemente, que o tempo é criticável”.

Se Henrique Gouveia e Melo se posicionou para alinhar na posição de trinco no jogo de Belém, com o objetivo de segurar a vantagem que todas as sondagens lhe atribuem, os favoritos às legislativas preferiram a tática do catenaccio, celebrizada no futebol em Itália e caracterizada pela postura defensiva e pelo pragmatismo.

Pedro Nuno Santos, que acordara com mais uma sondagem desfavorável, dando o PS em queda livre e em risco de obter o pior resultado eleitoral desde os anos 1990, voltou a não se desviar do guião dos últimos dias. Em Setúbal, pediu o voto da “muita gente [que] votou na AD e que hoje está envergonhada” com um “primeiro-ministro que mistura política com negócios”. Ambicionando que “esse eleitorado sinta que pode confiar no PS”.

A Norte, Luís Montenegro também continuou sem arriscar no discurso nesta reta final da campanha, que só Gouveia e Melo conseguiu mesmo animar. Em Arcos de Valdevez, voltou a apelar ao voto útil daqueles que “estão cansados de eleições e preocupados com a estabilidade política, que tem de poder juntar-se à estabilidade social, económica e financeira do país”. E ao almoço, em Vila Verde, onde se apresentou como o líder da “candidatura mais popular, abrangente, interclassista e mesmo do povo”, o líder da AD insistiu que “todos os outros [partidos] causam instabilidade” e só se unem para “destruir”.

O que também já não confere propriamente novidade nesta campanha, que cumpriu o 11º dia na estrada, é o debate sobre a governabilidade a partir de segunda-feira. À direita e à esquerda. O líder da Iniciativa Liberal recusou um “entendimento a qualquer preço” com a AD, que “não é para ficar tudo na mesma”, com Rui Rocha a sublinhar ainda que o chamado voto útil é “um voto fraco e de secretaria, com uma ideia de estabilidade que nem conseguiram concretizar”.

No espetro político oposto, continua a ser o Livre que mais fala de entendimentos depois da ida às urnas no domingo. Rui Tavares assume que está mais do que quebrado o “tabu da governação”.

“Tem de ser assumido sem nenhuns complexos porque quando se forma um partido e nos apresentamos ao escrutínio é porque temos ideias e quadros suficientemente bons para poder governar o país”, afirmou, contrapondo que quem nada diz sobre pretensões e cenários pós-eleitorais sai mais prejudicado porque não abre o jogo ao eleitorado.

Com prejuízo democrático maior podem ficar muitos emigrantes que a poucos dias das legislativas ainda não receberam o boletim para votar por via postal ou não estão inscritos nas listas eleitorais por terem alterado a morada, como denunciou à Lusa o vice-presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), Paulo Marques, que vive em França.

Para os círculos pela emigração portuguesa (Europa e Fora da Europa) estão recenseados 1.584.499 eleitores, mais 37.752 do que nas últimas legislativas. No ano passado, o Chega obteve dois deputados e a AD e o PS apenas um mandato cada.

 

Tema quente

Spinum(está)viva.

A notícia desta manhã de que a Spinumviva continua a ter sede na casa de Luís Montenegro em Espinho e que, de acordo com os registos comerciais, a única alteração feita nas últimas semanas foi a oficialização da saída da mulher como gerente, voltou a trazer o caso da empresa familiar do candidato da AD para a campanha eleitoral. Primeiro numa arruada em Arcos de Valdevez e depois num almoço em Vila Verde, Montenegro recusou responder às perguntas dos jornalistas.

Seguindo a estratégia adotada para esta reta final da campanha, Pedro Nuno Santos voltou a ignorar a Spinumviva nos discursos – falou antes na “mentira sistemática” da AD… nas pensões –, e deixou ao convidado Álvaro Beleza as ‘despesas’ deste caso. Assumido “socialista liberal, mais centrista do que a maioria do partido”, o presidente da SEDES elogiou o secretário-geral do PS, dizendo que “pode ter muitos defeitos, mas é transparente”, ao contrário de “alguns artistas que andam por aí”.

Mais explícitos foram os restantes partidos na referência ao caso. Foi o caso da líder do PAN, Inês de Sousa Real, que à margem de uma ação de campanha no Mercado Municipal de Faro referiu que “não são estas eleições que vão tirar as dúvidas que persistem (…) nomeadamente naquilo que diz respeito ao facto de não ter separado a sua vida privada daquilo que é o cargo de primeiro-ministro”. Que exige estar “acima e isento de qualquer suspeição e de qualquer conflito de interesses que possa persistir”.

“A Spinumviva é Luís Montenegro. Não existe Spinumviva para além de Luís Montenegro. Luís Montenegro era, é e continua a ser a Spinumviva. Quem pensa em votar AD deve lembrar-se que está a votar num homem que, quando era primeiro-ministro, recebeu avenças de uma empresa da sua esfera pessoal, sabendo que não as devia receber”, criticou Mariana Mortágua, líder do Bloco de Esquerda, à margem de uma ação de campanha em Santa Maria da Feira.

O porta-voz do Livre concordou que “isto não é um percalço na campanha, mas um problema estrutural na carreira de Luís Montenegro”. Depois da tradicional pedalada que o partido faz em todas as campanhas, Rui Tavares falou em “pontas soltas” e frisou que “seria mau para o país” se conseguisse uma “validação eleitoral do que foi a sua estratégia”.

“Está é a fazer mal à democracia portuguesa e isso é um preço que se vai pagar sempre. Pagaremos todos mais à frente”, acrescentou, atirando também à Iniciativa Liberal por não ter “coragem política para dizer a Montenegro que isto assim não pode continuar”.

 

A figura

Ventura fora da campanha após “episódio muito assustador”

André Ventura esteve ausente da campanha eleitoral esta quarta-feira, dia em que tinha uma ação agendada para a tarde em Vila Nova de Milfontes, depois de na noite anterior se ter sentido mal enquanto discursava num comício em Tavira. Num vídeo publicado na rede social Instagram, gravado num hotel, o líder do Chega descreveu um “episódio muito assustador que [teve] pela primeira vez na vida” e agradeceu “de coração” o apoio recebido e o tratamento dos profissionais de saúde.

“Ainda não vou poder estar hoje na campanha, não me sinto ainda capaz disso. Estou a fazer essa recuperação por indicação dos médicos. Não devo fazê-lo, mas a campanha tem de continuar, temos de continuar a chegar às pessoas. Não estou ainda de regresso, mas é como se tivesse. Temos de continuar na luta”, referiu Ventura, que terá sofrido um espasmo esofágico resultante de problemas de refluxo gástrico, associado a um pico de tensão.

Ao final da tarde, durante a arruada no Alentejo, questionado sobre o protocolo VIP que permitiu a André Ventura ficar num quarto com mais privacidade, o líder parlamentar do Chega alegou que “é um líder político especial porque é ameaçado e atacado nas ruas”.

“Não podem querer que André Ventura vá para uma cama onde ao lado esteja alguém de etnia cigana. Temos de perceber que existe um protocolo. Estamos a falar do líder de um partido político, da terceira força política em Portugal”, disse Pedro Pinto.

A frase

"Temos tido recetividade e bom espírito [do eleitorado jovem]. Este ambiente até me deixa um bocadinho embrulhado.”

Paulo Raimundo

Secretário-geral do PCP

 

A surpresa

Joana Amaral Dias interrompe campanha do PS e irrita Pedro Nuno

– O povo quer saber. Eu faço o papel que me pedem.

– Não, não fazes. Tu enganas as pessoas.

– Devolveu os 203 mil euros?

– Seja séria. Não minta.

– As viagens aconteceram?

– Não seja mentirosa.

Andava Pedro Nuno Santos em campanha em Setúbal quando foi confrontado por Joana Amaral Dias, candidata do ADN, sobre o caso dos subsídios de deslocação e ajudas de custo que o então deputado do PS recebeu durante quase dez anos, até 2015, por declarar a residência em São João da Madeira, a cerca de 285 quilómetros, apesar de ter casa e de morar já nessa altura em Lisboa.

Foi já na reta final da visita ao Mercado do Livramento que se verificou este momento tenso e que surpreendeu e irritou o secretário-geral do PS. Durante alguns segundos, Pedro Nuno Santos foi seguido aos gritos pela ex-bloquista Joana Amaral Dias, até se dirigir ao balcão de um café, onde se juntaram vários apoiantes socialistas à volta do líder.

 

Prova dos 9

"Há muitos portugueses que, perante fenómenos de criminalidade violenta – por exemplo, o aumento da criminalidade grupal, da delinquência juvenil –, vão criando um sentimento de insegurança que é preciso travar e inverter.”

Luís Montenegro

Líder da AD

O mais recente Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), divulgado no final de março, mostrou que a criminalidade geral diminui 4,6% no ano passado, mas que as participações às autoridades em casos de criminalidade violenta aumentaram 2,6% face ao ano anterior.

No que toca à delinquência juvenil – definida como “a prática de qualquer crime por jovens entre os 12 e os 16 anos” –, os 2.062 casos registados em Portugal equivaleram a uma subida de 12,5% em relação a 2023, com o mesmo documento oficial a reportar um aumento de 6,8% nos ilícitos praticados em contexto escolar e um predomínio dos crimes de natureza sexual.

A 31 de dezembro de 2024 encontravam-se internados em centros educativos um total de 151 jovens (mais 23 do que no final do ano anterior). Entre as principais tipologias, o RASI destacou os crimes contra as pessoas, as ofensas corporais voluntárias simples e graves, a ameaça e coação, a difamação, calúnia e injúria.

No que toca ao sentimento de insegurança, o diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, atribui-o antes ao aumento da “desinformação, fake news e ameaças híbridas”. Crítico da “polarização da discussão” em torno deste tema, responsabilizou também os media por essa perceção: “Temos hoje vários canais de televisão que passam uma e outra vez aquilo que é notícia de um crime, [o que] cria uma ideia de insegurança que não tem a ver com a insegurança plena do crime” do ponto de vista estatístico.

Nessa ocasião, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, concordou com a tese da desinformação e sublinhou que “nunca foi o Governo que misturou” segurança com imigração. Frisou que os crimes devem ser investigados e julgados “por si” e “sem olhar à raça, à nacionalidade, à cor da pele, ao credo religioso”.

“A cor da pele, a nacionalidade, não são razões nem para perseguir nem para ser excluído de investigação”, completou o ministro com a tutela da pasta da imigração.

Conclusão: tendencialmente correto.

Norte-Sul

No 11º dia de campanha, a caravana de Montenegro começou o dia com um contacto com a população em Arcos de Valdevez, parando para almoçar em Vila Verde, antes de seguir viagem até Braga para terminar o dia com um comício. Ainda a Norte, Mariana Mortágua esteve em Santa Maria da Feira num encontro com trabalhadores por turnos durante a manhã e continuou em Aveiro num comício com Luís Fazenda, cabeça de lista por aquele círculo.

No entanto, foi Setúbal que recebeu o maior número de líderes partidários esta quarta-feira. No caso do PS, desde o amanhecer numa visita ao Mercado do Livramento até ao anoitecer com um comício. Pelo meio, almoçou em Almada. Não muito longe, Paulo Raimundo começou o dia em Loures, almoçou com estudantes em Lisboa e dali rumou para um desfile em Setúbal.

Por sua vez, o PAN de Inês Sousa Real arrancou o dia em Faro, partiu do Algarve para Almada, para uma reunião com o Conselho de Administração do Hospital Garcia de Orta. O porta-voz do Livre, Rui Tavares, ficou por uma pedalada em Lisboa e a IL esteve no mercado da vila em Cascais e viajou depois para Pombal e Leiria.

Esta quinta-feira, o penúltimo dia, o Porto será a capital da campanha. É por lá que andarão a AD – Montenegro visita a exposição “Francisco Sá Carneiro e a Construção da Democracia” na Câmara Municipal do Porto, almoça em Gondomar e ao final da tarde (18h) desce a Rua Santa Catarina e faz um comício na Praça D. João I – e também o PS – no caso de Pedro Nuno Santos, começa com uma visita à feira de Gondomar, almoça em Paços de Ferreira e, uma hora antes de Montenegro (17h) vai também percorrer Santa Catarina, no Porto.

À direita, naquele que deverá ser o dia de regresso de Ventura à campanha, o Chega tem previstas arruada em Odemira e Pegões, enquanto Rui Rocha andará pela região do Porto: primeiro no Externato de Vila Meã e depois com um “arraial liberal” no Jardim de Arca D’Água.

À esquerda, o Bloco e o PAN estarão igualmente na Invicta, enquanto a CDU se divide entre o Barreiro (desfile), Lisboa (almoço) e Beja (comício). O Livre visita o EVOA, um espaço natural e de observação de aves em Vila Franca de Xira, tem uma ação de rua em Alcântara (Lisboa) e fecha o dia com um comício no Teatro Thalia, também na capital portuguesa.

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