Gouveia e Melo chamou holofotes e partidos não gostaram de “protagonismo desnecessário”

Em plena campanha para as legislativas, partidos criticam o momento do anúncio. Entre os politólogos, fala-se em "protagonismo desnecessário", mas também em equidistância face ao resultado de domingo.

Não há dúvidas. Vou ser mesmo candidato”. A frase é de Henrique Gouveia e Melo e desfaz o segredo mais mal guardado da política portuguesa, o de que seria candidato às presidenciais de janeiro do próximo ano. O timing porém apanhou a generalidade dos atores políticos de surpresa, em plena corrida para as legislativas. O momento da confirmação adiado durante meses foi criticado por dirigentes da direita à esquerda e é considerado por alguns especialistas como um “protagonismo desnecessário“.

No entanto, há quem admita que a estratégia pode passar por demarcar-se de qualquer leitura da candidatura face ao resultado de domingo. Certo é que contraria a ideia prometida em março pelo ex-chefe do Estado Maior da Armada de não querer “ruído” enquanto decorre a discussão para as eleições de 18 de maio.

Em entrevista à Renascença divulgada na quarta-feira, Henrique Gouveia e Melo assumiu: “A minha decisão é avançar com a minha candidatura à Presidência da República… Ela será anunciada formalmente no dia 29 de maio“. O Almirante, que abandonou a Marinha no final do ano passado, justificou a decisão de concorrer com a conjuntura internacional e a “instabilidade” interna.

A minha decisão é avançar com a minha candidatura à Presidência da República… Ela será anunciada formalmente no dia 29 de maio.

Henrique Gouveia e Melo

Candidato às eleições presidenciais de 2026

É revelado o segredo mais mal guardado da política portuguesa nos últimos tempos. Não há nenhuma surpresa na decisão em si. Apesar de tudo, há um erro na escolha do momento do anúncio“, considera Bruno Ferreira Costa, professor de Ciência Política da Universidade da Beira Interior, em declarações ao ECO. Para o politólogo, “o Presidente da República ou os candidatos presidenciais devem estar acima da luta partidária” e “este é um momento muito relevante dessa a luta”.

A confirmação também contraria as declarações de Henrique Gouveia e Melo, que em março remeteu para depois das eleições legislativas a decisão sobre se candidataria às presidenciais, para não contribuir com aquilo que considerou ser um ruído desnecessário. “Não quero contribuir nesta fase para um ruído que acho que é desnecessário na altura em que estamos concentrados nas eleições legislativas“, disse Gouveia e Melo em declarações aos jornalista à margem da primeira iniciativa da associação Honrar Portugal, que decorreu em Arouca, no distrito de Aveiro, citado na altura pela Lusa.

Agora à Renascença justifica a antecipação. “Tento não influenciar, em eleições que têm a ver com os partidos políticos. No entanto, o tempo para o anúncio da minha candidatura começa a ser curto, porque preciso de enviar convites para a cerimónia. E portanto seria, como se diz (risos), um segredo muito mal guardado. E pronto, tenho esta oportunidade para dizer de viva voz que vou verdadeiramente ser candidato”, disse.

Para Bruno Ferreira Costa, o anúncio a poucos dias das eleições legislativas “cria um protagonismo quando os olhos estão virados para a campanha legislativa, para os debates, para os programas”. “Houve um erro de estratégia. Uma necessidade, se calhar, de surgir nos media que era desnecessária“, aponta.

O ex-chefe de Estado Maior da Armada, Henrique Gouveia e Melo, participa no debate “O Papel de Portugal no mundo”, da convenção “Pensar Portugal”, na Faculdade de Direito, em Lisboa, 25 de fevereiro de 2025. Organizada pela SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) Jovem, a convenção junta lideres, especialistas e jovens para debater os temas mais relevantes da atualidade. ANDRÉ KOSTERS/LUSAANDRÉ KOSTERS/LUSA

Uma posição já vocalizada pelo líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha. “Creio que houve uma referência do candidato Gouveia e Melo ao facto de não querer ser protagonista, mas parece-me um mau princípio que alguém que se candidata a uma outra eleição espere por três dias antes das eleições legislativas para se apresentar, parecendo que é um candidato que quer, de facto, fazer uma abordagem em que é o foco“, criticou na quarta-feira em declarações aos jornalistas à margem de uma ação de campanha.

Para o Chega, o anúncio serve para “desviar as atenções”, com o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, a assinalar que André Ventura ainda não retirou a candidatura presidencial, de acordo com o Expresso. O momento de confirmação da candidatura teve o condão de unir a posição do porta-voz do Livre à direita.

Rui Tavares sublinhou que o mais recém-candidato ao lugar de Marcelo Rebelo de Sousa “tem todo o direto de se candidatar e de anunciar a sua candidatura a Presidente da República quando quiser”, mas defendeu que “quem quer ter altas responsabilidades de Estado tem que se habituar a respeitar os tempos das várias instituições“.

O dirigente do Livre considerou que o país está em campanha eleitoral para a eleição de um órgão de soberania, que é a Assembleia da República, que vai determinar a formação de outro órgão de soberania, que é o Governo da República Portuguesa, pelo que realçou que “é bom sinal quando estes tempos são respeitados”.

Também a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, não se mostrou fã do timing de Gouveia e Melo, apesar de reconhecer que “faz parte da democracia”. “O dia 18 de maio é demasiado importante para a vida dos portugueses para que seja de alguma forma menosprezado e para que não se coloque o foco naquilo que temos, a este tempo, que estar a discutir”, disse Inês de Sousa Real.

À esquerda, PS, Bloco de Esquerda e CDU não entraram no jogo. Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua recusaram-se a comentar o tema, apesar da insistência dos jornalistas, enquanto Paulo Raimundo disse apenas que “anunciar agora é uma opção dele”, ironizando que “notícia seria se não fosse candidato” a Belém.

Ainda assim, o socialista e ex-Presidente da Assembleia da República António Augusto Silva atirou a Gouveia e Melo. “Primeiro, trata-se de uma pessoa que muda de opinião muito facilmente, em segundo lugar que se trata de uma pessoa que parece não perceber a diferença entre eleições legislativas e eleições presidenciais. Essas duas constatações significam dois recursos negativos para quem pretende ser Presidente da República”, afirmou em declarações aos jornalistas numa arruada do PS, em Setúbal, citado pela Lusa.

Aquele que é considerado um putativo candidato a Belém, que ainda não se excluiu da corrida, disse não conseguir compreender “porque é que as pessoas dizem uma coisa num momento e fazem uma coisa contrária no momento seguinte”. “Também não consigo perceber como é que as pessoas não têm um conhecimento mínimo da Constituição e não sabem fazer a distinção entre eleições”, insistiu, considerando que são “duas características negativas” de Gouveia e Melo.

O professor de Ciência Política Bruno Ferreira Costa aponta ainda um “segundo erro” na estratégia de comunicação de Gouveia e Melo: a data da apresentação oficial da candidatura, dia 29 de maio. “É um momento em que o país estará a debater as soluções de governabilidade, os convites para a composição do Governo. Este é um timing do atual Presidente e da representação parlamentar”, argumenta.

O politólogo aponta meados de junho, já depois da tomada de posse do Governo e da Assembleia da República, como um momento mais adequado. “Fazê-lo deste modo parece-me querer um protagonismo desnecessário”, afirma.

No entanto, embora reconheça que “o timing é um bocadinho peculiar“, André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, considera que o momento do anúncio que “corresponde a um anúncio que toda a gente espera também não é algo de extraordinariamente relevante” e daqui para a frente terá pouco peso no desempenho do candidato.

É uma não notícia porque é a formalização de algo que estava pré-anunciado. Ou seja, anunciar agora ou mais tarde em termos de fator surpresa é igual”, desvaloriza.

Ainda assim, o politólogo enquadra a questão sob um ângulo distinto e admite a hipótese de Gouveia e Melo querer “transmitir a noção de distância e independência“, onde o “resultado não tem relevância” na sua decisão, sobretudo um “resultado relativamente incerto“.

Paula Espírito Santo, professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa, alinha no mesmo argumento. “Pode interpretar-se o momento como uma demarcação político-partidária, porque acaba por se apresentar num momento de maior indefinição. É uma salvaguarda de Henrique Gouveia e Melo em relação à sua independência partidária, porque estamos neste momento em vésperas de eleições”, refere.

A politóloga vinca que, deste modo, “não há qualquer expetativa ou vínculo a associar a um Governo ou maioria parlamentar. Está a manter a estratégia de equidistância do sistema partidário“.

De acordo com sondagem mais recente sobre presidenciais (do CESOP – Universidade Católica Portuguesa para a RTP, Antena 1 e Público), divulgada no início de abril, 62% dos portugueses admitem votar no almirante nas eleições presidenciais de 2026. Em segundo lugar surge Luís Marques Mendes, com 44% das intenções, seguido de António José Seguro (33%), António Vitorino (27%), André Ventura (19%), Catarina Martins (17%), Mariana Leitão (15%), Sampaio da Nóvoa (13%) e Paulo Raimundo (8%).

Na entrevista à Renascença, Henrique Gouveia e Melo justifica a decisão de, após ter chegado a afirmar em 2023 que não se candidataria, voltar atrás, com a mudança do mundo desde essa data. “A guerra da Ucrânia agravou-se, a tensão na Europa também se agravou, e a eleição do Sr. Trump como Presidente dos Estados Unidos da América veio alterar a configuração internacional. Nós estamos perante uma nova tentativa de edificação de uma ordem mundial que pode ser perigosa, ou nos pode afetar de forma significativa… E também, de alguma forma, alguma instabilidade interna que se tem prolongado. Tudo isso fez-me mudar de opinião“, argumentou.

A guerra da Ucrânia agravou-se, a tensão na Europa também se agravou, e a eleição do Sr. Trump como Presidente dos Estados Unidos da América veio alterar a configuração internacional. Nós estamos perante uma nova tentativa de edificação de uma ordem mundial que pode ser perigosa, ou nos pode afetar de forma significativa… E também, de alguma forma, alguma instabilidade interna que se tem prolongado. Tudo isso fez-me mudar de opinião.

Henrique Gouveia e Melo

Candidato às eleições presidenciais de 2026

Apontou ainda a “instabilidade interna”, que “está aos olhos de todos”: “Temos tido governos de curta duração, não temos conseguido ter uma governação estável e, num mundo em mudança, mudando a própria ordem internacional, com uma guerra na Europa e uma instabilidade que põe em causa a própria NATO, que põe em causa o futuro da ordem mundial, todas estas coisas fizeram-me refletir e contribuíram para a minha motivação para avançar“, disse.

Caso vença prometa ainda um estilo diferente do atual inquilino do Palácio de Belém. “Somos pessoas muito diferentes e, caso os portugueses considerem que eu tenho condições para ser Presidente da República, a minha forma de atuar será muito diferente do atual Presidente“, disse, numa entrevista na qual também sublinhou que um chefe de Estado “pode contribuir de forma muito decisiva para a estruturação da política de médio e longo prazo, com uma visão estratégica, e para as reformas estruturais que há muitos anos estão por fazer na sociedade portuguesa”.

A candidatura de Gouveia e Melo junta-se assim à de Luís Marques Mendes, André Ventura e Mariana Leitão, numa altura em que na ala esquerda ainda se conhecem candidatos. Na área política do PS, António Vitorino e José António Seguro, a par de Augusto Santos Silva, continuam a ser nomes em cima da mesa.

Em fevereiro, entrou no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) o pedido de registo da marca presidencial “Movimento Gouveia e Melo Presidente”. Pouco tempo depois, ligada a este movimento, foi constituída em março a associação cívica “Honrar Portugal”, numa referência ao artigo de opinião escrito por Gouveia e Melo no Expresso em fevereiro.

Entre os apoiantes desta associação, estão o ex-presidente do Governo Regional da Madeira Alberto João Jardim, o ex-ministro da Administração Interna Ângelo Correia, o ex-líder parlamentar social-democrata Adão Silva, os presidentes das câmaras de Cascais, Carlos Carreiras, e de Oeiras, Isaltino Morais, ou o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros António Martins da Cruz, bem como o antigo líder do CDS Francisco Rodrigues dos Santos, o ex-chefe do Estado-Maior da Armada Melo Gomes, o ex-presidente da Câmara de Cascais António Capucho ou o ex-diretor-geral da Saúde Francisco George.

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