Têxtil quer travar “maior fraude fiscal do século XXI na Europa”
Representantes do setor pedem mão firme para garantir a reciprocidade nas regras, garantindo que vendas através de plataformas, provenientes maioritariamente da China, cumprem as mesmas exigências.
De ano para ano são cada vez mais os pequenos pacotes que entram pela porta grande na União Europeia, sem pagar impostos e sem controlo. Vendidos a preços irrisórios por plataformas como a Shein ou a Temu, estas encomendas de baixo valor vêm concorrer com os produtos produzidos na região, que passam pelo crivo fino da legislação europeia.
Com oito mil milhões de pequenas embalagens previstas para entrar na Europa em 2025, Bruxelas prepara-se para aplicar uma taxa fixa de dois euros a estes artigos. Um valor que o setor considera meramente “simbólico”, alertando para as consequências de não se travar esta “passividade regulatória” que está a promover, o que classificam como “fraude fiscal” ou um “sistema bandido”, que ameaça os negócios, emprego e a própria estabilidade da União Europeia.
“Estamos perante a maior fraude fiscal do século XXI na Europa e os nossos governantes acham que vão discutir dois euros para aliviar as alfândegas“. As palavras duras são de César Araújo, presidente da ANIVEC (Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e de Confeção), e expressam a revolta do setor, que tem sido penalizado por uma concorrência, sobretudo chinesa, que classifica como desleal e desigual.
“O que pedimos é igualdade. As mercadorias têm que vir documentadas, com a fatura correta, têm que ir à Alfândega, pagar a taxa aduaneira, pagar o IVA. E só depois é entregue à casa da pessoa que comprou”.
“Não podemos criar um sistema bandido“, atira.

Com 4,6 mil milhões de encomendas de baixo valor – abaixo de 150 euros – a entrarem na União Europeia em 2024, quase o dobro dos 2,4 mil milhões registados em 2023, César Araújo alerta que, em 2025, se espera que sejam importados entre oito e 10 mil milhões destes pacotes de baixo valor.
“Não entra só roupa. Entra armas, droga, bombas, alimentos, medicamentos. As relações comerciais com países terceiros não tem a ver com aliviar alfândegas”, atira, pedindo que a indústria europeia seja tratada com igualdade.
Estamos perante a maior fraude fiscal do século XXI na Europa e os nossos governantes acham que vão discutir dois euros para aliviar as alfândegas (…) Não podemos criar um sistema bandido.
“O que estamos a discutir é a reciprocidade dos mercados”, destaca, acusando que estas encomendas, que hoje não pagam taxas se forem até 150 euros, “têm produtos que não cumprem com as regras de segurança, põem em causa a saúde humana”. Além disso, avisa, esta discrepância “vai obrigar as empresas europeias que estão relacionadas com comércio eletrónico a mudar a sua sede fiscal para beneficiar do sistema bandido”.
“Desloco a minha sede social para um país terceiro e já posso beneficiar dos minimis“. A ATP – Associação Têxtil E Vestuário De Portugal partilha a opinião da ANIVEC, argumentando que “aplicar uma taxa de dois euros por encomenda de baixo valor é manifestamente insuficiente. Trata-se de uma medida simbólica, que não responde à escala nem à urgência do problema que afeta a indústria e o retalho europeu”.
As plataformas digitais de venda de produtos de ultra fast fashion, que operam diretamente a partir de países terceiros, estão a beneficiar de isenções fiscais, falta de controlo aduaneiro e de uma clara assimetria regulatória. Estão a crescer com base num modelo de negócio que não respeita as obrigações legais, fiscais ou de segurança exigidas às empresas europeias.
“As plataformas digitais de venda de produtos de ultra fast fashion, que operam diretamente a partir de países terceiros, estão a beneficiar de isenções fiscais, falta de controlo aduaneiro e de uma clara assimetria regulatória. Estão a crescer com base num modelo de negócio que não respeita as obrigações legais, fiscais ou de segurança exigidas às empresas europeias”, comenta a ATP, em resposta ao ECO.
Para terminar com esta concorrência, a associação propõe um conjunto de medidas que vão desde a imposição de uma taxa mínima de 20 euros por encomenda; ao fim da isenção de IVA e de direitos aduaneiros para compras inferiores a 150 euros; ao reconhecimento legal destas plataformas como importadores estabelecidos na União Europeia, cumprindo as mesmas regras; até ao reforço da vigilância aduaneira, da rastreabilidade e da fiscalização digital dos fluxos comerciais.
Tarifas agravam crise dos “minimis”
A crise das tarifas implementadas pelos EUA poderá ainda agravar mais a crise das minimis, com as empresas chinesas a voltarem-se para a Europa, para evitar as taxas mais elevadas impostas pela administração de Trump.
“O setor está a sofrer. Estamos a penalizar empresas europeias e a sufocá-las com legislação e ao mesmo tempo está a pôr o tapete vermelho para que empresas de mercados terceiros conquistem o mercado europeu da forma mais selvagem que possa imaginar”, critica César Araújo, adiantando que “as mercadorias que tinham como destino os EUA são deslocadas para a Europa“.
Estamos a penalizar empresas europeias e a sufocá-las com legislação e ao mesmo tempo está a pôr o tapete vermelho para que empresas de mercados terceiros conquistem o mercado europeu da forma mais selvagem que possa imaginar.
O presidente da ANIVEC considera que a “Europa está em risco de desmembrar-se“.
“As populações estão descontentes porque penaliza-se demasiado os seus agentes económicos e com este andamento corremos o risco de a Europa se desmembrar, não só por políticas geoestratégicas, mas porque a Europa não soube regular e proteger os seus agentes económicos. Além disso estamos a ficar para trás”, destaca.
Já a ATP reconhece que, apesar de as exportações do setor têxtil e vestuário português terem crescido “ligeiramente” no primeiro trimestre, totalizando 1.446 milhões de euros (+0,7% em valor e +0,4% em volume face ao mesmo período do ano anterior), “este crescimento modesto não significa necessariamente estabilidade ou confiança“, salvaguarda.
A imprevisibilidade atual do mercado global reforça ainda mais a necessidade de políticas públicas justas e medidas regulatórias que garantam condições equitativas de concorrência.
“O mercado está marcado por uma enorme volatilidade, incerteza e falta de visibilidade, o que dificulta significativamente a tomada de decisões e os investimentos por parte das empresas”, justifica.
“A redução de encomendas tem sido sentida, mas de forma desigual e difícil de mapear“, acrescenta, notando que “não se pode apontar com clareza quais os segmentos ou geografias mais afetadas, pois a instabilidade afeta tanto marcas internacionais como clientes de nicho, produtos de maior ou menor valor acrescentado, mais ou menos técnicos, alternando entre surtos de procura e quebras inesperadas”.
“Este contexto é altamente penalizador para uma indústria que precisa de planeamento, estabilidade e confiança para investir em inovação, sustentabilidade e digitalização. As empresas estão a operar num ambiente onde o risco de errar é cada vez maior, mesmo quando se cumpre bem e se investe com rigor”, alerta a ATP.
“A imprevisibilidade atual do mercado global reforça ainda mais a necessidade de políticas públicas justas e medidas regulatórias que garantam condições equitativas de concorrência“, remata.
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