Despesa com pensões aumenta 13% e expõe falhas na orçamentação da Segurança Social

Apesar de destacar um excedente recorde de 5,6 mil milhões de euros no ano passado, o Conselho de Finanças Públicas crítica os elevados desvios de despesa e receita face ao orçamentado pelo Governo.

A Segurança Social gastou 24 mil milhões de euros com pensões em 2024, um aumento de 13%. O valor executado ficou 1,2 mil milhões de euros acima do orçamentado pelo Governo, de acordo com os dados inscritos no Orçamento de Estado para 2024, expondo falhas no processo de previsão orçamental, de acordo com um relatório do Conselho de Finanças Públicas (CFP) publicado esta quarta-feira.

Apesar do excedente recorde de 5,6 mil milhões de euros alcançado no ano passado – o maior desde 2010 e 719 milhões de euros acima do orçamentado –, a instituição independente liderada por Nazaré Costa Cabral alerta que os desvios orçamentais “não evidenciam um processo de orçamentação em linha com as melhores práticas de gestão financeira pública”.

Os números da Segurança Social revelam que as pensões de velhice foram o principal motor desta escalada, crescendo 11,9% para 17,4 mil milhões de euros, quando o Governo esperava um aumento de apenas 5,8%. Esta discrepância de 5,5 pontos percentuais ilustra a dificuldade das autoridades em antecipar o impacto das medidas de apoio aos pensionistas aprovadas ao longo do ano, incluindo o “suplemento extraordinário de pensão” de 360 milhões de euros pago em outubro.

A despesa com as atualizações extraordinárias das pensões e complementos tem vindo a aumentar o seu peso na despesa com pensões, tendo atingido 986 milhões de euros em 2024, o que compara com os 77 milhões de euros de despesa no ano da sua primeira atribuição em 2017.

Conselho de Finanças Públicas

Relatório Evolução Orçamental da Segurança Social e da CGA em 2024

A análise feita pela CFP às contas da Segurança Social destaca também que 2024 marcou um ponto de viragem na trajetória das contas da instituição que está sob a tutela do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), liderado por Maria do Rosário Palma Ramalho desde 2 de abril de 2024.

Pela primeira vez no último triénio, a taxa de crescimento da despesa (11,8%) superou a da receita (10,4%), quebrando uma tendência que favorecia o fortalecimento das contas do sistema. Esta inversão ocorreu num ano em que as contribuições sociais – principal fonte de financiamento – registaram um crescimento robusto de 10,3%, impulsionadas pelo aumento do salário mínimo para 820 euros e pela dinâmica positiva do mercado de trabalho.

A receita efetiva da Segurança Social atingiu 41,3 mil milhões de euros, mais 3,9 mil milhões que em 2023, mas não foi suficiente para acompanhar o ritmo da despesa, que cresceu 3,8 mil milhões para 35,7 mil milhões de euros. O número de trabalhadores com remunerações declaradas à Segurança Social aumentou 2,8%, de 4,18 milhões para 4,3 milhões, enquanto o valor total das remunerações registou uma variação homóloga de 8,6%, retratam os números da Segurança Social.

Causas do aumento das pensões

O crescimento da despesa com pensões no ano passado resultou de uma combinação de fatores que o Governo subestimou na elaboração do orçamento. A atualização regular das pensões, baseada nos regulamentos legislativos, implicou aumentos entre 5% e 6%, consoante o escalão dos pensionistas, mas o impacto foi amplificado por várias medidas extraordinárias tomadas ao longo do ano.

O “suplemento extraordinário de pensão”, pago em outubro numa prestação única, custou 360 milhões de euros e beneficiou pensionistas com reformas até 1.527,78 euros, atribuindo entre 100 e 200 euros consoante o valor da pensão. Contudo, o MTSSS salienta em comunicado enviado esta tarde que este valor “não proveio do orçamento da Segurança Social, mas do Orçamento do Estado, pelo que não deve ser incluído na comparação com o valor do Orçamento da Segurança Social para 2024.”

Paralelamente, a despesa com as “atualizações extraordinárias das pensões e complementos” atingiu 986 milhões de euros em 2024, mais 51 milhões que no ano anterior, refletindo o efeito acumulado das medidas implementadas desde 2017.

Além da subestimação recorrente das contribuições sociais, as transferências provenientes do Orçamento de Estado tiveram de ser reforçadas face ao inicialmente previsto.

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Relatório Evolução Orçamental da Segurança Social e da CGA em 2024

A despesa com as atualizações extraordinárias das pensões e complementos tem vindo a aumentar o seu peso na despesa com pensões, tendo atingido 986 milhões de euros em 2024, o que compara com os 77 milhões de euros de despesa no ano da sua primeira atribuição em 2017″, sublinha o CFP no relatório de análise às contas de 2024 da Segurança Social.

O aumento do número médio de pensões em 1,1%, concentrado nas pensões de velhice (mais 1,9%), e o crescimento do valor médio das pensões em 9,8% — de 487,5 euros para 535,2 euros — completaram o quadro de pressão sobre a despesa.

Além das pensões, outras prestações sociais registaram crescimentos significativos que contribuíram para os desvios orçamentais. É disso exemplo a despesa com ação social, que aumentou 18,2% para quase 3 mil milhões de euros, impulsionada pela atualização dos acordos com o setor social e solidário e pelo alargamento da rede de creches.

O abono de família também cresceu 37,9%, custando 1,36 mil milhões de euros, enquanto o Complemento Solidário para Idosos (CSI) registou um aumento de 69,5% para 399 milhões de euros em “virtude da atualização efetuada em janeiro de 2024, com o objetivo de convergência para o limiar de risco de pobreza e, a partir de junho de 2024, em resultado de uma atualização extraordinária de 9,1% face ao valor fixado para 2024, iniciando um processo de aumento gradual do montante desta prestação para um valor de 820 euros em 2028”.

Falhas de orçamentação apesar da robustez do sistema

Apesar do saldo excedentário recorde de 5.595 milhões de euros — uma melhoria de 108 milhões face a 2023 –, o CFP não poupou críticas ao processo orçamental do Governo. A receita executada ficou 2,1 mil milhões acima do orçamentado, enquanto a despesa excedeu em 1,4 mil milhões o valor inicialmente previsto.

“Não obstante o saldo orçamental excedentário da Segurança Social, os desvios face ao Orçamento da Segurança Social inicial para 2024, tanto no lado da receita, como no lado da despesa, bem como os desvios na Caixa Geral de Aposentações, não evidenciam um processo de orçamentação em linha com as melhores práticas de gestão financeira pública“, critica a entidade liderada por Nazaré Costa no relatório.

A instituição nota ainda que “além da subestimação recorrente das contribuições sociais, as transferências provenientes do Orçamento de Estado tiveram de ser reforçadas face ao inicialmente previsto, aparentemente para fazer face a decisões de atribuição de prestações sociais tomadas em data posterior à discussão e aprovação do orçamento”.

Apesar das críticas aos desvios orçamentais, o sistema Previdencial mantém uma situação financeira sólida. O excedente de 5.840 milhões de euros no sistema Previdencial compensou largamente o défice de 245 milhões no Sistema de Proteção Social de Cidadania, que engloba as prestações não contributivas.

O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) atingiu 35,9 mil milhões de euros em 2024, recebendo 3,5 mil milhões do saldo do sistema Previdencial e 631 milhões de receitas fiscais consignadas. A gestão do fundo gerou uma valorização de 1,9 mil milhões, refletindo uma rentabilidade nominal de 5,9%.

O Governo prevê que o excedente da Segurança Social se mantenha acima dos 4,6 mil milhões de euros em 2025, sustentado por um crescimento esperado de 7,2% nas contribuições e quotizações, de acordo com os valores inscritos no Orçamento do Estado para 2025. No entanto, a despesa com pensões deverá continuar a crescer, com aumentos previstos de 6,1% para as pensões de velhice, numa altura em que se avizinha a implementação de aumentos extraordinários aprovados no Orçamento do Estado para 2025.

Relativamente a 2025,o MTSSS refere que “a execução orçamental, acumulada para o período janeiro-abril evidencia que a taxa de variação da receita voltará a estar acima da taxa de variação de despesa: 9,4% e 8,2% face ao período homólogo, respetivamente”. Em comunicado enviado esta tarde após, a tutela liderada por Maria do Rosário Palma Ramalho salienta que “em caso algum está comprometida a sustentabilidade do sistema de pensões.”

As projeções a longo prazo mostram que o sistema entrará em défice a partir de 2040, alertando para a necessidade de reformas estruturais que assegurem a sustentabilidade do sistema nos próximos 50 anos.

(Notícia atualizada às 18h03 com declarações do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social)

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