Jurista deu respaldo a ex-presidente da ULS de Gaia para cirurgias fora de horas. “Não era eu que me pagava a mim mesmo”, garante Rui Guimarães

Ao ECO, ex-presidente da ULS de Gaia garante que os 52 mil euros auferidos em três anos ao abrigo destes regime corresponderam a 0,3% do valor pago em remunerações às equipas da produção adicional.

O Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde (ULS) de Gaia/Espinho pediu um parecer jurídico sobre a possibilidade do então presidente, Rui Guimarães, exercer funções de anestesista em operações fora do horário regular. A jurista consultada concluiu a favor e o médico garante, ao ECO, que cumpriu sempre todos os procedimentos legais.

A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) instaurou um processo de averiguação à ULS de Gaia/Espinho por suspeitas de acumulação de funções, conflito de interesses e atividade cirúrgica realizadas fora do horário regular. Em causa estão denúncias contra o anterior presidente do Conselho de Administração, Rui Guimarães. A informação consta de uma nota divulgada no site daquela entidade e revela que o processo foi instaurado a 4 de junho de 2024, por despacho do inspetor da IGAS, encontrando-se em fase de desenvolvimento.

De acordo com o Observador, Rui Guimarães faturou cerca de 52 mil euros em três anos em cirurgias fora do horário regular ao abrigo do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), mecanismo para reduzir o excesso de doentes em lista de espera. Um valor confirmado ao ECO pelo próprio, que garante que “o valor que foi auferido correspondeu a 0,3% do valor pago em remunerações as equipas da produção adicional nesses três anos”.

Não era eu que me pagava a mim próprio. Quando se fazia uma ordenação dos vencimentos em cirurgias o presidente não constava sequer nos primeiros 250. Esta é uma tentativa baixa de colagem às notícias do colega que recebeu 50 mil euros num dia, mas os meus 52 mil euros foi uma remuneração em três anos“, defende o ex-presidente do hospital de Gaia/Espinho.

Rui Guimarães argumenta que as intervenções em produção adicional nas quais participou, de diversas especialidades, se tratavam “de cirurgias a sério”, tendo “todas codificação e auditorias independentes” e cujos pagamentos tinham um “desfasamento de dois meses”.

“Não tenho nada a esconder”, afirma o médico. Em outubro de 2024, na sequência de denúncias à IGAS, o Conselho de Administração pediu um parecer jurídico sobre se a produção adicional de cirurgias (vulgo, cirurgias “fora de horas”) infringia alguma regra no que toca a cumulação de funções e conflito de interesses.

No documento a que o ECO teve acesso, a jurista Amélia Pereira conclui a favor do exercício de funções de anestesista por Rui Guimarães. “Considerando-se que a produção adicional é uma modalidade que se enquadra na atividade médica assistencial e, que o Dr. Rui Guimarães está autorizado a exercer tal atividade, entende-se, salvo melhor opinião, que o mesmo pode manter o exercício dessa atividade remunerada nos mesmos termos dos restantes profissionais que integram a equipa para a produção adicional”, refere o documento.

No entanto, assinala também que ficava limitado a 50% do valor que lhe compete pelo exercício das funções de gestão. A jurista assinalava também que “o exercício da atividade cinge-se à atividade médica assistencial, não podendo comprometer a atividade enquanto gestor, visando a prestação na própria instituição onde são exercidas as funções de gestor público dando lugar a uma contrapartida remuneratória”.

Rui Guimarães foi nomeado diretor clínico do Hospital de Barcelos durante o Governo de Pedro Passos Coelho, tendo sido autorizado pelo ministro da Saúde, Paulo Macedo, segundo publicação em Diário da República, “a exercer atividade médica de natureza assistencial nos termos do disposto nos nºs 3 e 4º do artigo 77º do estatuto dos hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e unidades locais de saúde”. Mais tarde foi nomeado CEO do Centro Hospital de Gaia/Espinho durante o Governo de António Costa.

Segundo Rui Guimarães conta ao ECO, durante a pandemia, esteve três anos sem exercer funções de anestesista, mas quando a então ministra da Saúde, Marta Temido, o convidou para mais um mandato ficou acordada uma nova autorização, que foi publicada em Diário da República em 2022.

No despacho consultado pelo ECO, a ministra da tutela justifica que apesar do Estatuto do Gestor Público impor aos órgãos máximos de gestão destes estabelecimentos de saúde o regime de incompatibilidades, tem previstas exceções. Entre estas está “o exercício da atividade médica, de natureza assistencial, a título excecional e em situações de interesse público, de forma remunerada, pelos membros do conselho de administração, no mesmo estabelecimento de saúde”.

“Imagine ser um piloto e estar parado durante um período alargado e de repente dizerem-lhe que vai pilotar um voo. É preciso manter a prática”, argumenta Rui Guimarães.

O ex-presidente do Hospital de Gaia garante ao ECO que exerceu funções em cirurgia “fora de horas” durante o fim-de-semana. “Foi nesse contexto e com essa autorização durante esses três anos fiz esse valor de produção adicional. Fi-lo nas diversas especialidades e com a regularidade do fim-de-semana para não impactar com a semana, quando estava a trabalhar como gestor”, refere. “Sou médico desde ano de 2000, fiz a minha especialidade em anestesia e, em momento nenhum da minha vida, só se estivesse senil, aceitaria um papel em que não pudesse exercer”, afirma.

O médico assinala que em março de 2024 “há uma denúncia que o IGAS faz chegar”, ao qual o Conselho respondeu “com toda a informação”. Segundo Rui Guimarães, mais tarde, em agosto de 2024 chegou uma nova denúncia sobre o adjunto da direção-clínica e que “é arquivada”. É neste contexto que o Conselho de Administração pede um parecer jurídico. O processo de inspeção da IGAS continua em desenvolvimento segundo a informação no site da instituição.

Contudo, o Observador noticia que o relatório já foi concluído e que a IGAS considera que a legislação que prevê que a remuneração de um membro do Conselho de Administração pelo exercício de atividade médica de natureza assistencial “não se afigura compatível com o regime de Produção Adicional, pois, nesta modalidade assistencial, a retribuição não é efetuada pelo número de horas de trabalho prestado, mas de acordo com o número de cirurgias ou consultas realizadas, mediante regras específicas, numa lógica vulgarmente designada de “pagamento à peça”.

Rui Guimarães foi um dos presidentes de conselhos de administração substituído pelo Governo em fevereiro. O peso das cirurgias no SNS realizadas fora do horário regular disparou nos últimos cinco anos e, em 2024, já representavam 32,6% do total das operações nos hospitais públicos, tendo superado as 239 mil intervenções, de acordo com dados da Direção Executiva do SNS disponibilizados ao ECO.

Nos últimos cinco anos (terminados em 2024), as cirurgias realizadas fora de horas representaram cerca de 26% das cirurgias totais realizadas nos hospitais públicos, tendo registado um aumento todos os anos ao longo deste período. Os dados revelam que o número de cirurgias “fora de horas”, contratualizada pelo Conselho de Administração com os diretores de serviços, aumentou 21% em 2024 face a 2023 e 170,36% face a 2020.

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