Ucrânia entra em incumprimento da dívida pela primeira vez desde o início da guerra
Kiev recusa pagar 665 milhões em 'warrants' ligados ao crescimento do PIB, expondo a fragilidade dos mecanismos de reestruturação de dívida em tempos de guerra e de incerteza.
A Ucrânia falhou pela primeira vez desde a invasão pela Rússia um pagamento de dívida soberana, ao não honrar 665 milhões de dólares devidos a detentores de obrigações especiais ligadas ao crescimento económico do país.
Num comunicado enviado à Euronext de Dublin na semana passada, o Ministério das Finanças ucraniano confirmou que não efetuaria o pagamento devido no dia 2 de junho aos detentores dos chamados “PIB warrants” — instrumentos financeiros especiais no valor total de 2,6 mil milhões de dólares criados em 2015 para promover uma anterior reestruturação da dívida. Estes títulos funcionam como uma espécie de bónus para os investidores: sempre que o Produto Interno Bruto (PIB) ucraniano cresce mais de 3% num ano, os credores recebem pagamentos adicionais.
O ministro das Finanças ucraniano, Serhii Marchenko, justificou a decisão argumentando que “os PIB warrants foram concebidos para um mundo que já não existe”, referindo-se ao facto de o modesto crescimento económico de 5,3% registado em 2023 não representar prosperidade real, mas apenas uma “recuperação frágil” de uma queda de quase 30% causada pela invasão russa.
A agência de crédito Fitch confirmou a avaliação da Ucrânia como “incumprimento restrito”, afirmando que a notação de risco de crédito se manterá até que o país “normalize as suas relações com uma maioria significativa de credores comerciais externos”.
Contudo, o governo ucraniano revela que “a Ucrânia continua empenhada em proceder a uma reestruturação global, justa e equitativa dos títulos indexados ao PIB, a fim de assegurar o cumprimento i) dos objetivos em matéria de dívida estabelecidos no programa do FMI para a Ucrânia e ii) do princípio da comparabilidade do tratamento com os parceiros bilaterais da Ucrânia”, refere o ministério das Finanças em comunicado.
O Fundo Monetário Internacional já alertou que o falhanço em resolver esta questão dos warrants pode comprometer o programa de assistência de 15,6 mil milhões de dólares que mantém com a Ucrânia, bem como futuras reestruturações da dívida.
Além disso, na semana passada, a agência de crédito Fitch confirmou a avaliação da Ucrânia como “incumprimento restrito”, afirmando que a notação de risco de crédito se manterá até que o país “normalize as suas relações com uma maioria significativa de credores comerciais externos”. Segundo os analistas da Fitch, os warrants do PIB deverão tornar-se não produtivos após a data de pagamento.
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Uma economia em guerra a fazer contas à dívida
As negociações entre Kiev e o grupo de investidores institucionais detentores dos warrants têm-se mostrado infrutíferas, com as duas partes amostrarem-se incapazes de chegar a um acordo sobre os termos da reestruturação. Os investidores, liderados por fundos especulativos, expressaram desilusão com o incumprimento, mas mantêm-se disponíveis para encontrar uma solução mutuamente aceitável.
A decisão de incumprimento por parte da Ucrânia surge no contexto de uma estratégia mais ampla de reestruturação da dívida soberana ucraniana, que no ano passado permitiu evitar um colapso financeiro total por um acordo histórico com os seus principais credores internacionais.
A economia ucraniana entrou em colapso após a invasão russa em 2022, contraindo cerca de 30% nesse ano, mas conseguiu registar um crescimento de 5,3% em 2023 e de 2,9% em 2024, impulsionado pela produção militar interna e pela ajuda externa.
Em 2024, a Ucrânia negociou com sucesso a reestruturação de 20 mil milhões de dólares de dívida soberana, conseguindo que instituições financeiras como a BlackRock e a Pimco aceitassem um corte de 37% no valor nominal da dívida, poupando ao país mais de 11 mil milhões de dólares nos próximos três anos.
Contudo, os PIB warrants ficaram de fora desse acordo devido à sua estrutura complexa, criando agora um problema separado que ameaça outros programas de financiamento.
A economia ucraniana entrou em colapso após a invasão russa em 2022, contraindo cerca de 30% nesse ano, mas conseguiu registar um crescimento de 5,3% em 2023 e de 2,9% em 2024, impulsionado pela produção militar interna e pela ajuda externa. Paradoxalmente, foi este crescimento que ativou os pagamentos dos PIB warrants, criando uma situação onde a guerra que devasta o país gera obrigações financeiras para com investidores internacionais.
Este incumprimento seletivo não se estende às restantes obrigações soberanas ucranianas, uma vez que durante a reestruturação de 2024 foi removida a cláusula de “cross-default” que poderia contaminar outros títulos de dívida. Além disso, o parlamento ucraniano aprovou no ano passado uma moratória nos pagamentos destes instrumentos a partir de 31 de maio, sinalizando desde cedo a intenção de não honrar estas obrigações.
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