Astuce apela a uma abordagem abrangente e equitativa do cancro do cérebro centrada na pessoa

  • Servimedia
  • 4 Junho 2025

A Associação de Doentes com Tumores Cerebrais e do Sistema Nervoso Central, Astuce Espanha, apelou a uma abordagem global e equitativa destas doenças centrada na pessoa que delas sofre.

Por ocasião do Dia Mundial do Tumor Cerebral, a Astuce organizou um encontro que reuniu médicos, investigadores, doentes, famílias e meios de comunicação social com o objetivo de sensibilizar para os aspetos menos conhecidos – e mais negligenciados – do cancro do cérebro.

Sob o título “Para além do diagnóstico: o que não sabemos (ou não falamos) sobre o cancro do cérebro”, o evento colocou em cima da mesa a necessidade urgente de avançar na investigação, corrigir as desigualdades territoriais e garantir uma abordagem multidisciplinar que considere o impacto funcional, cognitivo, emocional e social do tumor, para além da sua abordagem clínica.

O Dr. Juan Manuel Sepúlveda, especialista em Oncologia Médica e Neurologia do Hospital HM Sanchinarro e do Hospital Universitário 12 de Octubre, e membro do comité científico da Astuce Espanha, começou por explicar a situação atual dos tumores cerebrais em Espanha, detalhando que existem diferentes graus, bem como diferentes métodos de diagnóstico e opções terapêuticas disponíveis no nosso país.

Durante a mesa redonda médico-científica intitulada “O impacto invisível dos tumores cerebrais: o que o diagnóstico não diz”, diferentes profissionais de diversos hospitais espanhóis e organizações públicas e privadas concordaram com o valor de uma abordagem multidisciplinar no tratamento de doentes com cancro cerebral. A partir da sua experiência, sublinharam que a colaboração entre oncologistas, neurocirurgiões, neurologistas, radioterapeutas e outros especialistas não só melhora o prognóstico clínico, como também humaniza os cuidados, permitindo uma abordagem mais abrangente.

Neste sentido, o Dr. Juan Solivera, chefe do Departamento de Neurocirurgia do Hospital Universitário Reina Sofia de Córdoba e também membro do comité científico do Astuce, explicou que esta abordagem multidisciplinar é essencial porque “nenhum especialista, isoladamente, pode cobrir ou manter-se atualizado com todas as opções diagnósticas e terapêuticas disponíveis. O comité proporciona um ambiente ideal para discutir conjuntamente os riscos e os benefícios das diferentes alternativas, integrando os conhecimentos e a experiência de profissionais de patologia anatómica, neurorradiologia, oncologia médica, neurocirurgia, neurologia, radioterapia, entre outros.

Além disso, o modelo de cuidados continua a apresentar diferenças significativas consoante o território, o que limita a igualdade de acesso a terapias inovadoras e complica o apoio que deve ter em conta não só os aspetos médicos, mas também os cognitivos, funcionais e emocionais.

O Dr. Sepúlveda sublinhou a importância da criação de centros de referência para estes doentes porque “os tumores cerebrais são doenças muito complexas que requerem a participação de muitas especialidades e é vital que todas elas estejam bem coordenadas e que haja uma integração muito completa”. Neste sentido, explicou que esta coordenação só se encontra atualmente em alguns hospitais, pelo que “são muito poucos os centros em Espanha que têm a capacidade de realizar esta abordagem dos tumores cerebrais, garantindo o cumprimento de elevados padrões internacionais”.

OPÇÕES DE TRATAMENTO

Relativamente às opções de tratamento, os especialistas concordaram que, apesar dos progressos registados, ainda existem grandes desafios. Entre as estratégias mais promissoras estão as terapias dirigidas a novos alvos moleculares – como a mutação BRAF V600 -, a aplicação de imunoterapia (incluindo CAR-T em casos selecionados), e tecnologias como a terapia por campos eléctricos (TTFields), bem como a inteligência artificial, que começa a ter um papel fundamental no diagnóstico e planeamento terapêutico.

No caso específico da terapia por campo elétrico, que demonstrou benefícios significativos na sobrevivência dos doentes com glioblastoma quando combinada com cirurgia, quimioterapia (temozolomida) e radioterapia, os participantes lamentaram que só esteja disponível em determinados hospitais de certas comunidades autónomas, como a Catalunha, Madrid, Galiza, Aragão, Múrcia e Castela-La Mancha. Esta limitação significa que muitos doentes têm de se deslocar para fora da sua região ou pagar o tratamento a título privado, agravando ainda mais as desigualdades.

Estas situações refletem, mais uma vez, a necessidade urgente de corrigir as desigualdades no sistema de saúde e de garantir a igualdade de acesso aos avanços terapêuticos, independentemente do local de residência.

INIQUIDADE NO ACESSO

Estas dificuldades são agravadas pelos atrasos na introdução de novos medicamentos no sistema de saúde. De acordo com o relatório W.A.I.T., publicado pela Federação Europeia da Indústria Farmacêutica (Efpia), a Espanha está entre os países europeus que mais demoram a aprovar novos tratamentos após a sua autorização europeia, com atrasos que podem ultrapassar um ano e meio ou mesmo dois anos. Esta situação tem um impacto particular nos doentes com tumores cerebrais, que necessitam de acesso rápido a terapias de ponta.

O Dr. Raúl Luque, investigador do Imibic/UCO e também membro do comité científico da Astuce Spain, foi enfático a este respeito, sublinhando que “a falta de equidade na investigação e no acesso aos tratamentos no caso dos tumores cerebrais é muito evidente e, por isso, é urgente financiar projetos centrados nos tumores cerebrais, pois só assim se podem promover ensaios clínicos e gerar novas terapias que abram caminhos de esperança para estes doentes, Por isso, é urgente financiar projetos centrados nos tumores cerebrais, pois só assim é possível promover ensaios clínicos e gerar novas terapias que abram caminhos de esperança para estes doentes, tudo com o objetivo de retardar a evolução destas doenças, atrasar a sua progressão e reduzir a sua mortalidade”.

Neste sentido, todos os especialistas concordaram com a urgência de promover ensaios clínicos centrados nesta patologia. Embora a sobrevivência relacionada com o cancro tenha melhorado 20% nos últimos 30 anos, no caso específico dos tumores cerebrais, apenas aumentou 1%. Apesar desta baixa percentagem, o impacto destes tumores nos doentes é devastador, tanto a nível físico como cognitivo e emocional.

A Dr.ª María Ángeles Vaz, especialista em Oncologia Médica no Hospital Universitário Ramón y Cajal de Madrid (Irycis) e presidente do Grupo Espanhol de Investigação em Neuro-oncologia (Geino), também defendeu com veemência a necessidade de promover a investigação “por várias razões fundamentais. A primeira é que estamos a lidar com tumores que precisam de investigação para melhorar a sobrevivência, porque têm um grande impacto. Em segundo lugar, porque não houve novos desenvolvimentos nos últimos 20-30 anos.

Há tumores em que os novos desenvolvimentos alteraram o prognóstico e as circunstâncias dos doentes, mas não chegaram aos tumores cerebrais”, sublinhou. Outra área fundamental é a dos biomarcadores. É importante conhecer melhor o prognóstico e classificar os doentes com maior risco para tratamentos mais agressivos. Temos mais disponibilidade para a investigação nesta área e é uma frustração não termos mais ferramentas para estas situações.

TESTEMUNHO DE DOENTES

Um dos momentos mais emocionantes do encontro foi a mesa redonda com doentes e familiares, que reuniu testemunhos de pessoas com entes queridos diagnosticados com glioblastoma, astrocitoma e oligodendroglioma. As suas vozes dão um rosto a uma realidade que vai muito para além do tratamento médico. Partilharam o impacto do diagnóstico, a vertigem de enfrentar uma doença pouco conhecida e o vazio institucional que muitas vezes deixa os doentes sem um ponto de referência ou de apoio.

Fabiola, familiar de um doente com astrocitoma, explicou que “as pessoas, quando lhes dizemos que temos um tumor cerebral, pensam que a pessoa vai morrer e depois, com a quimioterapia, acham que está tudo bem, sem ter em conta tudo o que aconteceu antes”. Visitación Ortega, porta-voz da Astuce e familiar de um doente com oligodendroglioma, centrou-se no impacto cognitivo e emocional, aludindo ao facto de que “os efeitos secundários afetam diretamente uma parte sensível, o que muda a personalidade. Uma pessoa já não é a mesma pessoa de formas diferentes e isso complica ainda mais a situação.

Do mesmo modo, Pilar, familiar de um doente com glioblastoma, conta a dificuldade de lidar não só com a doença, mas também com o sistema. “É uma luta contra a doença, e não só contra a doença, mas também contra o sistema”, sublinhando a importância da coordenação médica e da comunicação.

Os testemunhos concluíram com uma mensagem unânime: é urgente que as instituições reconheçam estas necessidades e garantam cuidados abrangentes que abordem o impacto físico, emocional e social do cancro do cérebro.

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