Saída de Pedro Reis da Economia dá força à “Maldição da Horta Seca”

Desde o 25 de abril, nunca um ministro da Economia cumpriu integralmente um mandato de quatro anos. O que está na base desta instabilidade?

A saída de Pedro Reis de ministro da Economia, passando a pasta para as mãos de Manuel Castro Almeida, acabou por ser uma surpresa. Mas é apenas o último capítulo de uma longa história de instabilidade no Ministério da Economia. Tanto assim é que, desde o 25 de abril, não houve um único governante a conseguir completar um mandato completo de quatro anos no cargo.

Nos corredores do poder e entre os jornalistas económicos, há uma velha história que fala da “Maldição da Horta Seca”, referindo-se à rua onde esteve muitos anos instalado o Ministério da Economia (que agora está nas instalações onde estava a sede da Caixa Geral de Depósitos). Uma das interpretações era de que nenhum ministro independente se aguentava no cargo, alegadamente vitimado por interesses instalados ligados aos partidos do poder.

Mas o histórico mostra que o que há em comum na instabilidade não é necessariamente ser ou não ser independente ou militante partidário. É mesmo o cargo que parece desenhado para “triturar” os seus titulares.

Olhando para a longa lista de ministros da Economia desde o 25 de abril, a mudança é o fenómeno mais frequente. De salientar que, entre 1980 e 1995 não existiu sequer o Ministério da Economia, com as áreas divididas por vários titulares. Ainda assim, destacou-se o campeão da longevidade à frente do Ministério da Indústria e Energia, em Governos de Aníbal Cavaco Silva: Luís Mira Amaral, de agosto de 1987 a outubro de 1995.

Por outro lado, muitos governos não chegaram ao fim, impossibilitando o cumprimento de mandatos integrais em muitas situações. Mas mesmo quando os Governos duram quatro anos seguidos, isso nunca foi verdade para o Ministro da Economia (sim, e também nunca houve uma Ministra da pasta).

Ainda assim, há casos de relativa longevidade.

Quem esteve mais perto de cumprir integralmente o mandato de quatro anos foi Manuel Pinho, ministro do 1º Governo de José Sócrates desde o seu início, em Março de 2005, quase até ao fim, em Julho de 2009. A poucos meses das eleições – que voltariam a ser vencidas por Sócrates – pediu a demissão após um polémico gesto em plena Assembleia da República: fez uns “corninhos” em resposta a uma interpelação mais vocal de um deputado da oposição, e teve de demitir-se no próprio dia.

Antes disso, Joaquim Pina Moura esteve no cargo de novembro de 1997 a setembro de 2000, na parte final do primeiro Governo de António Guterres e na primeira parte do seu segundo Executivo.

Manuel Caldeira Cabral esteve quase três anos no cargo, no primeiro Governo de António Costa, acabando por ser substituído por Pedro Siza Vieira numa remodelação, em outubro de 2018. Curiosamente, em 2016 foi questionado sobre se tinha medo de perder o lugar, devido à “maldição” de não haver ministros da Economia a chegar ao fim do mandato, mas desvalorizou. “Estou habituado a ver as estatísticas do futebol, e muitas vezes nunca esta equipa venceu aqui ou acolá e depois é a surpresa e vence e, outras vezes, estatisticamente, sabe-se quem é a favorita, mas só no fim do jogo se sabe quem ganha. É uma questão que não me preocupa. Preocupa-me fazer bem o meu trabalho, articular bem o meu trabalho com outros ministérios e temos tido uma articulação muito interessante com as Finanças”, afirmou em entrevista ao Jornal de Negócios e à Antena 1. Dois anos depois, caiu vítima da “maldição”.

Seria claramente desejável ter mais estabilidade à frente do Ministério da Economia

Manuel Caldeira Cabral

Antigo ministro da Economia

Caldeira Cabral admite, em declarações ao ECO, que “seria claramente desejável ter mais estabilidade à frente do Ministério da Economia”, mas lembra que “também há instabilidade governativa noutros cargos, não só na Economia”. “Vivemos tempos de muita pressão e pode haver a tentação de, quando algo corre mal, de despedir os ministros. Eu acho que, tirando casos muito graves ou de responsabilidade pessoal e direta, mais vale que um ministro experiente resolva um problema do que demiti-lo, sem que isso resolva o problema”, defende.

E não deixa de lembrar que, apesar de ter saído antes do fim do mandato, esteve quase quatro anos a trabalhar. “Um ano antes das eleições e de ter sido convidado para Ministro já estava a trabalhar no que teria de ser feito, no grupo de trabalho criado então, que contava comigo e com pessoas como o Mário Centeno, o Vieira da Silva ou o João Leão”.

Quem terminou o mandato iniciado por Caldeira Cabral foi Pedro Siza Vieira, que acabou por não ser “remodelado”, mas também não fez um mandato inteiro. Ao todo, esteve enquanto ministro da Economia de outubro de 2018 até março de 2022, fazendo a parte final do primeiro Governo de António Costa e os dois anos e meio que o Executivo seguinte durou, até cair após chumbo do Orçamento do Estado. Costa acabou por conquistar, de seguida, uma maioria absoluta, mas de forma algo surpreendente Pedro Siza Vieira já não foi o escolhido, ficando António Costa Silva nesse papel.

Carlos Tavares foi ministro da Economia entre abril de 2002 e julho de 2004, todo o tempo que durou o Governo dirigido por Durão Barroso. Quando este saiu para a Comissão Europeia, Pedro Santana Lopes foi chamado a ocupar o lugar de Primeiro-ministro, e escolheu Álvaro Barreto para substituir Tavares.

A Economia tem uma atividade que é muitas vezes invisível no curto prazo, não se vê no imediato o efeito de muitas medidas, que têm um horizonte de produção de efeitos mais largo”, afirma o antigo ministro ao ECO. “Admito que haja alguma falta de visibilidade do que ali se faz, os temas têm frequentemente uma componente muito técnica, mas também me parece que nem sempre têm o devido relevo na comunicação social”.

A atividade do Ministério da Economia é politicamente difícil, porque mexe com muitos interesses instalados, que normalmente reagem quando são atingidos

Carlos Tavares

Antigo ministro da Economia

E a que se deverá tanta dificuldade em manter o mesmo ministro? “A atividade do Ministério da Economia é politicamente difícil, porque mexe com muitos interesses instalados, que normalmente reagem quando são atingidos. A evolução da economia depende de muitos factores, nem sempre é fácil estabelecer uma relação directa entre eles e os resultados económicos e, por isso, nem sempre se dá o crédito ao trabalho do Ministério, quando as coisas correm bem”, avança.

Também Caldeira Cabral não se alonga acerca de eventuais dificuldades acrescidas na pasta da Economia face às outras, mas admite que “é uma área em que às vezes as associações empresariais adotam uma postura crítica do Ministério, quando é muito mais produtivo que trabalhem em conjunto”. “Economia e empresas estão do mesmo lado e defendem os mesmos interesses mas por vezes há uma oposição que pode fragilizar” o titular da pasta. Por outro lado, não é irrelevante a perceção que se tem desse responsável, porque “as coisas por vezes podem funcionar melhor se houver a certeza ou a sensação de que o ministro está para durar”.

O papel do Ministério da Economia

Carlos Tavares e Caldeira Cabral integraram governos de PSD e de PS, respetivamente, mas ambos concordam que o papel do Ministério da Economia é essencial, deve ser mais salientado e até reforçado, em termos de importância no figurino dos governos.

“Acho que é um erro dizer-se, como tenho ouvido, que o Ministério da Economia está esvaziado e não tem funções e serviços importantes”, começa por defender Tavares. “É verdade que, ao contrário de outros países, a nossa organização política não tem tido o Ministério da Economia no topo da hierarquia governamental, normalmente atribuída ao Ministério das Finanças por onde tradicionalmente passavam as políticas macroeconómicas (taxas de juro, taxas de câmbio, política orçamental e fiscal, etc). Acontece que desde a entrada no Euro, parte daqueles instrumentos deixaram de estar disponíveis a nível nacional, ganhando relevo as Políticas Microeconómicas, que determinam as condições de produtividade e competitividade das empresas e que são do foro do Ministério da Economia”, acrescenta.

Para o antigo presidente da CMVM, “mesmo a política fiscal para as empresas deverá ter a sua intervenção, pelo que a boa articulação e o equilíbrio entre aqueles dois ministérios será essencial”.

Caldeira Cabral admite que “desde a troika deu-se uma centralidade muito grande ao Ministério das Finanças, por razões que se entendem”. Porém, diz, “quando a situação financeira está normalizada – e isso tem acontecido nos últimos anos – o foco deve estar no que é estratégico em termos de competitividade da nossa economia”. “O crescimento virá da inovação, do talento, de questões ligadas a licenças e regulação para trazer mais competitividade”, áreas que estão dentro ou mais próximas da Economia.

51 anos depois do 25 de Abril de 1974, e 23 ministros depois, conseguirá Manuel Castro Almeida cumprir quatro anos de um mandato à frente da Economia e derrotar a “maldição da Horta Seca”? Só o tempo o dirá.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Saída de Pedro Reis da Economia dá força à “Maldição da Horta Seca”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião