Europa acumula riqueza, mas está a deixar o capital escapar para outros mercados

O sistema financeiro europeu é um colosso, mas metade dos ativos foge para fora da União Europeia, desperdiçando integração e crescimento, e importando fragilidades, alertam os especialistas.

O sistema financeiro europeu atingiu uma dimensão histórica, com os ativos totais a serem equivalentes a cerca de sete vezes o PIB da União Europeia. Mas há uma contradição escondida nestes números que devem deixar preocupada Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e todos os europeus.

Segundo uma investigação dos economistas Loriana Pelizzon, Riccardo Mattiello e Jonas Schlegel, publicado no paper “Crescimento dos intermediários financeiros não bancários, estabilidade financeira e política monetária”, que será apresentado no fórum anual do Banco Central Europeu (BCE) na próxima semana em Sintra, os intermediários financeiros não bancários (NBFI) tornaram-se gigantes na Europa, mas falham redondamente em contribuir para a integração e profundidade dos mercados internos.

Segundo os três investigadores, “o setor NBFI detém ativos equivalentes a aproximadamente 3,8 vezes o PIB na Europa, comparado com 3,1 vezes o PIB nos EUA”. Apesar desta superioridade em termos relativos, uma parte significativa destes recursos é canalizada para fora da União Europeia, representando o que os autores classificam como uma oportunidade estratégica perdida.

Os intermediários financeiros não bancários incluem fundos de investimento, companhias de seguros, fundos de pensões, fundos do mercado monetário e veículos de securitização. Diferentemente dos bancos tradicionais, estas entidades não captam depósitos, mas desempenham funções cruciais na intermediação financeira moderna.

O estudo mostra que, somente considerando os fundos de investimento, passaram de uma dimensão equivalente a 37% do PIB europeu em 1999 para quase 118% do PIB no final do ano passado, mais do que triplicando ao longo dos últimos 25 anos. Este crescimento fez dos fundos de investimento “um dos maiores segmentos do setor financeiro na área do Euro”, referem os autores.

Mas o problema não está na sua dimensão mas na aplicação destes recursos. Como revelam os dados apresentados pelos investigadores, “uma fração significativa dos NBFI na União Europeia aloca os seus ativos no estrangeiro”, com aproximadamente 50% dos investimentos direcionados para o resto do mundo. Esta orientação externa contrasta drasticamente com os EUA, onde os NBFI “parecem estar mais ancorados domesticamente, com uma quota relativa menor de ativos investidos no resto do mundo”.

“Na União Europeia, a supervisão macroprudencial dos NBFI [intermediários financeiros não bancários] permanece nacionalmente fragmentada”, limitando a capacidade das autoridades europeias de responder eficazmente a episódios de stress originados no setor não bancário, alertam os especialistas.

Estes dados levam a que “em vez de agir como uma força de convergência e coesão, o padrão atual de atividade dos NBFI revela uma oportunidade estratégica perdida”, alertam os investigadores, salientando ainda que esta orientação externa dos NBFI europeus reflete “uma falta de progresso na construção de mercados de capitais robustos e integrados”, incluindo a ausência de um mercado obrigatório soberano de dimensão adequada.

As conclusões do paper apontam para que esta situação crie “lacunas estruturais no ecossistema financeiro da Europa” e deixa a região a “arrastar-se atrás dos EUA, onde os NBFI desempenham um papel central”.

Além disso, a concentração geográfica agrava o problema. Os dados apresentados revelam que “uma fração significativa (75%) das instituições NBFI na União Europeia está concentrada em três países principais: Luxemburgo, Países Baixos e Irlanda”. Esta concentração, embora ofereça vantagens em termos de eficiência e especialização, cria vulnerabilidades sistémicas e complica a supervisão macroprudencial, salientam os autores da investigação.

Riscos e desafios para a estabilidade

O crescimento dos NBFI não é apenas uma questão de oportunidades perdidas, mas também levanta preocupações significativas sobre estabilidade financeira da área do euro. Os investigadores identificam múltiplos canais de risco, incluindo “alavancagem excessiva, incompatibilidades de liquidez e interconexão”.

Um aspeto particularmente preocupante é a “forte interconexão com instituições financeiras no resto do mundo” que torna os NBFI europeus “fortemente influenciados pela política monetária estrangeira e dinâmicas cambiais”, podendo fazer com que esta dependência externa possa amplificar choques globais e reduzir a eficácia das políticas domésticas.

O sistema financeiro europeu “detém ativos equivalentes a quase sete vezes o PIB da União Europeia”, mas esta escala impressionante não se traduz em benefícios proporcionais para a integração e desenvolvimento dos mercados internos.

O estudo sublinha ainda que “na União Europeia, a supervisão macroprudencial dos NBFI permanece nacionalmente fragmentada”, limitando a capacidade das autoridades europeias de responder eficazmente a episódios de stress originados no setor não bancário.

É nesse sentido que os autores propõem um caminho para “reorientar o setor NBFI de um alocador externo de capital para um motor interno de integração e profundidade do mercado”. Esta transformação exige uma agenda política dupla:

  • Do lado estrutural, são necessárias reformas para “aprofundar os mercados financeiros da Europa e expandir as oportunidades de investimento doméstico — particularmente através do avanço da União de Poupanças e Investimento e do desenvolvimento de ferramentas de securitização”.
  • Do lado monetário e de liquidez, deve ser reconhecido “o papel dos NBFI nos mercados monetários através de apoios adequadamente concebidos — como estender a Facilidade de Empréstimo de Títulos a não bancos elegíveis ou operacionalizar uma Facilidade de Repo NBFI Contingente”.

Com o fórum do BCE em Sintra a decorrer de 30 de junho a 2 de julho sob o tema “Adaptar-se à mudança: transformações macroeconómicas e respostas políticas”, o paper de Loriana Pelizzon, Riccardo Mattiello e Jonas Schlegel chega num momento crucial para este debate.

Os números são inequívocos: o sistema financeiro europeu “detém ativos equivalentes a quase sete vezes o PIB da União Europeia”, mas esta escala impressionante não se traduz em benefícios proporcionais para a integração e desenvolvimento dos mercados internos.

Como concluem os investigadores, “apenas tomando estas medidas pode a Europa afastar-se de um modelo exportador de capital e começar a aproveitar plenamente o seu ecossistema financeiro – incluindo o setor NBFI – para fomentar integração, estabilidade e crescimento em toda a União”. O desafio está lançado para que os decisores políticos europeus transformarem esta gigantesca máquina financeira numa força verdadeiramente integradora.

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