Reformados e mais ricos investem mais em bolsa. Crianças e crédito desincentivam aposta em ações
Estudo encomendado pela CMVM mostra que a participação no mercado de capitais é condicionada sobretudo pela riqueza, mas, nos últimos anos, a escolaridade está a impulsionar a entrada de mais jovens.
Mais ricos, com idades acima de 50 anos e com reformados na família. É este o retrato dos que mais investem no mercado acionista, conclui um estudo, promovido pela CMVM e elaborado por um consórcio composto pelas Universidades do Minho, Porto e Coimbra, apresentado esta quinta-feira. Enquanto o estudo aponta a riqueza como “o motor central da participação”, a existência de crianças e as restrições de crédito desincentivam o investimento em ações.
“Em 2021 apenas 13% dos agregados portugueses detinham instrumentos transacionados em bolsa; a riqueza financeira estava concentrada em depósitos (cerca de 22% da riqueza total), enquanto ações, obrigações e fundos somavam apenas 0,6%”, conclui o estudo sobre a dinamização do mercado de capitais em Portugal, apresentado esta quinta-feira, numa conferência realizada em Braga, pelos professores Tiago Neves Sequeira (Universidade de Coimbra), Jorge Farinha e Ana Isabel Sá (ambos da Universidade do Porto) e Miguel Portela (Universidade do Minho).
Os ativos reais — a casa concentra a maior parte da riqueza das famílias portuguesas — concentra 75% do património das famílias portuguesas e os ativos financeiros representam os restantes 25%. Dentro daquilo que são os ativos financeiros, 86% são depósitos, com o mercado acionista a captar uma fatia muito reduzida, de apenas 2%.
O trabalho encomendado pela entidade liderada por Luís Laginha de Sousa refere que, “tal como no conjunto da UE, a riqueza é o motor central da participação [no mercado de capitais], superando o rendimento; contudo, entre 2010 e 2021 o coeficiente associado à riqueza aumentou e o da escolaridade duplicou, indicando reforço desses dois fatores”.
Numa análise mais detalhada, o estudo refere que a participação nos mercados de capitais tende a aumentar após os 50 anos, possivelmente devido a uma maior preocupação com a poupança para a reforma. No entanto, “esta tendência é sobretudo explicada pelos agregados familiares pertencentes ao quarto e quinto quintis de riqueza, já que nos quintis inferiores a participação parece ser mais elevada entre os indivíduos com menos de 35 anos, possivelmente em virtude de diferentes atitudes ou formações financeiras”.
A preocupação com a reforma é, aliás, um dos aspetos que tende a beneficiar o investimento em ativos com maior risco e com maior potencial de retornos. “Quando analisamos a participação no mercado de capitais condicionada ao objetivo de poupança reforma, verificamos que as preocupações com o rendimento em idade avançada tendem a impulsionar uma maior participação em ações, obrigações ou fundos de investimento”, diz o estudo. No caso de Portugal, o estudo mostra que a participação no mercado de capitais quando um dos objetivos de poupança é poupar para a reforma sobe para 14%, mais do que duplicando face aos 6% quando a poupança não tem como finalidade a reforma.
“Escolaridade elevada em vários membros do agregado, múltiplos objetivos de poupança (especialmente para a reforma) e planos de pensões voluntários elevam significativamente a probabilidade de investir em fundos“, acrescenta o estudo. O nível de escolaridade, com impacto na literacia financeira dos investidores, tem-se refletido positivamente no investimento no mercado de ações. Segundo refere o mesmo trabalho, a partir de 2014, observou-se um reforço do impacto da escolaridade dos membros do agregado, contrastando com o esbatimento do efeito do nível de escolaridade da pessoa de referência.
Por outro lado, as mulheres, que tendem a ser menos participativas no mercado, têm vindo a alterar esta postura. “O efeito negativo de a pessoa de referência ser uma mulher com grau superior tem vindo a diminuir, sugerindo uma possível evolução na atitude face ao risco ou na literacia financeira”. Já a existência de reformados na família voltou a ter, em 2014, “um impacto positivo na participação no mercado acionista, possivelmente por inércia na manutenção de ativos adquiridos no passado”.
Em sentido oposto, famílias onde o orçamento está limitado pelo pagamento de créditos e com crianças tendem a investir menos em bolsa. “A perceção de restrições de crédito, a presença de crianças e, em menor grau, a menor tolerância ao risco desincentivam a entrada”, explica.
Contributo positivo para o PIB
Outra das conclusões do estudo promovido pelo regulador confirma o impacto positivo de um mercado de capitais desenvolvido para a economia, empresas e para a geração de riqueza para as famílias. A análise desenvolvida por professores da Universidade do Minho, Porto e Coimbra conclui que “estes resultados sugerem que o desenvolvimento do mercado de capitais seria benéfico para um país como Portugal” e “de um maior acesso aos mercados de capitais pode esperar-se um aumento do investimento, da inovação e da produtividade”.
No que diz respeito ao impacto no PIB do país, o trabalho destaca que “os resultados tendem a indicar um contributo positivo da capitalização bolsista e do turnover no crescimento económico português – 1 ponto percentual leva a um aumento em 0,023% e 0,007%, respetivamente”. Já “nas regressões relativas à capacidade inovadora do país, a capitalização bolsista contribui com 0,011% por cada ponto percentual de aumento. Por último, nas regressões relativas ao crescimento do número de patentes per capita, cada ponto percentual de outro crédito leva ao aumento em 0,056%, a capitalização bolsista contribui com 0,072% e o turnover contribui para um decréscimo do número de patentes reduz em 0,044%”, detalha o estudo.
Estes resultados sugerem que o desenvolvimento do mercado de capitais seria benéfico para um país como Portugal (…) De um maior acesso aos mercados de capitais pode esperar-se um aumento do investimento, da inovação e da produtividade
As conclusões apresentadas sugerem que “melhores condições de acesso à emissão privada de dívida e ao capital de risco favorecerão a canalização de fundos para empresas exportadoras e inovadoras“. Empresas que acedem ao mercado de capitais têm maior facilidade no levantamento de fundos e investem mais. No caso de Portugal, “é de esperar que as empresas portuguesas admitidas à cotação apresentem aumentos especialmente significativos na proporção de financiamento de longo prazo (capitais próprios e dívida de longo prazo), bem como nos seus níveis de investimento”.
Ainda considerando o caso nacional, “as empresas que têm ações ou obrigações cotadas, bem como as suas subsidiárias, tendem a ser mais produtivas do que as empresas que não acedem aos mercados de capitais”. Já as empresas com emissão privada de dívida e as beneficiárias de capital de risco tendem a mostrar uma relativa desvantagem em termos de produtividade.
Apesar das vantagens identificadas para cotar em bolsa, “em Portugal observamos uma proporção de empresas cotadas muito baixa, sendo o quinto país com menor valor“, demonstra ainda o estudo.
“Neste contexto, é possível que iniciativas legislativas ou doutra índole (nomeadamente as relacionadas com a promoção da literacia financeira) que reduzam os obstáculos ao desenvolvimento do mercado de capitais e ao acesso a esse mercado por parte das empresas e das famílias contribuam para melhorar as condições de financiamento das empresas, impulsionar o desempenho da economia portuguesa e elevar o nível de vida da população“, conclui o estudo.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Reformados e mais ricos investem mais em bolsa. Crianças e crédito desincentivam aposta em ações
{{ noCommentsLabel }}