Fórum do BCE em Sintra questiona estratégias da política monetária
Arranca esta segunda-feira em Sintra o Fórum anual do BCE, desta vez com quatro estudos que desafiam dogmas do BCE e de entidades europeias e que prometem abalar certezas e agitar o debate económico.

Numa altura em que a economia mundial navega entre a incerteza das guerras comerciais e os ventos de mudança da política monetária, o Fórum anual do Banco Central Europeu (BCE) volta a transformar Sintra no epicentro financeiro do planeta nos próximos três dias.
O evento deste ano, que marca a 12.ª edição deste fórum que decorre desde 2014 em Portugal, tem como tema central “Adaptar-se à mudança: transformações macroeconómicas e respostas políticas”, e ganha uma dimensão especial por contar com a participação dos responsáveis de cinco dos mais influentes bancos centrais à mesma mesa no painel de política monetária, que terá lugar na terça-feira ao início da tarde, e que promete atrair a atenção do mundo financeiro.
Inspirado no mítico simpósio de Jackson Hole nos EUA, o Fórum do BCE em Sintra ganhou o estatuto de rival europeu da conferência americana, tornando-se conhecido por apresentar investigações que desafiam o pensamento económico estabelecido. Este ano não será exceção. Quatro estudos académicos prometem gerar controvérsia e forçar os bancos centrais a repensar as suas estratégias.
- O primeiro estudo, de Benjamin Schoefer da Universidade da Califórnia em Berkeley, diagnostica que Portugal e outros países europeus sofrem de “Eurosclerose” – a mesma doença económica identificada há 40 anos. Segundo o economista alemão, mais de 30% dos trabalhadores portugueses mantêm-se no mesmo emprego há mais de 20 anos, comparado com apenas 9% nos EUA. Esta rigidez do mercado laboral apresentado no paper “Eurosclerosis at 40: labor market institutions, dynamism, and European competitiveness” estará a condenar Portugal a especializar-se apenas em inovação incremental, em vez de criar tecnologias disruptivas.
- O segundo paper, “Discretionary spending is the cycle, and why it matters for monetary policy”, publicado por Paolo Surico da London Business School, apresenta uma crítica à forma como o BCE combate a inflação. O economista, ex-conselheiro do Banco de Inglaterra, defende que o BCE deveria focar-se exclusivamente na inflação dos gastos discricionários — restauração, entretenimento, viagens, tecnologia — em vez da inflação geral. Segundo o estudo, 44% do orçamento das famílias europeias destina-se a este tipo de gastos, e quando o BCE sobe as taxas de juro, 37% dos trabalhadores de menores rendimentos nestas indústrias vivem “ao dia”, sendo os primeiros a perder emprego.
Christine Lagarde chega a Sintra numa situação confortável, após o BCE ter cortado as taxas de juro por oito vezes desde junho de 2024 e com as mais recentes previsões a apontarem para uma inflação de 2% este ano, mantendo-se estável no médio prazo.
- O terceiro estudo que será apresenta no Fórum do BCE este ano, dos economistas Loriana Pelizzon, Riccardo Mattiello e Jonas Schlegel, revela um paradoxo preocupante no sistema financeiro europeu. Apesar de os intermediários financeiros não bancários deterem ativos equivalentes a 3,8 vezes o PIB europeu (superior aos 3,1 vezes nos EUA), aproximadamente 50% destes investimentos é canalizado para fora da União Europeia. Esta “fuga de capital” representa uma oportunidade estratégica perdida para a integração dos mercados europeus, alertam os investigadores no estudo “Growth of non-bank financial intermediaries, financial stability, and monetary policy”.
- O quarto paper, denominado de “Recent Evolutions in the Global Trade System: From Integration to Strategic Realignment”, de Florencia Airaudo, François de Soyres, Alexandre Gaillard e Ana Maria Santacreu, analisa a crescente fragmentação do comércio global, destacando que a China tornou-se um concorrente direto em setores tecnológicos, aumentando a pressão sobre a Europa. Os investigadores alertam para a elevada dependência europeia de produtos tecnológicos críticos da China, o que expõe a região a riscos de rutura nas cadeias de abastecimento e pressões inflacionárias. A resposta europeia passa por maior coordenação e harmonização interna, segundo os investigadores.

O confronto dos gigantes da política monetária
O momento alto do Fórum será certamente o painel de política monetária de terça-feira, às 14h30, que contará com a participação da presidente do BCE (Christine Lagarde), da Fed (Jerome Powell), do Banco de Inglaterra (Andrew Bailey), do Banco do Japão (Kazuo Ueda) e do Banco Central da Coreia (Chang Yong Rhee), num contexto de políticas monetárias divergentes.
Christine Lagarde chega a Sintra numa posição relativamente confortável. O BCE realizou oito cortes das taxas de juro desde junho de 2024, descendo a taxa de depósito de 4% para os atuais 2%. As projeções do BCE apontam para uma inflação de 2% já este ano, mantendo-se “de forma sustentada” no médio prazo, ao mesmo tempo que a presidente do BCE quer tornar o euro como principal moeda mundial.
Jerome Powell, por sua vez, encontra-se numa posição mais delicada. O presidente da Fed tem mantido uma postura cautelosa, preferindo “esperar e ver” a trajetória da economia antes de ajustar as taxas de juro, ao mesmo tempo que tem sido alvo de várias críticas de Donald Trump. As tarifas impostas pela administração dos EUA criaram incerteza sobre a evolução da inflação, com Powell a reconhecer que podem impulsionar os preços no curto prazo.
Andrew Bailey representa a autoridade monetária que tem seguido uma abordagem gradual. O Banco de Inglaterra realizou apenas quatro cortes desde agosto de 2024, com a taxa de referência a estar atualmente nos 4,25%. Bailey defende que “é importante adotar uma abordagem gradual para a flexibilização”, com o mercado a antecipar ainda dois cortes adicionais este ano.
Kazuo Ueda enfrenta o desafio oposto. O Banco do Japão cortou para metade a previsão de crescimento para 2025 devido ao impacto da guerra comercial, mas mantém a taxa de referência em 0,5%. Este mês, Ueda referiu estar disponível para aumentar as taxas de juro “se houver melhorias na economia”, com o banco central a manter o país no caminho para atingir os 2% de inflação.
Chang Yong Rhee gere a economia mais exposta às tensões geopolíticas. O Banco da Coreia tem as taxas de juro em 2,5%, mas enfrenta uma “elevada incerteza quanto à trajetória futura” devido às políticas tarifárias americanas. Rhee admitiu que os reguladores “estão num túnel escuro”, preferindo moderar o ritmo até que a situação se torne mais clara.
Num momento em que cada palavra pode mover mercados, o Fórum do BCE promete, mais uma vez, ser o palco onde o futuro da economia global começa a ser escrito.
O Fórum anual do BCE transformou-se numa referência obrigatória para investidores, académicos e decisores políticos. Historicamente, as declarações feitas durante o Fórum de Sintra têm tido um impacto significativo nos mercados financeiros. Em 2022, os comentários de Christine Lagarde sobre a normalização da política monetária contribuíram para um aumento das expectativas de subida das taxas de juro.
Este ano, com a economia global numa encruzilhada entre a ameaça da inflação e os riscos de estagnação, e num ambiente de fortes tensões geopolíticas, as palavras proferidas e os debates realizados nestes três dias poderão determinar o rumo dos mercados nos próximos meses.
Num momento em que cada palavra pode mover mercados, o Fórum do BCE promete, mais uma vez, ser o palco onde o futuro da economia global começa a ser escrito. Para Portugal, país anfitrião desde a primeira edição, representa uma oportunidade única de estar no centro dos debates que definem as políticas económicas mundiais.
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