“Mesmo com as mudanças no mundo, sabemos qual é o nosso propósito. Faremos o que for preciso para cumpri-lo”, garante Lagarde

A presidente do BCE alertou que a elevada incerteza levará a uma inflação mais volátil, mas defendeu que as ferramentas do banco central são as corretas para responder aos desafios futuros.

Mesmo com as mudanças no mundo à nossa volta, sabemos qual é o nosso propósito. E faremos o que for preciso para cumpri-lo“. A frase de Christine Lagarde a fazer lembrar o “tudo o que for preciso” de Mario Draghi, quando em 2012, durante a crise das dívidas soberanas prometeu salvar a moeda única, foi proferida após ter alertado que a incerteza internacional deverá levar a uma inflação mais volátil.

Treze anos depois de Mario Draghi o fazer, num contexto diferente e com menos fulgor, a presidente do Banco Central Europeu (BCE) reafirmou o compromisso com a estabilidade de preços, no dia em que a instituição anunciou os resultados da avaliação estratégica que manteve os princípios já em vigor. Na prática, a mensagem de Lagarde era clara: o futuro terá mais incerteza, e por isso a inflação será mais volátil, mas Frankfurt tem a caixa de ferramentas necessária para lhe responder.

“É o nosso futuro que estabelece a lei do nosso hoje”. Foi a citar o filósofo alemão Friedrich Nietzsche que Christine Lagarde abriu o Fórum do BCE numa Sintra mais encalorada do que o habitual. Perante uma plateia de governadores, académicos, especialistas e alguns jornalistas, a presidente do BCE quis sinalizar que as expetativas sobre o futuro funcionam como um pêndulo sobre as decisões da instituição no presente.

“Quando revimos a nossa estratégia na última vez, há quatro anos, o nosso pensamento foi moldado – naturalmente – pelo passado recente: uma década de inflação muito baixa, agravada pela pandemia. Mas, como Nietzsche alertou, existe o perigo de deixar o passado dominar o nosso pensamento. Às vezes, é o futuro – ainda vagamente compreendido – que já está a moldar o nosso presente. E logo após essa revisão, o mundo mudou de formas que não tínhamos previsto“, afirmou.

No discurso que marca o tradicional jantar de boas-vindas oferecido pelo BCE aos convidados na véspera do primeiro dia de discussões, Christine Lagarde defendeu que a avaliação estratégica do banco central “tem sido um exercício de evolução, não de revolução” – “e, de fato, muitas das conclusões já se refletem na nossa conduta atual”.

Christine Lagarde, presidente do BCE, no painel de debate dos governadores © Your Image for the ECB

A presidente do BCE aludia à revisão estratégica conhecida esta segunda-feira e na qual Frankfurt confirmou o objetivo simétrico de 2% para a inflação a médio prazo e destacou que a “simetria exige uma resposta adequadamente vigorosa ou persistente da política monetária a grandes desvios sustentados da inflação em relação ao objetivo, em ambos os sentidos“. A revisão estabelece ainda que “o conjunto de instrumentos disponíveis permanece inalterado e a escolha, a conceção e a implementação dos mesmos possibilitarão uma resposta ágil a novos choques”.

Lagarde recordou que o banco respondeu ao recente choque inflacionista com ações inicialmente “vigorosas” e, em seguida, persistentes, com o objetivo de levar a inflação de volta à meta o mais rapidamente possível, mas com o menor impacto possível.

Recordando a turbulência vivida desde a última revisão, como a pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia, argumentou que a estratégia do se mantiveram, tal “como deveriam, porque uma estratégia sólida deve ser robusta face a um ambiente em mudança”.

"A nossa meta de inflação simétrica de 2% provou ser eficaz na ancoragem das expectativas. E a nossa orientação de médio prazo deu a flexibilidade essencial para absorver um grande choque.”

Christine Lagarde

A nossa meta de inflação simétrica de 2% provou ser eficaz na ancoragem das expectativas – mesmo perante alguns dos choques mais severos e persistentes da história económica recente. E a nossa orientação de médio prazo deu a flexibilidade essencial para absorver um grande choque”, afirmou.

Neste sentido, justificou a decisão de não revistar estes pilares. “Razão pela qual nos referimos ao exercício que acabámos de concluir como uma avaliação estratégica e não como uma revisão”, disse.

As três “lições” aprendidas

A presidente do BCE elencou, no entanto, três “lições”: a natureza do novo ambiente, como a instituição avalia os riscos que dele decorrem e como ajusta a função de reação para salvaguardar a estabilidade de preços “neste novo mundo”.

Ou seja, segundo Lagarde, perante um mundo “mais incerto – e essa incerteza provavelmente tornará a inflação mais volátil” (com “sinais claros de que os choques de oferta estão a tornar-se mais frequentes”), a análise de cenários terá um papel fundamental e, é por isso, que na estratégia o BCE se compromete a garantir que as decisões têm em conta não apenas a trajetória mais provável da inflação e da economia, mas também os riscos e a incerteza circundantes – incluindo através do uso de análises de cenários e sensibilidade.

Perante este contexto, sublinha que o Conselho do BCE considera que sua função de reação será melhor descrita como a exigência de “ações de política monetária apropriadamente enérgicas ou persistentes em resposta a desvios significativos e sustentados da inflação em relação à meta, em qualquer direção”.

“Todos os nossos instrumentos continuam disponíveis no conjunto de ferramentas. Mas a palavra apropriadamente é importante, pois realça que a escolha dos instrumentos e a intensidade com que os utilizamos devem refletir a proporcionalidade”, referiu.

Em junho considerou a postura da política monetária como “num bom lugar”. Após a conclusão desta avaliação estratégica, acrescentou que aestratégia de política monetária também está num bom lugar – fortalecida pela experiência e melhor equipada para os desafios do futuro”.

A estratégia atualizada do BCE será aplicada a partir da próxima reunião de política monetária do Conselho do BCE em 23 e 24 de julho, com a próxima avaliação a estar prevista para 2030.

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