Obrigações do Tesouro para o retalho sem armas para derrotar os Certificados de Aforro na carteira dos investidores

Impostos e comissões corroem o brilho das novas obrigações do Estado para o retalho, tornando-as menos vantajosas face aos Certificados de Aforro. Mas há uma situação em que as OTRV podem destacar-se.

Após um hiato de sete anos, o Estado regressa ao mercado de obrigações dirigidas ao retalho com uma emissão de mil milhões de euros a seis anos. As novas Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável (OTRV 2031), que podem ser subscritas a partir desta quarta-feira em qualquer banco, apresentam-se como uma alternativa aos tradicionais Certificados de Aforro, numa altura em que a procura por estes produtos de poupança está a abrandar, em função da queda da sua remuneração.

Mas será que esta nova oferta de títulos de dívida da República indexados à Euribor a 6 meses consegue superar a remuneração dos Certificados de Aforro ou mesmo dos depósitos bancários, que há 16 meses seguidos regista uma correção das taxas de juro?

À primeira vista, as OTRV 2031 parecem mais atrativas. Com a Euribor a 6 meses nos 2,051%, estas obrigações oferecem uma taxa de juro bruta de 2,301% (Euribor a 6 meses mais um prémio de 0,25%). Em contrapartida, os Certificados de Aforro para subscrição em julho apresentam uma taxa de juro base de apenas 2,011% e segundos os últimos dados do Banco de Portugal, os depósitos a prazo apresentam uma taxa de juro média de 1,64%.

Contudo, esta vantagem aparente desfaz-se rapidamente quando se analisam os custos associados a cada um dos produtos financeiros. Enquanto os Certificados de Aforro e os depósitos bancários são totalmente isentos de comissões, as OTRV 2031 estão sujeitas a um conjunto variado de custos que não só podem anular completamente os rendimentos gerados, como o investimento nestes títulos pode inclusive traduzir-se em perdas para os investidores, especialmente para investimentos menores, justamente pelo elevado peso das comissões associadas à sua negociação.

As OTRV 2031 oferecem um ganho líquido médio entre 0,8% (para o investimento mínimo permitido, que é de 1.000 euros) e 1,5% (para investimentos acima de 10.000 euros), considerando um horizonte de investimento de seis anos, até ao fim da maturidade destes títulos.

Segundo o memorando de informação das OTRV 2031, “poderão existir despesas de custódia e comissões sobre o pagamento de juros e de reembolso” das obrigações. Estes custos variam de acordo com o preçário de cada intermediário financeiro e dificilmente os investidores conseguem contornar as comissões associadas à negociação de obrigações.

Com base na análise do ECO aos preçários de 11 dos 12 bancos envolvidos diretamente nesta operação como colocadores e coordenadores globais, as OTRV 2031 oferecem um ganho líquido médio para os pequenos investidores entre 0,8% (para o investimento mínimo permitido que é de 1.000 euros) e 1,5% (para investimentos acima de 10.000 euros), considerando um horizonte de investimento de seis anos até 2031 e ainda sem considerar a comissão de custódia de títulos, que tem um impacto significativo para volume de investimento reduzidos.

É por isso que quando se compara a rendibilidade líquida entre os dois produtos de dívida do Estado emitidos pelo IGCP, os Certificados de Aforro saem claramente vencedores. Para um horizonte de investimento de seis anos, assumindo a manutenção das taxas atuais, os Certificados de Aforro oferecem uma rendibilidade líquida de 1,64%, independentemente do valor do investimento, enquanto as OTRV 2031 fica-se por um ganho anual médio de 1,5%, mesmo num investimento de 1 milhão de euros (o máximo permitido).

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

Para investimentos mais baixos, por exemplo pelo valor mínimo (1.000 euros) ou perto disso, as OTRV 2031 podem até gerar rendimentos negativos após descontado todas as comissões, impostos sobre as comissões (IVA e imposto de selo) e a taxa liberatória de 28% sobre os juros, com grande parte dos juros gerados pelas OTRV a serem literalmente “comidos” pelas comissões de negociação.

A única hipótese de as OTRV 2031 superarem a remuneração dos Certificados de Aforro é caso a Euribor a 6 meses volte a ultrapassar a barreira dos 2,75% (algo que não acontece desde novembro), e assumindo um investimento de pelo menos 8 mil euros e não fazendo contas à comissão de guarda de títulos. Isto acontece porque a taxa base dos Certificados de Aforro tem como teto máximo 2,5%, o que, mesmo com os prémios de permanência associados a partir do segundo ano, torna difícil acompanhar a remuneração das OTRV num ambiente de escalada das taxas Euribor.

Contudo, atualmente, os contratos forward sobre as Euribor (que antecipam o comportamento das taxas) não apontam para que a barreira dos 2,75% da Euribor a 6 meses seja ultrapassada antes de 2031.

Ambiente de mercado pouco apelativo às OTRV

O relançamento das OTRV surge num contexto marcado por uma tendência de queda das taxas de juro na Zona Euro. A Euribor a 6 meses já caiu significativamente desde os picos de 2024, refletindo a política monetária acomodatícia do Banco Central Europeu. Neste ambiente, dificilmente as OTRV 2031 conseguirão pagar mais que os Certificados de Aforro ao longo dos próximos seis anos.

Além da questão da rendibilidade, existem outras diferenças importantes entre os dois produtos que devem ser ponderadas pelos investidores:

  • Liquidez e flexibilidade: Os Certificados de Aforro podem ser resgatados antecipadamente após três meses sem penalizações e garantindo sempre o valor nominal. As OTRV 2031, embora possam ser vendidas em mercado na Euronext Lisboa, estão sujeitas às flutuações de preço do mercado.
  • Acessibilidade: Os Certificados de Aforro podem ser subscritos diretamente nos CTT, Espaços Cidadão ou através do AforroNet, sem intermediários financeiros. As OTRV 2031 requerem obrigatoriamente a intervenção de um banco ou intermediário financeiro, comportando com isso uma panóplia de comissões que comem grande parte dos potenciais ganhos gerados.
  • Investimento mínimo: Os Certificados de Aforro têm um investimento mínimo inicial de apenas 100 euros, enquanto as OTRV 2031 exigem um mínimo de 1.000 euros.

Apesar do regresso das OTRV ao mercado, os Certificados de Aforro revelam-se numa escolha mais assertiva para a esmagadora maioria dos pequenos investidores portugueses. A ausência de comissões, a flexibilidade de resgate, os prémios de permanência e a simplicidade de subscrição fazem destes produtos uma opção superior.

De acordo com cálculos do ECO, as OTRV 2031 só se tornariam competitivas num cenário para já distante de forte subida das taxas Euribor para níveis acima dos 2,75%, algo que os mercados não antecipam para os próximos anos.

Para investimentos de baixo valor, a escolha entre os dois produtos é ainda mais clara, com os Certificados de Aforro a oferecerem melhor rendibilidade líquida em praticamente todos os cenários previsíveis. Desta forma, a menos que seja um investidor com os bolsos mais recheados e procure especificamente a possibilidade de negociar dívida pública em mercado, os Certificados de Aforro continuam a ser a opção mais sensata para quem procura segurança, rendibilidade e flexibilidade na sua poupança.

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