Setor do vinho antecipa “vindima mais negra de sempre”. Governo prepara medidas

Governo assegura que está a preparar soluções para o Douro, uma das regiões mais afetadas. Empresários lamentam que “nada tenha sido feito” perante um crise anunciada.

O setor do vinho antecipa a “vindima mais negra de sempre”. Excesso de stock, uvas sem destino, aumento dos custos, baixa remuneração aos viticultores, alterações dos padrões de consumo são encarados como indícios de uma “tempestade perfeita”.

“A vindima de 2024 foi uma das mais dramáticas da história da vitivinicultura portuguesa”, começa por dizer a Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas (Anceve), lembrando que “muitos viticultores deixaram as uvas por colher, ou por não conseguirem encontrar compradores ou pelo facto de o preço que lhes foi oferecido implicar um prejuízo demasiado avultado e não compensar o seu trabalho, após um ano de investimento nas vinhas”.

A vindima de 2025 será muito provavelmente ainda mais dramática do que a do ano passado, tal como as notificações aos viticultores por parte de compradores tradicionais, anunciando que não lhes ficarão este ano com as uvas, antecipam desde já.

Paulo Amorim

Presidente da Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas

Este ano a crise vai continuar, com a associação liderada por Paulo Amorim a antecipar que a “vindima de 2025 será muito provavelmente ainda mais dramática do que a do ano passado, tal como as notificações aos viticultores por parte de compradores tradicionais, anunciando que não lhes ficarão este ano com as uvas, antecipam desde já”.

Frederico Falcão, presidente na ViniPortugal, corrobora a ideia e realça ao ECO que, especificamente, “a região do Douro vai ter uma vindima muito difícil”, justificando que “há muitos stocks e, por isso, uma parte das uvas, que poderá ser significativa, não deverá ter destino”.

A região do Douro vai ter uma vindima muito difícil. Há muitos stocks e, por isso, uma parte das uvas, que poderá ser significativa, não deverá ter destino.

Frederico Falcão

presidente na ViniPortugal

Embora compre “poucas uvas”, por ter 220 hectares de vinha própria, a Quinta do Crasto vai “manter-se fiel aos produtores que vendem as uvas sem alterar os preços“, destacando que “é provável que não precisem de todas as uvas que vão comprar, mas que é uma obrigação manter as relações”.

Tomás Roquette, líder desta empresa que produz 1,3 milhões de garrafas ao ano, emprega cem pessoas e fatura 10,5 milhões de euros, prevê que ainda este ano ou após esta vindima, os viticultores “abandonem as vinhas” e “deitem a toalha ao chão”.

No ano passado, os produtores de vinho enfrentaram uma “tempestade perfeita” antes das vindimas. Tomás Roquette lamenta que um ano depois “nada tenha sido feito” e questiona o que “mudou para que este ano não seja ainda mais grave”.

Tomas Roquette, administrador da Quinta do CrastoHugo Amaral/ECO

O administrador da histórica empresa do Douro realça que o Governo deve apostar na promoção dos vinhos portugueses. “Para resolver uma grande parte do problema, a região tem que vender muito mais do que vende, com melhor preço (…) Portugal tem que roubar quota a outros produtores mundiais”, sublinha.

A região tem que vender muito mais do que vende, com melhor preço (…) Portugal tem que roubar quota a outros produtores mundiais.

Tomás Roquette

Administrador da Quinta do Crasto

À semelhança da Quinta do Crasto, a Sogrape, que compra uvas e vinho a cerca de 2.100 viticultores portugueses, “compromete-se a adquirir este ano uma quantidade equivalente à do ano anterior”. O administrador executivo responsável pelas operações em Portugal, Miguel Pessanha, garante ao ECO que “não irá despedir nenhum lavrador na vindima deste ano, reafirmando assim o seu compromisso com os viticultores”.

A dona das marcas Mateus Rosé, Barca Velha, Esteva, Sandeman ou Porto Ferreira, afirma ainda que “a Sogrape reforça a sua posição de continuidade, sustentada na força das suas marcas e, sobretudo, na relação de confiança e longo prazo com os seus parceiros vitivinícolas”.

Apesar de considerar que o setor vitivinícola “atravessa um momento particularmente desafiante, marcado por desequilíbrios em algumas regiões e por uma conjuntura económica exigente, a Sogrape, que emprega 800 pessoas em Portugal e fatura 356 milhões de euros, realça que é “prematuro classificá-la como a mais negra de sempre, uma vez que a realidade é complexa e o impacto varia significativamente entre regiões e categorias de vinho”.

A Sogrape reconhece que o setor vitivinícola atravessa um momento particularmente desafiante, marcado por desequilíbrios em algumas regiões e por uma conjuntura económica exigente. No entanto, consideramos prematuro classificá-la como a “mais negra de sempre”, uma vez que a realidade é complexa e o impacto varia significativamente entre regiões e categorias de vinho.

Miguel Pessanha

Administrador executivo da Sogrape

Com as vendas de Vinho do Porto a decrescer cerca de 20% nos últimos 20 anos, o líder da ViniPortugal constata que a “necessidade de compra de uvas para produzir Vinho do Porto tem vindo a reduzir-se”. Apesar da subida de vendas dos vinhos Douro, Frederico Falcão assegura que “não compensam a quebra de Porto”.

Em 2024, os estabelecimentos turísticos em Portugal receberam mais de 31 milhões de hóspedes e registaram mais de 80 milhões de dormidas. O líder do Crasto não sabe como o país não aproveita estes números para potenciar o vinho do Porto.

“Somos a única região do mundo a produzir vinho do Porto. Como é possível que um turista vá a um restaurante no Porto e não seja presenteado com um cálice de vinho do Porto?“, indaga Roquette, destacando que é uma forma de dar a provar o que é nosso e estimular as vendas.

Apesar desta crise, no ano passado, a Região Demarcada do Douro comercializou vinhos no valor de 624 milhões de euros. Mais nove milhões de euros do que em 2023, de acordo com dados do Instituto dos Vinhos do Porto e Douro (IVDP).

Para o líder do Crasto, este “crescimento face ao problema que a região tem pela frente é residual”. E insiste que “deve existir uma verdadeira estratégia de divulgação e promoção dos vinhos portugueses lá fora para mostrar que Portugal tem potencial para produzir grandes vinhos, a um ótimo preço”. Roquette assegura que esse “crescimento seria bastante superior se Portugal apostasse na promoção dos vinhos”.

O líder da ViniPortugal recorda que os “problemas são transversais ao resto do país, mas em menor dimensão”. Frederico Falcão recorda que a “região do Alentejo também enfrenta alguns problemas, embora o problema social seja menor”. Entre os problemas estão o “excesso de uva para as vendas atuais”, alertando que “há muitos vinhos no mercado que consumidores acham que são do Alentejo e são vinhos importados – está escrito na rotulagem, mas por vezes consumidores são confundidos sobre origem”.

No ano passado, as exportações dos vinhos portugueses cresceram 4,46% para 965,8 milhões de euros, apesar do decréscimo do preço médio por litro, que desceu 3,88%, fixando-se nos 2,78 euros. Mesmo com as exportações a crescer, o líder da ViniPortugal disse não se lembrar de um ano com tanta turbulência, disse Frederico Falcão.

Governo prepara soluções para o Douro

A Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas solicitou uma reunião com caráter de urgência com a Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas, a fim de debater a situação atual do setor do vinho, as perspetivas dramáticas para a vindima que se avizinha e as medidas necessárias que é imperioso adotar.

A apresentar à lista de problemas, a Anceve, em comunicado divulgado esta segunda-feira, denunciou que o “Instituto da Vinha e do Vinho, uma instituição fundamental para a fileira vitivinícola, se encontra numa situação de indefinição e paralisia, em consequência da exoneração verbal do conselho diretivo em janeiro passado”. No entanto, o Governo garantiu ao ECO que presidente do Instituto da Vinha e do Vinho está “na plenitude de funções”.

O Ministério da Agricultura e Mar assegurou há dias estar a preparar soluções estruturais para “assegurar a sustentabilidade económica, social e ambiental” da região demarcada do Douro, dirigidas sobretudo aos pequenos produtores, no mesmo dia que se realizou um protesto dos viticultores do Douro, no Peso da Régua.

O Governo compromete-se a apresentar soluções em “breve”, destacando que “reconhece as legítimas preocupações manifestadas pelos viticultores da região, num contexto particularmente desafiante para o setor vitivinícola mundial, derivado da diminuição do consumo”, assumindo “o compromisso com a valorização do trabalho dos viticultores e da construção de soluções estruturais”.

O plano para o Douro está a ser estruturado em articulação com os diversos organismos do ministério liderado por José Manuel Fernandes e com o envolvimento de agentes da região e da Comissão Europeia, lê-se no comunicado. O Governo reforçou o montante destinado à promoção do vinho português em países terceiros, em 14,2 milhões de euros, para os anos de 2025 a 2027. “Não podemos desistir da promoção de um produto único no mundo”, disse José Manuel Fernandes.

Na 28.ª Feira do Alvarinho de Monção, no distrito de Viana do Castelo, o ministro da Agricultura destacou necessidade de “adequar a oferta à procura” de vinho, nomeadamente no Douro, porque “não podemos estar sempre a destruir vinho”, sendo necessárias “soluções para os agricultores que vão ver a produção diminuída”.

A Sogrape, maior empresa portuguesa do setor, acredita que com “medidas estruturais – como o ajustamento da oferta à procura e o reforço da promoção dos vinhos portugueses –, o setor poderá ultrapassar este momento com equilíbrio, confiança e foco em soluções sustentáveis para o futuro do setor”.

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