BRANDS' ECO O custo de apagar a luz tirou mais de mil milhões à economia nacional
Peritos alertaram, em conferência organizada pela Proforum, que o apagão de abril revelou fragilidades nas infraestruturas críticas e na preparação do país. “Não estamos preparados”, apontam.
O apagão elétrico de 28 de abril, que afetou Portugal e Espanha durante várias horas, foi um aviso para as fragilidades que ainda persistem nas infraestruturas críticas, sobretudo num contexto de crescente eletrificação e digitalização. A conferência “Impactos do ‘Apagão’ em Infraestruturas Críticas”, organizada na quinta-feira pela Proforum, em Lisboa, reuniu especialistas de setores chave como a energia, comunicações, transportes e água para uma análise profunda das consequências do incidente e das lições que dele se retiram.
“Um mal que veio por bem”
O sistema elétrico europeu é uma máquina de precisão com interligações delicadas e, quando algo falha, o efeito dominó pode ter consequências sérias. “Em três segundos, desapareceram mais de 10 mil megawatts da rede”, lembrou António Vidigal, consultor em sistemas elétricos. A origem do problema esteve do outro lado da fronteira, mas os efeitos foram sentidos também em território português, onde se sentiram constrangimentos que, embora sérios, não provocaram danos profundos – em Espanha, por outro lado, registaram-se mortes associadas a este evento. “Não havia absolutamente nada que pudéssemos ter feito”, sublinhou o especialista.
António Vidigal defende que o incidente deve ser visto como um alerta para que a rede seja preparada para lidar com situações deste tipo, nomeadamente em caso de guerra ou catástrofe natural, como um sismo. “Foi um mal que veio por bem. Qualquer dia vamos ter um problema destes a sério e, nesse caso, não estamos preparados”, lamenta.

Vítor Santos, professor catedrático no ISEG e antigo presidente da ERSE, destacou que os custos de interrupções no fornecimento elétrico na Europa rondam os 50 mil milhões de euros anuais, impulsionados sobretudo pelos fenómenos climáticos extremos. No caso do apagão ibérico, estimativas apontam para perdas de 1,1 mil milhões de euros em Portugal e 4,5 mil milhões em Espanha, segundo contas de Óscar Afonso, professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Outros estudos, como os promovidos pela CIP e AIP, apontam para impactos ainda maiores na ordem dos 2 mil milhões de euros.
“O que é preocupante não são só os danos diretos, mas o impacto reputacional”, alertou. “Os apagões são como desastres de aviação – raros, mas com enorme cobertura mediática. Isso pode afetar o investimento direto estrangeiro”, apontou. E lembrou, a título de exemplo, o caso do Texas onde uma sequência de apagões, em 2021, teve impactos estimados entre 89 mil e 125 mil milhões de dólares, levando a uma reformulação total da operação energética no estado.
E o impacto nas infraestruturas críticas?
No setor da água, que representa cerca de 3% do consumo energético do país, os sistemas de contingência provaram a sua eficácia. “As reservas [de água] funcionaram muito bem. Temos infraestruturas elevadas que permitem o funcionamento por gravidade. Na generalidade, não houve falhas de abastecimento”, garantiu José Sardinha, presidente da EPAL. A empresa mantém ainda um sistema autónomo de comunicações, testado regularmente em exercícios como o “dia de rádio”, em que toda a operação é feita sem telemóveis ou rede fixa. “Este treino revelou-se muito útil durante o apagão”, sublinhou.
Já nas telecomunicações, a resposta foi mais tensa. Jorge Graça, administrador executivo da NOS, revelou que a operadora teve de transportar combustível manualmente em jerricãs para garantir a alimentação elétrica dos data centers.
“As redes móveis aguentaram-se bem em Portugal, ao contrário de Espanha, onde colapsaram ao fim de 15 minutos”, disse. Ainda assim, a pressão sobre a rede foi evidente, com deslocações massivas de pessoas para zonas em que a infraestrutura não estava preparada. “Temos de pensar se, numa crise séria, devemos limitar o acesso a redes sociais para garantir a capacidade da rede em processos críticos”, sugere.
O responsável da operadora de telecomunicações reforçou também a necessidade de definir claramente os corredores de comunicação que devem resistir a tudo, sobretudo em casos de catástrofe. “É possível criar bolhas de conectividade à prova de falhas. Mas é preciso identificar e investir”, afirma, pedindo que esse trabalho seja feito em antecipação.

No setor dos transportes, Miguel Cruz, presidente da Infraestruturas de Portugal, garantiu que “o apagão não teve consequências sobre a segurança das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias”. Nesse dia, a greve da CP limitava já a circulação e os comboios a diesel acabaram por ser suspensos por precaução e para evitar acidentes, devido às falhas nos sistemas de sinalização. No entanto, surgiram dificuldades logísticas inesperadas. “O centro de controlo do tráfego manteve-se com geradores, mas ao longo do dia fomos perdendo algumas câmaras. E só conseguimos reabastecer combustível à noite, apesar de estarmos na lista de prioridades. Isto deve ser algo a rever”, defende.
O líder da IP sublinhou ainda a necessidade de reforçar a autonomia energética e a definição clara do que é crítico: “Temos de aumentar a capacidade de geradores nos pontos-chave. E temos de ter planos fora do computador, porque se falhar a energia não podemos depender de ficheiros digitais”, conclui.
Coordenação é fundamental
Um dos temas transversais ao painel foi a falta de coordenação e clareza na resposta, que deve ser mais ágil em situações deste tipo. “Não faz sentido demorar horas a montar equipas. A resposta tem de surgir na primeira meia hora”, criticou Jorge Graça. Para Vítor Santos, a recente transposição da diretiva europeia sobre entidades críticas, publicada em março, é uma oportunidade para melhorar. “As entidades têm agora dez meses para elaborar planos de continuidade e resiliência. Temos a oportunidade de fazer bem feito”, reitera.
Com as alterações climáticas e o aumento de fenómenos climáticos extremos, a eletrificação transversal da economia e a ameaça crescente de ciberataques, o que aconteceu a 28 de abril não foi apenas um susto, mas antes um ensaio geral. Os especialistas pedem, por isso, que o Governo e as entidades responsáveis sejam capazes de preparar o país para situações anómalas como a que se viveu na Península Ibérica.
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