Bruxelas apresenta novo orçamento de longo prazo. O que já se sabe sobre o braço de ferro que aí vem
Proposta da Comissão é apresentada esta quarta-feira. Todos querem garantir verbas para as políticas que defendem. Portugal quer manter o poder das regiões. Leia aqui o que já se sabe.
A Comissão Europeia vai apresentar esta quarta-feira a proposta para o próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP), ou seja, o orçamento de longo prazo da União Europeia (UE) pós-2027, adaptado às novas prioridades, com destaque para a defesa. A presidente do executivo comunitário vai fazê-lo sob alta pressão ou não fosse esta a altura em que todos querem garantir verbas para as políticas que mais os afetam.
No essencial, o QFP determina os montantes máximos que o orçamento da União pode atribuir aos seus principais setores de atividade entre 2028 e 2034, máximos estes fixados por categoria de despesas, correspondentes às principais políticas da União. Cerca de 93% dos fundos beneficiam habitualmente os cidadãos, as regiões, os municípios, os agricultores, as universidades e as empresas, enquanto as despesas administrativas da União representam menos de 7% do orçamento total, de acordo com dados do Parlamento Europeu.
Após a apresentação de quarta-feira seguem-se cerca de dois anos de negociação e Ursula von der Leyen vai ter de encontrar o equilíbrio entre os defensores dos países da coesão, nos quais se inclui Portugal, os que querem uma abordagem mais dura e ainda o Parlamento Europeu. Tradicionalmente, a estas vozes juntam-se os lobby de diversos setores, com destaque para os agricultores.
Em fevereiro, Bruxelas colocou em consulta pública (que terminou em 7 de maio) as linhas-mestre que defende para o quadro financeiro plurianual que arranca em 2028. A instituição liderada por Ursula von der Leyen anunciou uma reforma do orçamento comunitário de longo prazo, de modo a ter mais flexibilidade na gestão, reforçar o investimento em defesa, mas também responder ao desafio colocado pelo reembolso dos empréstimos do NextGeneration. Neste sentido, considera que é preciso introduzir novos recursos próprios.
“O status quo não é uma opção. É preciso fazer escolhas. A UE deve maximizar o impacto de cada euro que gasta, concentrando-se nas prioridades e objetivos da UE onde a ação da UE é mais necessária”, argumentou na altura.
A nova abordagem sinalizada pela Comissão Europeia segue cinco prioridades:
- Alterar a estrutura do plano que estabelece as despesas da UE, em particular para projetos e políticas plurianuais. Em vez dos habituais programas o orçamento passaria a contar “com um plano para cada país com reformas e investimentos importantes, projetados e implementados em parceria com autoridades nacionais, regionais e locais”.
- Criar um Fundo Europeu de Competitividade, que deve estabelecer uma capacidade de investimento para apoiar setores estratégicos e tecnologias críticas.
- Estabelecer um financiamento da defesa renovado, de modo a ser mais “direcionado e alinhado com interesses estratégicos” e contribuindo para uma nova política externa.
- Incorporar salvaguardas adicionais que protejam o Estado de Direito.
- Criar “receitas modernizadas para garantir financiamento suficiente e sustentável” para as prioridades comuns.
O roteiro comunitário esteve longe de agradar a todos os Estados-membros e desde então o tema tem sido trabalhado nas instâncias europeias. Em março, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, instou os líderes europeus a debaterem uma “abordagem abrangente em matéria de despesas e receitas”.
Neste sentido, apontou duas questões para guiar a discussão:
- Como abordar a principal equação financeira do próximo QFP, ou seja, como garantir que o orçamento disporá dos recursos necessários para a União Europeia alcançar os objetivos que se propôs?
- Qual será o papel dos novos recursos próprios no próximo QFP, especialmente à luz do futuro reembolso do Next Generation EU?

Dimensão do Orçamento
Os desafios que a União Europeia enfrenta acumulam-se, já que aos tradicionais, como a competitividade, juntaram-se o imperativo da defesa, a guerra comercial e o pagamento da dívida emitida para financiar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
O orçamento atualmente em vigor dispõe de 1,2 biliões de euros para financiar as suas políticas e uma das grandes questões para esta quarta-feira prende-se com a dimensão do próximo QFP. A Comissão Europeia não estará muito disponível para aumentar de forma significativa a conta do próximo orçamento, pelo que a estratégia de fazer mais com o mesmo será um dos principais desafios de von der Leyen.
O Politico (em inglês) avança esta terça-feira que a presidente do executivo comunitário vai recuar e prometer mais dinheiro para as regiões pobres do que o previsto anteriormente. Em cima da mesa estavam cortes de 20% nas verbas para a agricultura e Coesão, de modo a direcioná-las para novos desafios como a defesa, inovação e alargamento.
De acordo com um documento a que o Politico teve acesso, Ursula von der Leyen cedeu à última hora em algumas matérias, na tentativa de apaziguar os ânimos de áreas políticas tão opostas como do italiano Raffaele Fitto e da romena Roxana Mînzatu.
A medida que prevê que a Comissão continue a distribuir grande parte do seu financiamento para as regiões mais pobres da Europa a partir de 2028 é vista como suficiente para garantir o apoio político dos 27 comissários da UE, disseram dois funcionários da UE ao Politico.
Segundo o Politico, existem algumas cedências quanto ao plano inicial de aumentar significativamente o poder dos governos centrais na gestão dos fundos regionais, recuando assim face ao objetivo da presidente do executivo comunitário de fundir vários programas num único fundo nacional, em que a libertação dos fundos estaria vinculada à implementação de reformas.
Como argumento para suportar a ideia inicial, a Comissão Europeia considerava que a medida iria facilitar o acesso das verbas pelos beneficiários, assim como incentivar a produtividade.

Ministro da Economia e da Coesão Territorial, Castro AlmeidaRicardo Castelo/ECO
Portugal defende separação entre Coesão e Agricultura e manter poder das regiões
Portugal defende que os novos desafios da União Europeia não podem ser alcançados à custa das políticas comunitárias atuais. Ou seja, a aposta na competitividade e na defesa não deve ser financiada com as verbas da coesão ou da Política Agrícola Comum (PAC). Como o ECO conta aqui, numa carta endereçada à presidente da Comissão Europeia, o Governo português sustenta que coesão e agricultura devem ser fundos autónomos com financiamento adequado, marcando assim posição contra os possíveis cortes na Política de Coesão e nas verbas para a Agricultura.
Esta missiva, entregue em Bruxelas na semana passada surge após uma outra, na qual 14 países, amigos da Coesão, incluindo Portugal, rejeitavam os cortes que se antecipa estarem em cima da mesa.
O Governo português sustenta que coesão e agricultura devem ser fundos autónomos com financiamento adequado.
“Se ficarem garantidas as regras de que os fundos europeus se vão continuar a dirigir sobretudo às regiões mais pobres, algo distinto do sistema PRR, e se ficar garantida a participação das diferentes instituições do Estado — Central, Regional, e Local e não como no PRR em que é o Estado Central que faz tudo –, se isto ficar garantido e ficar garantida a separação dos fundos da coesão e dos fundos da agricultura, teremos conseguido o essencial das nossas pretensões”, resumiu o ministro da Economia e Coesão, Manuel Castro Almeida, em declarações ao ECO à margem do primeiro Conversas com Fomento.
Rejeitar qualquer proposta que junte os fundos da Coesão e da agricultura é, aliás, a posição defendida pelo Parlamento Europeu, que a par do Conselho terá de aprovar o documento. “Os tratados têm de ser respeitados. Não é aceitável que políticas que são essenciais, como é o caso da agricultura, não se mantenham de uma forma autónoma e sem estarem associadas a 27 Estados-membros”, sublinhou a eurodeputada do PS Carla Tavares, co-relatora do PE para as negociações do QFP.
Em conferência de imprensa em Bruxelas, Carla Tavares e o eurodeputado e co-relator Siegfried Mureşan defenderam que o próximo orçamento deve ser “ambicioso” e “transparente” e avisaram a Comissão Europeia de que o Parlamento “não hesitará” em devolver o processo se a proposta não “respeitar os desígnios europeus”.
Os eurodeputados reforçaram ainda a ideia de que um fundo de competitividade fundindo vários programas existentes é inadequado. “Entendemos que esta área tem de ser mais do que a fusão de um conjunto de programas já existentes. Foi uma das primeiras áreas que enquanto relatores começámos a trabalhar e fomos claros que fazer um rebranding e juntar todos os programas existentes não era um caminho que nos parecesse razoável”, acrescentou a eurodeputada portuguesa.
Novos recursos próprios
A Comissão Europeia propôs na sexta-feira três novos impostos para financiar a despesa: sobre resíduos elétricos não reciclados, produtos de tabaco e as grandes empresas na UE com lucros superiores a 50 milhões de euros. Esta possibilidade, no âmbito dos novos recursos próprios, está contudo longe de estar fechada com os Estados-membros.
Em 2021, Bruxelas já tinha proposto novos fontes, como as receitas do regime de comércio de licenças de emissão e os recursos gerados pelo mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço proposto pela UE.
O Parlamento Europeu defende precisamente que a Comissão Europeia avance na discussão sobre as novas fontes de receita, uma vez que o quadro financeiro plurianual vive essencialmente das contribuições dos Estados-membros. Ou seja, aumentar o orçamento sem novos recursos significará aumentar as contribuições nacionais.
“A defesa é uma área muito relevante, mas não aceitamos que seja feita à custa da coesão. Tem de se encontrar caminhos de financiamento”, disse Carla Tavares, aludindo à necessidade de encontrar novos recursos próprios. Nesta matéria, Siegfried Mureşan classificou como “irresponsável fazer o rollover da dívida [emitida para financiar o PRR] sem definir como será paga.
“Não vamos concordar com esse adiamento. O rollover da dívida não pode ser uma solução ao invés dos novos recursos próprios”, disse.
Com base na proposta da Comissão, o orçamento de longo prazo terá de ser adotado por unanimidade pelos 27 Estados-membros da UE no Conselho, após aprovação pelo Parlamento Europeu. Antes disso, os próximos passos passam por Estrasburgo entregar o relatório sobre a proposta da Comissão, o que está previsto para o outono.
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