Empresas pedem rapidez no acordo com Mercosul para mitigar quebra nos EUA
Desbloquear novos mercados é o caminho identificado pelas empresas para compensar "risco muito sério" para mais de 5.000 milhões de euros em exportações que têm como destino os EUA.
“A imposição de tarifas de 30% representa um risco muito sério para as exportações nacionais“, admite José Eduardo Carvalho. As declarações do presidente da Associação Industrial Portuguesa (AIP) resumem as preocupações dos empresários portugueses. Com vendas acima de cinco mil milhões para os EUA, as empresas estão a explorar novas alternativas para mitigar o impacto das tarifas e pedem rapidez nas medidas para apoiar a internacionalização e nas negociações do acordo com o Mercosul, para abrir novos mercados.
Depois de ter alargado o período de negociações para tentar um acordo comercial com a União Europeia, o presidente dos EUA, Donald Trump, recorreu à sua rede social, no passado sábado, para anunciar a imposição de tarifas de 30% sobre todos os produtos da União Europeia, independentemente de todas as tarifas setoriais, a partir de 1 de agosto. O anúncio marca mais um epílogo na série de avanços e recuos de Trump na política comercial, aumentando o nível de incerteza nas relações comerciais entre ambos os blocos. Certo é que, a avançar, a medida terá grande impacto para as exportações nacionais, que, no ano passado, superaram os 5,3 mil milhões de euros.
“O peso das exportações para os EUA aumentou de 5% em 2019 para 6,8% em 2023, o que demonstra a crescente importância deste mercado para as empresas portuguesas“, destaca o presidente da AIP, lembrando que os EUA são o quarto maior mercado para as exportações nacionais.
Segundo José Eduardo Carvalho, os setores mais penalizados serão os da alimentação e bebidas, calçado e têxtil, maquinaria, farmacêutica e mobiliário“, “todos com forte presença no mercado norte-americano”.
A imposição de tarifas de 30% representa um risco muito sério para as exportações nacionais, sobretudo tendo em conta que os EUA foram, em 2023, o 4.º principal destino das exportações portuguesas. O peso das exportações para os EUA aumentou de 5% em 2019 para 6,8% em 2023, o que demonstra a crescente importância deste mercado para as empresas portuguesas.
Sem capacidade para substituírem um mercado com a dimensão dos EUA nos próximos anos, os setores mais expostos ao país pedem ajuda para “desbravar” novos mercados. “É cada vez mais importante fechar o acordo com a Mercosul, onde temos tarifas altíssimas“, defende Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal.
O representante do setor do vinho, que chegou a ver Trump ameaçar a indústria com taxas de 200% e a ter encomendas congeladas devido a este anúncio, refere que se houver um acordo para remover estas taxas, “o vinho chegará mais barato a estes mercados” e as empresas podem “compensar parte do abrandamento dos EUA“.

Os EUA são atualmente o segundo mercado de exportação do setor dos vinhos, com vendas de 102 milhões de euros e 10,58% da quota de exportação, pelo que “se estas tarifas vierem a ser implementadas, [isto] seria altamente danoso para o nosso setor“, admite Frederico Falcão.
O mesmo responsável acrescenta que neste momento o setor tem tarifas de 10% e “muitos produtores portugueses foram forçados a baixar os preços em 10% ou 5%, de maneira a não aumentar os preços” para os clientes norte-americanos.
Um cenário que não será possível se esta taxa triplicar: “Com tarifas de 30% já não é possível na maioria dos casos. Muitos produtores iam deixar de vender e perder o mercado dos EUA. Iriam perder o mercado“, atira, explicando que, tendo em conta a cadeia de distribuição, composta por importador – distribuidor – retalhista, e as respetivas margens de lucro de cada um, o vinho chegaria “ao consumidor com aumento acima de 50%”.
Mesmo com os exportadores do setor vinícola a absorverem a fatura das tarifas, o mercado dos EUA, que vinha a crescer ano após ano, já está a cair. Até maio, volume de exportação de vinho para os EUA caiu 9,3%, de 42,7 para 38,7 milhões de euros. “Perdemos quatro milhões em exportações em cinco meses”, realça o presidente da ViniPortugal.
Aurélio Caldeira, diretor-geral da ANIMEE, a associação que representa empresas do setor elétrico e eletrónico, nota que as maiores preocupações são o efeito indireto nos principais parceiros comerciais do setor no mercado europeu, para onde as empresas vendem o produto acabado, “que é depois, muitas vezes, integrado em outros produtos finais”, que “são posteriormente exportados para os EUA e para o México, como é o caso dos componentes para a indústria automóvel”.
As medidas de mitigação para enfrentar esta crise tarifária e consequente abrandamento da atividade económica, mais importantes para o nosso setor passam pela Procura de Novos Mercados, estabelecendo ou fortalecendo acordos comerciais com outros países ou blocos económicos para facilitar o acesso a novos mercados, como por exemplo, potenciar o acordo UE-Mercosul, com redução de tarifas com países da América Latina.
De acordo com o mesmo responsável, as medidas de mitigação para enfrentar esta crise tarifária, e consequente abrandamento da atividade económica, “passam pela procura de novos mercados, estabelecendo ou fortalecendo acordos comerciais com outros países ou blocos económicos para facilitar o acesso a novos mercados, como por exemplo, potenciar o acordo UE-Mercosul, com redução de tarifas com países da América Latina”.
“É igualmente importante o desenvolvimento de parcerias estratégicas com mercados de geografias emergentes, promovendo uma maior presença das empresas portuguesas nessas em geografias menos expostas ao impacto das tarifas norte-americanas”, acrescenta.
Também o setor do têxtil e vestuário, que tem nos EUA o quarto maior mercado de exportação, com vendas de 500 milhões de euros, o equivalente a 10% das exportações do setor, reconhece que “uma imposição tarifária desta magnitude levará inevitavelmente à redução ou cancelamento de encomendas, desvio de produção para mercados com acordos comerciais preferenciais, e enfraquecimento de cadeias de abastecimento que demoraram anos a consolidar-se”, admite a ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal.
Uma imposição tarifária desta magnitude levará inevitavelmente à redução ou cancelamento de encomendas, desvio de produção para mercados com acordos comerciais preferenciais, e enfraquecimento de cadeias de abastecimento que demoraram anos a consolidar-se.
A mesma fonte da associação que representa o têxtil, alerta que “o impacto [das tarifas] não será apenas nas exportações diretas: muitas empresas portuguesas fornecem marcas internacionais que depois distribuem os seus produtos globalmente, incluindo no mercado americano. Se deixarmos de vender, direta ou indiretamente, para os EUA, perdemos uma parte fundamental da cadeia de valor“.
Estes riscos, num momento em que o mercado europeu “está a ser inundado por produtos de ultrafast fashion, maioritariamente provenientes da China”, estão a criar “uma nova vaga de turbulência no comércio internacional, falta de previsibilidade, elevada concorrência desleal e políticas que não respondem às necessidades da indústria europeia, pondo em causa milhares de empregos“.
Perante este contexto, a ATP destaca que “as empresas portuguesas não vendem apenas t-shirts, toalhas ou cordas. Vendem soluções, vendem valor acrescentado, vendem conhecimento e design. E isso exige confiança, proximidade e relações construídas ao longo do tempo. Não basta estalar os dedos para entrar noutro mercado — sobretudo num setor tão competitivo, técnico e saturado como o têxtil”.
A associação diz que “é claro que existe um esforço crescente de diversificação, e muitas empresas têm investido nessa direção”, mas “substituir um mercado como os EUA — que vale direta e indiretamente centenas de milhões de euros — não se faz de forma imediata, particularmente para PME com recursos limitados“. Dito isto, a associação reconhece que a diversificação é “essencial”, mas “exige tempo, investimento e apoio institucional firme”.
“É um caminho que, sobretudo para as PME, implica riscos e compromissos significativos. O papel da AICEP poderia e deveria ser mais pró-ativo, sobretudo na identificação de oportunidades concretas e através de uma atuação mais dinâmica e direcionada das suas delegações no terreno, em articulação com as associações setoriais”, atira fonte da ATP, que aponta ainda o dedo à execução dos apoios: “Continua demasiado lenta“.
“No nosso projeto de internacionalização, passaram quase 12 meses entre a submissão e a aceitação da candidatura. Agora aguardamos a possibilidade de submeter despesas e receber os reembolsos. Este tipo de lentidão compromete o esforço empresarial”, critica.
Rafael Alves Rocha, diretor-geral da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), assume que “tarifas na ordem dos 30% teriam um enorme impacto no comércio“, ainda que realce que “não é certo que seja esta a decisão final da Administração norte-americana”.
Se não for possível um acordo entre a UE e os EUA, Rafael Alves Rocha alerta que o “impacto negativo não decorre apenas dos efeitos diretos no comércio externo português, onde os EUA pesam 6,7% no total das nossas exportações”, mas “o impacto decorre também dos efeitos destas medidas na economia europeia e mundial, amplificados pela disrupção que provocarão nas cadeias de valor globais“.
O responsável lembra que um levantamento recente do Banco de Portugal revela que, “considerando o universo das empresas da indústria transformadora que exportam para o mercado americano, 70% dirigem até 5% das vendas totais para esse mercado, enquanto 12% dirigem entre 5 e 10% das vendas para os EUA. No outro extremo, menos de 4% das empresas que exportam para os EUA dependem desse destino para mais de 40% das suas vendas totais”.
Mesmo os setores em que o mercado norte-americano tem pouca expressão não deixarão de ser afetados. Tal será, por exemplo, o caso do setor automóvel, que não tem uma grande exposição direta ao mercado norte-americano, mas que exporta para empresas europeias muito dependentes deste mercado.
“Entre os setores, destacaria a indústria farmacêutica, que, entre os principais setores exportadores, é o que regista uma maior exposição direta ao mercado dos Estados Unidos, que absorveu 34% do total das suas exportações em 2024”, refere o responsável, acrescentando que “mesmo os setores em que o mercado norte-americano tem pouca expressão não deixarão de ser afetados“.
“Tal será, por exemplo, o caso do setor automóvel, que não tem uma grande exposição direta ao mercado norte-americano, mas que exporta para empresas europeias muito dependentes deste mercado”.
Até agora, os medicamentos, que em 2024 atingiram os 1.167 milhões de euros para o mercado norte-americano, e os produtos petrolíferos da Galp, no valor de 1.030 milhões de euros, escaparam às tarifas. Mas, se não houver acordo entre a União Europeia e os EUA, todos terão que pagar uma taxa de 30%, sem exceção.
Perante esta ameaça – que dura há vários meses e que está a gerar incerteza entre os exportadores – “muitas empresas começaram a reforçar a sua análise de risco, a diversificar mercados de exportação e a procurar apoio junto de entidades públicas e associativas“, realça o presidente da AIP.
“Reforçar” com pouca tração
O Governo anunciou no passado mês de abril um conjunto de medidas de apoio às empresas para mitigar o impacto das tarifas norte-americanas no valor de dez mil milhões de euros, que incluem garantias bancárias, linhas de crédito, seguros de crédito à exportação, unificação das apólices, reforço do apoio aos projetos de internacionalização. As associações empresariais reconhecem o potencial das medidas aprovadas no âmbito do programa Reforçar, mas, para já, estes apoios ainda não estão a ter impacto nas empresas.
“O reforço das linhas com garantia e dos seguros de crédito à exportação são medidas importantes, mas devem ser acompanhadas por outras medidas como incentivos à diversificação de mercados, apoio à inovação e à internacionalização, e reforço da diplomacia económica no sentido de mitigar os efeitos negativos das tarifas”, explica José Eduardo Carvalho, presidente da AIP.
Para a ANIMEE, “a eficácia do programa pode ficar comprometida sem uma reorientação estratégica clara que coloque as PME’s no centro da política de internacionalização, através de medidas ajustadas à sua escala, flexíveis, acessíveis e com acompanhamento técnico próximo e contínuo”.
“Promover a internacionalização em Portugal exige mais do que linhas de crédito generalistas — requer uma infraestrutura de apoio adaptada à realidade das pequenas empresas, desde a capacitação até à facilitação logística e digital”, acrescenta Aurélio Caldeira.
A ATP reforça que “o Plano Reforçar inclui medidas com potencial, mas a sua operacionalização no terreno continua lenta. Algumas linhas já estão ativas, mas os efeitos ainda não chegaram à maioria das empresas, especialmente às PME do setor têxtil”.
“Mesmo as boas medidas, se chegam tarde, perdem impacto. E, perante uma eventual imposição de tarifas de 30% nos EUA, os instrumentos hoje disponíveis não serão suficientes para compensar o impacto no curto prazo”, atira.
“É essencial que o Governo avance com medidas extraordinárias de resposta rápida, nomeadamente a reativação do lay-off simplificado, para proteger empresas com quebras súbitas de encomendas e garantir a manutenção da capacidade produtiva. A urgência é real. Não se trata de alarmismo, mas de pragmatismo: se nada for feito, teremos empresas com dificuldade em manter turnos, cumprir contratos ou preservar postos de trabalho”, remata a associação que representa o setor têxtil.
Rafael Alves Rocha diz que “há medidas, nomeadamente a Linha BPF Invest Export, que estão já no terreno”, mostrando-se confiante “que estão criadas as condições para que a generalidade das medidas chegue rapidamente às empresas, mediante um esforço acrescido dos organismos públicos que o irão implementar, nomeadamente, para além do Banco Português de Fomento, a AICEP, o IAPMEI, o Compete e a Agência de Crédito à Exportação”.
O diretor-geral da confederação refere que este é um “programa exequível e tem uma dimensão bastante robusta”, mas “será irrealista pensar que as medidas vão compensar o impacto negativo das tarifas, mas contribuirão para que as empresas tenham melhores condições para responderem a este choque“.
Investimentos na gaveta até maior visibilidade
No que diz respeito a novos investimentos nos EUA, como forma de fugir às tarifas, “a tendência dominante é de prudência”, admite o presidente da AIP. “A incerteza quanto à aplicação efetiva das tarifas e à possibilidade de uma solução negociada leva muitas empresas a adotar uma postura de espera”, reconhece.
Ainda assim, José Eduardo Carvalho destaca que “algumas empresas com maior exposição ao mercado norte-americano estão a considerar estratégias de investimento direto nos EUA como forma de contornar as barreiras tarifárias, embora estas decisões exijam uma análise cuidadosa e ponderada”.
Aurélio Caldeira acrescenta que “esta política comercial errática adotada pelo atual executivo norte-americano, liderado pelo presidente Trump, tem vindo a minar esse ambiente de confiança, gerando elevada incerteza e imprevisibilidade”.
“Neste contexto, assistimos à criação de um risco sistémico real, alimentado por decisões unilaterais e imprevisíveis, que têm enfraquecido não só a confiança global, mas também a posição dos Estados Unidos enquanto referência de estabilidade económica internacional”, explica.
“Como consequência, a reação natural e prudente por parte das empresas portuguesas — e europeias — tem sido a prudência e contenção dos seus planos de investimento no mercado norte-americano, face a este clima constante de incerteza e insegurança jurídica e comercial“, conclui.
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