Exclusivo Azul tentou que dívida à TAP SGPS passasse para a TAP. Governo recusou e remeteu para os tribunais

Companhia brasileira tentou em 2020 passar empréstimo de 90 milhões da 'holding' para a companhia aérea para reforçar a sua proteção. Agora trava batalha nos tribunais.

Em plena pandemia e com a TAP a soçobrar, o então Governo socialista necessitava do acordo da Azul para a operação que levaria à saída do empresário David Neeleman do capital e permitiria a injeção de 1.200 milhões de euros do Estado na companhia e a sua reestruturação.

A Azul era desde 2016 titular de uma emissão de 90 milhões de euros em obrigações da TAP SGPS, convertíveis em ações, a que se somavam 30 milhões subscritos pela Parpública. Tratando-se uma alteração da propriedade da sociedade, os obrigacionistas tinham de ser também chamados a pronunciar-se, sob pena de ter de ocorrer o reembolso antecipado dos títulos.

Além disso, era necessário que fosse anulada a convertibilidade das obrigações em capital da TAP SGPS antes da injeção de capital acordada com Bruxelas, uma vez que isso abria a possibilidade de a Azul vir a entrar no capital mais tarde.

Segundo apurou o ECO junto de várias fontes, a companhia aérea brasileira temia ficar desprotegida – o que se veio a verificar –, e propôs que a responsabilidade da dívida fosse passada da TAP SGPS, a holding, para a companhia aérea, a TAP SA. Uma pretensão que foi recusada.

Uma carta enviada a 1 de julho de 2021 pelo Governo PS ao CEO da Azul, John Rodgerson, a que o ECO teve acesso, assinada pelo então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e o então secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, é dito: “Como é de esperar, a segurança jurídica que a Azul reclama apenas os tribunais lha poderão dar, como é próprio de um Estado de Direito“.

Pedro Nuno Santos era o ministro das Infraestruturas em 2020, quando o Estado comprou a posição de David Neeleman na TAP por 55 milhões.ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

“O tratamento de que a Azul beneficiará, em qualquer circunstância, inclusive em caso de qualquer formato de reestruturação da dívida do Grupo TAP, será aquele que a lei determinar, independentemente, pois, de qual seja o entendimento que o Estado como contraparte no acordo em apreço possa ter ou possa comprometer-se a fazer por esta via com vista a ir ao encontro do que a Azul solicita”, afirma também na carta.

O Governo procurou, ainda assim, apaziguar os receios do conselho de administração da companhia aérea brasileira, como avançou esta segunda-feira o Diário de Notícias.

Neste condicionalismo, estamos em condições de afirmar que o Estado Português, enquanto credor e eliminado que tenha sido o respetivo direito de conversão, respeitará e não questionará em qualquer formato de reestruturação da dívida do Grupo TAP que ao crédito das Obrigações de que a Azul é titular seja dado tratamento jurídica e economicamente pari passu a quaisquer credores comuns das sociedades do Grupo TAP, ou que a Azul seja tratada ou aceite como credora sénior (“senior secured creditor), a par com a Parpública.

Carta do Governo para a Azul em julho de 2020

A carta indica que, “neste condicionalismo”, o Estado português “respeitará e não questionará em qualquer formato de reestruturação da dívida do Grupo TAP que ao crédito das Obrigações de que a Azul é titular seja dado tratamento jurídica e economicamente pari passu a quaisquer credores comuns das sociedades do Grupo TAP, ou que a Azul seja tratada ou aceite como credora sénior (“senior secured creditor), ), a par com a Parpública”.

A carta dava duas horas para a Azul responder e sublinhava a importância do acordo para viabilizar a entrada dos 1.200 milhões de euros na TAP e evitar “uma rutura de tesouraria da TAP e a total disrupção desordenada da sua atividade com consequências porventura irreversíveis”.

Outro argumento apresentado era que o desfecho favorável da negociação “evitará a nacionalização da operação de transporte aéreo do Grupo TAP – que apenas encaramos como solução de último recurso se o referido acordo não se concretizar – constituiu a única via para que o mesmo seja suscetível de poder subsistir com o mesmo valor até à restruturação”. A nacionalização veio a acontecer logo a partir de 2020.

Da luz verde da companhia brasileira à eliminação definitiva do direito de conversão das obrigações dependia também, como assinala a missiva, o pagamento da contrapartida a David Neeleman para este vender ao estado os 22,5% que detinha na TAP SGPS através da Atlantic Gateway. Uma contrapartida que seria fixada em 55 milhões de euros. O empresário era na altura também acionista maioritário da Azul.

David Neeleman foi acionista da TAP entre 2015 e 2020, através da Atlantic Gateway. EPA/JOSE SENA GOULAO

Do acordo em 2000 ao desacordo em 2024

A Azul aceitou o fim da convertibilidade, David Neeleman saiu do capital, e as obrigações ficaram na TAP SGPS, a render um juro composto de 7,5%. Até que no verão de 2024, a atravessar dificuldades financeiras, a Azul tentou negociar com a TAP um reembolso antecipado dos títulos por um valor superior aos 90 milhões de euros mas inferior ao que resultava dos juros devidos: uma conta que já vai em 177 milhões de euros.

A transportadora portuguesa propôs pagar cerca de 50 milhões, como noticiou o ECO. O que foi rejeitado pela Azul, que exigiu o reconhecimento pela TAP das garantias prestadas no empréstimo obrigacionista, que incluem o programa de fidelização de clientes Miles & Go.

O conselho de administração da companhia aérea rejeitou e avançou em novembro com uma ação em tribunal a pedir a anulação das garantias, por considerar que se trata não de dívida sénior mas de suprimentos dos acionistas por, à altura, David Neeleman ser simultaneamente acionista da TAP SGPS e maior acionista da Azul.

A Parpública era também acionista da holding (tem agora 1%). Uma tese que a Azul contesta. No âmbito dessa contestação, foi apresentada a carta de 2020 assinada por Pedro Nuno Santos e Miguel Cruz, segundo avançou o Diário de Notícias.

O receio da Azul em 2020 acabou por se materializar. A TAP SGPS – desde 2021 detida a 100% pelo Estado e este ano rebatizada como Siavilo – viu sair os últimos ativos que detinha para a TAP SA: as participações na Portugália, Cateringpor e UCS. A holding tinha já deixado de ter qualquer posição acionista na TAP SA e na antiga Groundforce, hoje Menzies Aviation.

Na sequência de uma assembleia de obrigacionistas, realizada em abril, foi decretado o incumprimento da TAP SGPS na dívida e desencadeado o pedido de reembolso da dívida, no valor de 176,9 milhões de euros. Foi enviada uma nota de pagamento remetida pelo Banco Montepio a 27 de maio, que a holding pública não pagou, como noticiou o ECO.

Os órgãos sociais da TAP SGPS renunciaram em bloco entre o final de março e o início de junho. Na quinta-feira passada, dia 10 de julho, deu entrada um pedido de insolvência daquela holding, entregue pela TAP no Juízo de Comércio de Lisboa.

O ministro das Infraestruturas afirmou a semana passada que mandatou o conselho de administração da TAP para negociar com a Azul e reiterou que o processo deverá ser “dirimido em tribunal”.

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