Com “guilhotina ao pescoço”, viticultores do Douro exigem medidas ao Governo

Fixação de preços mínimos para uvas, fiscalização da entrada de vinhos fora da região e aumento do benefício são algumas reivindicações de um setor que sobrevive com "guilhotina apontada ao pescoço".

A Confederação Nacional da Agricultura (CNA), ouvida esta terça-feira numa audição da comissão de agricultura e pescas da Assembleia da República, exige ao Governo medidas para mitigar a crise que atinge Região Demarcada do Douro. A fixação de preços mínimos para as uvas à fiscalização da entrada de vinhos fora da região e aumento do benefício são algumas das reivindicações.

A confederação exige que o Governo fixe preços mínimos para as uvas, que estabeleça a proibição da compra de uvas abaixo dos custos de produção, pede mais fiscalização na entrada de mostos e vinhos oriundos de fora da região e a compra, pelo Estado, de stocks excedentários das adegas cooperativas.

O dirigente da CNA, Pedro Santos, lembra que em “2024, uma quantidade significativa de uvas foi vendida a menos de 200 euros por pipa e que centenas de hectares de vinha ficaram por vindimar”.

“Há que dar condições para que os agricultores não tenham sempre uma guilhotina apontada ao pescoço“, disse o membro da direção da CNA, durante a audição, recordando que a “qualquer altura os produtores recebem cartas a cancelar encomendas”.

Há que dar condições para que os agricultores não tenham sempre uma guilhotina apontada ao pescoço.

Pedro Santos

Dirigente da Confederação Nacional da Agricultura

A CNA reclama o aumento do quantitativo do benefício, rejeitando veementemente que, em 2025, este seja fixado abaixo do valor de 2024. A Região Demarcada do Douro vai transformar um total de 75 mil pipas de mosto em vinho do Porto nesta vindima, menos 15 mil do que no ano anterior. O benefício, que é a quantidade de mosto que cada produtor pode destinar à produção de vinho do Porto, foi de 90.000 pipas (550 litros cada) em 2024 e 104.000 em 2023.

O presidente da Casa do Douro afirma que o caminho “nunca passará pelo arranque da vinha, muito pelo contrário. “Temos que criar as condições para que as pessoas queiram ficar no território e não queiram abandonar a atividade, que é isso que não está a acontecer neste momento”, lamenta Rui Paredes.

Outra das reivindicações é que seja conferida à Casa do Douro a capacidade legal e operacional para ter um papel efetivo na estabilização dos stocks, através da compra e armazenamento de excedentes.

“Estamos nesta situação porque não temos uma instituição que nos represente. Quando tínhamos a Casa do Douro nunca passamos por uma situação destas”, disse o presidente da Avadouriense. “Se a produção não tem uma instituição que a represente não há equilíbrio”, lamenta Victor Herdeiro.

A Casa do Douro é importantíssima, necessária, obrigatória e imprescindível para o bom funcionamento da região e deve ter poderes públicos como já teve no passado, nomeadamente a indicação dos preços e a comercialização dos excedentes.

Victor Herdeiro

Presidente da Avadouriense

“A Casa do Douro é importantíssima, necessária, obrigatória e imprescindível para o bom funcionamento da região e deve ter poderes públicos como já teve no passado, nomeadamente a indicação dos preços e a comercialização dos excedentes“, afirma o líder da Avadouriense.

Criada em 1932 para representar os produtores de vinho da mais antiga região demarcada e regulamentada do mundo – o Douro –, a Casa do Douro viu os seus estatutos alterados em 2014, passando a ser uma associação privada de inscrição facultativa, depois de anos asfixiada em dívidas ao Estado e a credores privados.

Depois de uma tentativa em 2019, primeiro vetada pelo Presidente da República e depois considerada, em algumas normas, inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, a associação foi restaurada em janeiro de 2024.

“A Casa do Douro, que saiu destas eleições, não tem a posse de nada, a não ser do edifício”, disse Rui Paredes, presidente da Casa do Douro, durante a audição.

A Confederação reclama ainda que a aguardente a utilizar na produção do vinho generoso seja prioritariamente regional, de modo a permitir escoar toda a produção de uvas da Região Demarcada do Douro.

Reportagem na Quinta do Crasto - 10SET24
Trabalhadores na vindima da Quinta do CrastoHugo Amaral/ECO

Por fim, a CNA recordou, na audição, que “a grave crise que se instalou na Região Demarcada do Douro infelizmente foi denunciada e prevista há muito tempo, mas agora atingiu um ponto crítico, exigindo uma intervenção imediata e decisiva do Governo”.

A semana passada, o ministro da Agricultura afirmou que espera que, até setembro, cheguem aos viticultores do Douro os apoios anunciados para os excedentes de produção, abrindo a possibilidade de superarem os 13 milhões de euros anunciados. Manuel Fernandes clarificou a medida destinada para a entrega de uvas excedentárias para destilação e que o grande objetivo do Governo são os pequenos e médios produtores.

“Andamos a vender o vinho demasiado barato”, alerta Anceve

“A vindima de 2025 será muito provavelmente ainda mais dramática do que a do ano passado“, começa por dizer o presidente da Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas (Anceve), durante a audição, referindo que “todas as regiões estão a sofrer com esta crise”.

Paulo Amorim alerta que “é preciso vender melhor, nomeadamente na exportação”, e lamenta que “Portugal venda o vinho demasiado barato”, classificando esta política como “desastrosa”. Por outro lado, perante o quadro, a associação liderada por Paulo Amorim diz ser “contra o arranque da vinha” e “não concordar com a destilação da crise”.

A destilação não é normal, é uma questão de bom senso produzirmos vinho todos os anos para depois o queimarmos”, afirma o presidente da Anceve. Em relação a todos aqueles que defendem com unhas e dentes a Casa do Douro, Paulo Amorim considera que é “ligar aos cuidados intensivos um organismo que já está morto”.

A Anceve recorda ainda que “as exportações estavam a crescer no início do ano e a incerteza no comércio internacional causada pela política tarifária de Donald Trump, conjugada com o consumo de vinho em queda a nível global e com as campanhas anti-vinho, inverteram a tendência”, numa altura em que as exportações de vinhos para os EUA valem mais de 100 milhões de euros.

Para o líder da associação, a quebra no consumo do vinho é provocada essencialmente pelas campanhas anti-vinhos e pela procura por outros produtos por parte das gerações mais novas, como a canábis, por exemplo.

Por fim, a Anceve considera que uma das soluções para combater esta crise passa pela promoção do enoturismo, contabilizando que este segmento “representa 20% das vendas de vinho a nível mundial”.

(Notícia atualizada com mais informação)

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