U-Tax pede mudanças na ‘cenoura’ fiscal dos Planos de Poupança-Reforma
Os benefícios fiscais dos Planos de Poupança-Reforma (PPR) ficam muito longe dos 20% anunciados e só uma minoria ganha alguma coisa, alerta a Unidade Técnica de Avaliação Tributária e Aduaneira.
Os Planos de Poupança-Reforma (PPR) nasceram há 35 anos com a ambição de reforçar a almofada financeira das famílias portuguesas na idade da reforma e, pelo caminho, aliviar a pressão sobre a Segurança Social. O incentivo-estrela era — e continua a ser – a possibilidade de os investidores deduzirem 20% do montante investido em sede de IRS, possibilitando atualmente um benefício fiscal que pode ir até aos 400 euros, consoante a idade do investidor.
Décadas depois, o diagnóstico da Unidade Técnica de Avaliação de Políticas Tributárias e Aduaneiras (U-Tax) é implacável para os PPR. Não só o benefício fiscal custa cada vez mais ao Estado como atinge cada vez menos contribuintes e falha o objetivo de multiplicar a poupança a longo prazo.
Pior, os próprios PPR, segundo os analistas da U-Tax, mostram rendibilidades anémicas, “oferecendo, tradicionalmente, retornos relativamente baixos, o que reduz substancialmente o apelo do benefício, especialmente a longo e muito longo prazo”, lê-se no mais recente Relatório de Avaliação dos Benefícios Fiscais da Autoridade Tributária.
powered by Advanced iFrame free. Get the Pro version on CodeCanyon.
Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.
Segundo dados da autoridade Tributária calculados pelo ECO, apenas 7,2% das declarações de IRS entregues nos últimos 10 anos incluíam deduções de PPR e de produtos semelhantes, como o Fundo de Certificados de Reforma (conhecido também como “PPR do Estado”), enquanto a despesa fiscal em benefícios fiscais com estes produtos duplicou entre 2016 e 2023 para quase 93 milhões de euros em 2023 (últimos dados disponíveis).
A U-Tax aponta este desfasamento como um sinal de captura do incentivo por um grupo limitado — e relativamente mais abastado — de contribuintes, sem efeito mensurável na taxa de poupança nacional, notando que “o benefício foi introduzido em 1989, numa altura em que a taxa de poupança já estava em declínio, e parece não ter tido qualquer efeito substancial na recuperação desse declínio.” Além disso, o real benefício que os investidores têm obtido com as contribuições anuais que fazem nos seus PPR fica muito longe dos 20% oferecidos.
Na última década até 2023, a taxa efetiva média do benefício fiscal alcançado pelos contribuintes com os reforços nos seus PPR foi de apenas 2,55%, segundo cálculos do ECO. Muito longe dos 20% de taxa máxima do benefício fiscal.
Em termos legais, o benefício fiscal à entrada atribuído aos PPR pode ir até aos 400 euros, no caso dos jovens até 35 anos numa aplicação de 2 mil euros num ano. Em teoria, o Estado devolve-lhe 20% no reembolso do IRS no ano seguinte. Na prática, como este benefício “compete” com outras deduções (saúde, educação, lares, pensões de alimentos), acaba por esbarrar nos tetos globais de dedução, fazendo com que a taxa do benefício se traduza num valor muito mais baixo.
Na última década até 2023, a taxa efetiva média do benefício fiscal alcançado com as contribuições feitas em PPR foi de apenas 2,55%, segundo cálculos do ECO. Mesmo em 2023 — ano do pico dos benefícios fiscais da última década — a taxa efetiva média do benefício fiscal foi de 5,35%, como resultado de 92,6 milhões de euros de benefícios por 1.7131 milhões de contribuições por parte dos investidores. Isto significa que, em média, por cada 100 euros investidos em PPR durante o ano de 2023, os contribuintes receberam do Estado em benefício fiscal pouco mais de 5 euros.
“O benefício para a poupança para a reforma deve ser mais atrativo e, sobretudo, mais eficaz a promover poupança de longo prazo num contexto de envelhecimento demográfico”, destaca a U-Tax no seu mais recente relatório, salientando a necessidade de haver uma revisão do desenho da dedução para que o bónus anunciado (20%) se materialize efetivamente, independentemente das restantes deduções à coleta, ao mesmo tempo que urge ainda encorajar as carteiras dos PPR que sejam mais orientadas para o longo prazo, menos reféns de obrigações de curto prazo e depósitos bancários.
Se o incentivo fiscal deslumbra menos do que parece, o desempenho dos PPR também não é o melhor cartão-de-visita destes produtos. Com base numa análise aos mais de 1.000 PPR existentes no mercado até 2024, verifica-se que apenas 15% dos produtos atualmente em comercialização foi capaz de superar a inflação nos últimos cinco ano, que fixou-se nos 3,26% por ano. A mesma “taxa de sucesso” obtém-se quando se analisa os últimos dez anos, com os PPR atualmente disponíveis para subscrição (quer seja sob a forma de seguros, fundos de pensões ou fundos de investimento) a registarem uma rendibilidade anualizada de somente 1,03% na última década até ao final de 2024, contra uma taxa de inflação média de 2% no mesmo período.
Três décadas de dados demonstram que a ‘cenoura’ fiscal à entrada dos PPR é caro para o erário público, pouco progressivo e insuficiente para inverter a crónica anemia da poupança dos portugueses.
“Embora o benefício em si não seja insignificante, os produtos financeiros associados a ele tradicionalmente oferecem retornos relativamente baixos”, destaca a equipa de especialistas da U-Tax.
A aversão do mercado a risco explica parte do quadro sombrio dos PPR. Mais de um terço dos PPR classificados pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) está na classe de risco “baixo” ou “muito baixo”, com carteiras carregadas de dívida pública de curto prazo e depósitos. Estes produtos sacrificam retorno em troca de capital (quase) garantido, traindo a lógica de uma poupança pensada para prazos de 20, 30 ou 40 anos.
Três décadas de dados demonstram que a ‘cenoura’ fiscal à entrada dos PPR é caro para o erário público, pouco progressivo e insuficiente para inverter a crónica anemia da poupança dos portugueses. O mirífico 20% vende-se na banca e nas seguradoras (sobretudo no final do ano), mas chega à carteira dos investidores como um benefício médio abaixo dos 3%, ao mesmo tempo que a generalidade destes produtos apresenta um desempenho no longo prazo constantemente abaixo da taxa de inflação e de ativos de muito baixo risco, como os Certificados de Aforro.
A U-Tax deixa a receita para inverter este ambiente, apontando para o redesenho do incentivo, simplificação dos tetos, premiação verdadeiramente da poupança de longo prazo e exigência de carteiras com melhores desempenhos. Sem reformas, os PPR e os produtos semelhantes continuarão reféns de um marketing que promete muito e entrega pouco.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
U-Tax pede mudanças na ‘cenoura’ fiscal dos Planos de Poupança-Reforma
{{ noCommentsLabel }}